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terça-feira, março 16, 2004

Utopia e contrasenso
"Na verdade, o indivíduo - no sentido absoluto que os profetas revolucionários lhe deram - não existe. Pertence, sempre, a uma família, a uma profissão, a uma divisão do território - a um grupo natural ou social. Uma sociedade sem órgãos sociais é inconcebível. Ora, organizar uma sociedade é distribuir, dentro dela, as várias funções, os vários deveres, as várias tarefas. É, portanto, - hierarquizar.
O indivíduo - acentuamos de novo - socialmente, só existe como elemento daqueles órgãos de que a Sociedade se compõe. No seio do seu grupo, ao qual está ligado pelo sangue (família), pela formação técnica (profissão), pela naturalidade (região) - o indivíduo poderá viver, progredir, valorizar-se. Fora do grupo, é apenas um factor de desordem, uma figura inútil - uma ficção lamentável.
Logo, a Democracia, baseando-se no falso conceito do indivíduo-isolado - é uma utopia.
Toda a sociedade organizada implica uma distinção entre governantes e governados. Alguém que mande -e alguém que obedeça. Um Poder - e um conjunto orgânico subordinado a esse Poder.
A Democracia declara que o Poder reside na multidão. Formularemos, então, o seguinte dilema: ou a multidão é, ao mesmo tempo, governante e governada (e logo se vê que isto é contra a razão e totalmente impossível na prática) - ou a multidão delega o governo de qualquer maneira, indicando, ela própria, quem deve governá-la.
Mas, nesta segunda solução, encontra-se já a condenação da Democracia. A Democracia pura passa a não existir. O seu primeiro gesto é renegar-se a si mesma. Já não é a multidão, o povo, quem governa. «Nesse momento, pois, a soberania, deslocada do eleitorado para os seus representantes, sem possibilidade de uma fiscalização eficaz por parte daquele no seu modo de exercício, será assim, já não a vontade do povo - mas apenas a de uma aristocracia casual e momentaneamente constituída» - demonstrou, muito bem, o Professor da Universidade de Coimbra, Doutor Luís Cabral de Moncada.
A Soberania do Povo foi sempre um logro. Soberano - dizem-lhe - por intermédio dos seus delegados. Esses delegados, escolhidos nos centros partidários, não são mais do que agentes de certas facções, cujo fim determinante é o assalto ao Poder. E assim, em nome da soberania popular, tem lugar a mais hipócrita e astuciosa soberania dos partidos.
Nem admira. O ponto de partida, quimérico e perigoso, havia de produzir estas consequências...
Logo, a Democracia, baseando-se na atribuição do Poder à multidão, que nunca o chega a exercer de facto - é um contra-senso."
João Ameal

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