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quarta-feira, março 30, 2005

PERMANÊNCIA E FÉ 

Aquele que não acredita na sua verdade morre e merece morrer. Acreditar é viver aquilo em que se acredita, é ser aquilo em que se acredita, é sofrer de que não esteja tudo repassado dessa alma, e de que ela não subjugue tudo. Acreditar é ser absolutista, firmar a absolutidade daquilo em que acreditamos. É ser totalitário, intransigente, fanático. Acreditar é viver e proclamar um dogma. Só ao tornar-se dogma, combate, intolerância e imperialismo, só na implacável invasão do amor, no incêndio total da fé, só assim existe a crença.
A crença não admite limites no seu objecto, pois, de outro modo, ela e ele desapareceriam pela bruma indecisa dos contornos. A crença é indemovível e impenetrável, inflexível e dura como diamante. A crença não pactua nem se amolda, nem recua, nem amolece, nem se minimiza. Infla e avança e sobe, como um vento ou uma cheia. Se admitisse outra verdade contrária, se lhe tolerasse a existência, se duvidasse, não seria crença, mas sim dúvida.
Arrastamo-nos, alheados e vagos, por um tempo de demissão. Não assumimos a nossa verdade, não combatemos pela nossa alma. Ou amamos demasiadamente a vida, a nossa vida animal, a vidinha — e, de cobardia, morremos; ou levantamos anteparos, amortecedores, pára-choques, passamos a mão pelo lombo das feras, comprazemos com as exigências dos provocadores, fazemos desvios de caminho, disfarçamo-nos ou abastardamo-nos, metemos o rabinho entre as pernas, damos ao erro e à mentira foros de cidade na cidade que nos pertence — e tornamo-nos pigmeus e escravos.
Passamos os dias, os anos, os lugares, a retirar e a conceder. A nossa grande habilidade, o nosso embofiado triunfo é não ter cedido cem por cento, mas só oitenta por cento ou — feito digno dos grandes capitães... — vinte por cento, apenas. E de cada vez cedemos: não tudo, mas só parte. E de cada vez recuamos alguns passos, não todos quanto o adversário exigia... Recuamos, de cada vez, vinte passos até perfazer cem — e o adversário conseguir os seus propósitos.
E o nosso propósito? Desde há muito que não é vencer, mas neutralizar. O resultado é sermos vencidos. Envergonhamo-nos de ser nítidos e firmes, desafiadores e coesos. Tememos a nitidez, a firmeza, o desafio, a coesão do adversário. Achamos ridículas e obsoletas as nossas ideias, as nossas insígnias, as nossas palavras. Inquietamo-nos de que o nosso ser possa ferir susceptibilidade e intransigência, o ser, do inimigo. Descolorimo-nos, abrandamo-nos, invertebramo-nos, pedimos desculpa. Levamos o tempo a hesitar e a tentar convencer, a abrandar e a moderar, enquanto o inimigo actua e avança. Perante uma acusação, entramos em pânico. «Oh!, não demos pretexto a uma acusação!» Os outros lançam ofensivas e, orgulhosamente, conquistam e afirmam-se e são fortes. Diante dessa altivez e insolência, ficamos perplexos e perdemo-nos em diplomacias, raciocínios e disfarces. Hesitamos. Relegamos a fé. «Nada de violências», dizemo-nos. E pomo-nos gravemente a pensar. A pensar morreu um burro. Burros é que nós somos, ou bois a olhar para palácio, ou carneiros insensíveis conduzidos ao matadouro. De qualquer modo, animais. Sem fé, morreremos por tanto amar a vidinha. Que porcaria de tempo, ó meu Deus!
Goulart Nogueira
(In Agora – n.º 342, pág. 3, 27.01.1968)

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Levanta-te e anda! 

- Ó mocidade, a voz do mar
Que diz!
- Mistério.
- Acorda bem. Torna a escutar.
Que diz!
- Império.

Levanta-te e vai! Vive! Luta
Olhos no céu!
Reza! Grita, que quem te escuta
É o mar, que é teu.

Luta! Mil anos vais levar
Dois mil ou três?
Começa! Tens de começar
Alguma vez.

Que importa o sol, a chuva, o vento,
Mil anos são um só momento
Na eternidade.

Olha o caminho que é direito.
O fim lá está.
Levanta os olhos! Dilata o peito
E vai! Vai já!


Fernando Lima
(In «Agora», n.º 289, pág. 10, 17.12.1966)

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O EXEMPLO DOS RESTAURADORES 

No dia 1 de Dezembro de 1640, numerosos fidalgos armados acorrem ao paço habitado pela Duquesa de Mântua, vice-rainha de Portugal. Penetram no Palácio, vencem as resistências e executam Miguel de Vasconcelos, traidor à Pátria, hediondo símbolo do domínio dos Áustrias. O velho D. Miguel de Almeida assoma a uma varanda e anuncia ao Povo a libertação do Reino. Forma-se imediatamente uma grande multidão que aclama El-Rei D. João IV.
Esta Revolução, preparada havia meses, deve-se essencialmente à coragem, à dedicação e ao entusiasmo viril de um punhado de conjurados, jovens fidalgos reunidos em volta de D. Antão de Almada. Foi no Palácio dos condes de Almada, hoje sede do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa, que se realizaram as reuniões secretas dos Restauradores. É digno e justo apontar às novas gerações o nobre exemplo que esta data encerra. Não devemos esquecer que a acção firme e consciente de uma pequena élite pode salvar uma situação considerada desesperada.
Quando certos princípios estão em perigo, quando a Justiça e o Direito são ultrajados, a inacção chama-se complacência culpável, e a renúncia chama-se cobardia. Mas isso não se dirá de nós. No momento em que a Pátria sofre mutilações e feridas no seu corpo, não podemos tolerar que seja também atacada no seu espírito. A juventude que salvou Portugal em 1640 tem de ser o exemplo da juventude actual para vencermos e aniquilarmos a traição.
Ora, pela sua índole como pela força das circunstâncias, a Mocidade Portuguesa não pode viver na defensiva. Temos, pois, de atacar e de destruir a traição onde quer que ela se encontre entrincheirada. A tanto nos obriga o facto de o aniversário da Revolução de 1 de Dezembro ser consagrado como o Dia da Mocidade. Devemos permanecer fiéis ao espírito heróico dos Restauradores. Como eles, sabemos sacrificar o nosso comodismo ao serviço do Ideal que professamos.
Afirmamos que é absolutamente indispensável, que mantenhamos — com toda a dureza, com toda a decisão, com toda a violência se for necessário — a imutabilidade dos nossos postulados iniciais, a permanência dos nossos princípios doutrinários e das nossas técnicas educativas.
Juramos que a Mocidade nunca se resignará em deixar vis traidores apoderarem-se do Portugal salvo pelo sangue e pelo ideal dos gloriosos caídos pela Pátria no Ultramar.
Proclamamos que nós servimos a Revolução.
O exemplo dos Restauradores da Independência deve nortear os rapazes da Mocidade Portuguesa que lutam e sofrem pela nossa patriótica Organização.
Jovens de Portugal! Vinde às nossas fileiras, ouvi o nosso apelo e lutai também por Portugal, Uno, Grande e Forte.
Luís Fernandes
(In «Agora», n.º 289, pág. 10, 17.12.1966)

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MAURRAS, HOMEM DE DEUS 

A Paixão é em seus quadros e personagens narrativa admirável dos homens de todos os tempos, paradigma da história do mundo, espelho de acções e silêncios, raiz a meditar e construir, estação perene onde cabemos nós e quase tudo.
As linhas cruzadas de Deus e de César, o passamento dos triunfos terrenos (Cristo vitoriado em Domingo de Ramos e escarnecido na Quinta‑feira) a inveja dos Doutores, as interrogações de Pilatos, o medo de Pedro, a fidelidade de João, o Amor de Maria, os eleitos de acaso (Verónica, o Cireneu, os Ladrões) todos escolhendo e cumprindo o seu papel na Economia da Salvação. Cumprindo um papel, um destino. Destino ingrato, estranho e trá­gico, terrivelmente necessário para que tudo fosse como estava escrito, o desse personagem‑chave e maldito que é Judas Iscariotes.
Bem e Mal, Luz e Trevas, Verdade e Erro. A linguagem é feita destas proposições que guardam um sabor maniqueu. A Vida também, sem prejuízo do perigo das simplificações fáceis. E nos homens, em todos e em cada um, em crispação e dúvida perante os extremos, actores e pomos da questão, situa‑se sobretudo a guerra dos reinos de Cima e de Baixo. Vitórias e derrotas marcadas nos sulcos das existências nas obras legadas, nas árvores, nos Livros, nos filhos, embora a bondade dos frutos dependa tanto da semente como da ordem do terreno.
E assim há homens de Deus e homens que O esqueceram, há propagadores e inimigos da Graça; há campos, exércitos, batalhas, algum sangue, mui­to choro, muita esperança. Such is life, isn't it...
Contraponto. Ponto contra ponto. Onde estão os Homens de Deus? Como conhecê­‑los, encontrá‑los, segui-los, dar seu testemunho; quais as marcas, os símbolos, os estigmas, as bandeiras, as espirais de fogo, as roupas dos eleitos? É muito importante descobri‑los. E não será fácil. Homens de Deus. Debruço‑me sobre os contemporâneos, a escutar as linhas traçadas nas sombras que ficaram, os passos na areia, os padrões de tanta via‑sacra esquecida ou ignorada. Homens de Deus, fortes e fiéis, caminheiros incan­sáveis em busca do Reino, numa devoção como­vida e lúcida ao ideal de cumprir e dar a Palavra.
Homens de Deus. Iguais a nós, do mesmo barro e do mesmo sangue, mas tão grandes tam­bém. Penso num Papini, a «ira sagrada» a destroçar os círculos do vício; como tanto Bernanos; como, mais longe, o velho e humilde Édouard Dru­mont, exorcista da usura (como Ezra Pound, mal­dito e poeta); em Antoine de Saint‑Éxupéry, que percorreu os caminhos do céu e nos deixou Cidadela; no Chesterton, aquele rosto de professor de província, uma Fé que não precisava de gritar, antes sabia rir. E tantos, que deram testemunho pela escrita.
Depois, Homens de Deus nas sendas do Poder, em risco perpétuo, dados de alma e corpo às coisas grandes, contas só ao Juiz supremo. Alguns passa­ram bem perto de nós.
Homens de Deus, numa aventura no século, dando tantas vezes, mesmo sem intenção, a medida maior da Luz, que vem aos ser­vos do Reino. Estou agora a lembrar‑me dum des­ses, de Maurras, agnóstico, racionalista, implacável tantas vezes, mas também e acima de tudo Ho­mem de Deus, porque Homem de Esperança. Vem ao Mundo num dia 20 de Abril, aniversário da fundação de Roma, a Providência a entregar ao signo da Loba úbere do Lácio o homem, marcado pelos estigmas do génio e da perseverança, no rosto patrício a vocação imperial temperada pela serenidade de Atenas.
Homem de Deus, sinal de contradição, Des­tino. É vê‑lo desde as primeiras horas da juven­tude na rude batalha contra si mesmo, contra o anarquismo intelectual que é estação quase obri­gatória nos homens de raça, momento de crise a transpor e resolver, a gerar depois a fidelidade aos Valores supremos ou à sua busca que há‑de seguir até ao fim, até aos últimos dias, nem ven­cido nem convencido, pelas pedras do chão e pelos ferros dos homens, trajectória exemplar de amor do Bem.
No intróito de «Maurras et notre temps», prei­to e memorial de Henri Massis àquele que foi seu Mestre e Amigo há uma passagem que revela o significado essencial da vida de Maurras:
«Foi nos humildes começos da Action Fran­çaise, quando ela não passava da «petite revue grise», cujas provas Maurras e os seus reviam nas mesas do Café de Flore. Uns seis ou sete em ardentes discussões, com vista a um acordo — um acordo sobre os meios de salvação da França — e que se exercitavam a pensar e reagir em comum para reagirem da mesma forma. Entre eles havia um tal Octave Tauxier — cujos prometedores bos­quejos tinham impressionado Lemaître e Bourget. Era um jovem que pensava com firmeza, e segundo testemunho do próprio Maurras, foi um dos primeiros da sua geração a pressentir e prever que o prestígio da atracção e da novidade iam passar da esquerda para a direita. Um mal implacável arrancou-o prematuramente aos seus amigos. Quando vieram dizer a Maurras «Tauxier morreu» este teve esta exclamação espantosa que, muitos anos depois, Bainville me relatou — «Não se morre» — retorquiu Maurras, com a voz surda, a cerrar os punhos, nos olhos uma nuvem de dor e de raiva. Não, não se morre, quando se tem uma obra a cumprir, quando há bens a salvar, ma­les a destruir, um combate a que se consagrar, trabalho para mais de meio século.»
«Não se morre»... A revolta, a recusa perante o irremediável, é, na evidência do paradoxo, espelho duma vida ao serviço da Vida, guerra sem tréguas a todos os derrotismos, a todas as negações, a todos os abandonos, linha ascensional onde correm lampejos de epopeia, onde circula a seiva da grandeza, onde não se vislumbra mancha de comodismo ou concessão.
«Não se morre»... E entretanto há os amigos e companheiros que tombaram por palavras de vida, os muitos que ficaram na berma ou no meio da estrada: Marius Plateau abatido nos escritórios da Action Française, os caídos no 6 de Fevereiro, os assassinados na Libertação.
«Não se morre...» mas morria‑se pela França em Verdun e no Marne, mesmo na drôle de guerre; depois, pela França e qualquer coisa mais, diante de Moscovo...
«Não se morre...» — e há cadáveres, sepultos ou es­quecidos, há gerações e juventudes perdidas e reencontradas em manhãs e crepúsculos de carni­ficina; e o mais cru, o mais terrível, há os mortos, os sobreviventes, os que renegaram, os que traíram.
Mas na verdade, «não se morre». A imagem de Maurras ao ter notícia do fim de Tauxier, não é um mero episódio, um grito de retórica. — Depois das escaramuças do affaire Dreyfus, da «petite revue grise», a Action Française quotidiana sai a lume, e as polémicas, os ataques, os recontros sem tréguas tornam-se permanentes. As suas palavras de ordem são um apelo à França real, à pátria de Joana d`Arc e Luís XIV, um apelo e uma chamada à salvação contra o país legal, a III República do parlamentarismo, conservantista, radical —.
Para Maurras são as noites brancas, em tipografias de redacção, é uma existência de renúncia de quem se deu todo às suas ideias e aos seus fins; são as dores e sacrifícios que importa um combate político constante, as esperan­ças e as desilusões, os capitólios e as rochas tarpeias, os escolhos, as opções, as responsabilidades sem contas afinal a cair sobre ele que era mestre e guia de todos.
A Grande Guerra, as campanhas contra o derrotismo e a traição. Maurras e Daudet na brecha, «professores de energia». Os anos vinte, tumultuosos, que vão trazer a questão com Roma e luto e provações sem nome: o non possumus nos limites do risco, a alma mais que o corpo numa entrega completa aos ideais, esteios de fidelidade e amargura numa era de trevas — . Depois o 6 de Fevereiro de 1934, a Frente Popular. Maurras é ferido. A Guerra de Espanha vem acender as cores do Fogo e do Sangue, revelar as bandeiras por que os homens vão morrendo na Europa, as cinzas, prelúdio das futuras, e a iluminação, a caírem como fundo de mau presságio, sobre os já curtos dias de Paz.
A guerra, a débacle, o armistício, Vichy, as esperanças no Marechal, no «État Français», encontram Maurras sempre na primeira linha. Como o processo iníquo que lhe movem os seus inimigos, a vingança de Dreyfus, as acusações mentirosas, acham o velho leão inquebrantável acusador dos seus juizes, monolítico, invencível, admirável.
A prisão, o aproximar da morte, numa linha de luz. «Não se morre» —. Há esperança, muita, no limiar da morte.
Nestes tempos em que a Decadência nos amea­ça, quando as internacionais da Plutocracia e do Proletariado põem em perigo as Pátrias e o Ocidente, quando a Civilização Cristã é lugar‑comum na boca de gente que nada tem de civilizado ou de cristão, nestes dias tão tormentosos, tão decisivos, onde tememos por uma concepção de vida e pela própria vida civilizada à superfície da terra, quando o cepticismo e resignação diante do curso da História envenenam até os melhores, numa idade de catacumbas, a lição de Maurras, nas suas ideias e nos seus livros, confirmada por uma nobre coerência que não conheceu receio ou hesitação, deve ser para nós pedra e penhor de esperança — «Ceux qui disent que ce qui est mort est mort ne sont pas sûrs de l'affaire. Il semble bien que ce qui est mort ne meurt pas de mort naturelle et qu`il y eut toujours quelque recoin obscur résérvé a l`espoir»...
Assim foi, viveu e morreu Charles Maurras. Grande entre os grandes, o culto da razão, a inflexibilidade dos juízos, a permanência nos valores, não impedem que, mesmo que afastado e até tantas vezes alheio às trajectórias ortodoxas, não seja acima de tudo, com verdade e fé, um Homem de Vontade e de Esperança, dos que querem e acreditam que a Vida há‑de continuar, dos que permanecem.
Um Homem Fiel. Um Homem de Deus.
Jaime Nogueira Pinto
(In «Política», n.º 30, 01.04.1971, pág. 3)

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«ENQUANTO ULISSES DORMIA...» 

Há uma corrosão lenta, venenos subtis que se vão entranhando no sangue e minando a saúde até destruir os corpos ou perverter as almas. Há tácticas habilidosas, caminhos de silêncio, invasões encapotadas que tomam conta dos exércitos, das praças, dos povos, das nações.
Temos sido ingénuos e descuidados, temos sido cépticos e desatentos, cheios de auto-suficiência e com sorrisos de desdém perante certas actividades que considerámos inofensivas. Temo-lo sido até ao extremo do exagero mais extremo — e até, e especialmente, nos mais responsáveis, por cultura ou posição.
É tempo — urgente, inadiável, decisivo —, tempo de arrepiar caminho e tomar medidas drásticas! É o derradeiro minuto possível — ou tudo acabará em luta sangrenta e, talvez, num período de escravidão, mais ou menos longo, mais ou menos aniquilador.
A educação espiritual de um povo, a conformação ideológica estão na base do trabalho pacífico e construtivo, de uma ordem actualizante e ascendente, onde a autoridade garanta a justiça, o bem comum, os valores.
«Mais vale prevenir do que remediar». Se usarmos as precauções necessárias, se cuidarmos da saúde, evitaremos o recurso, mais tarde, a custosos remédios e operações dolorosas, talvez cortes violentos. Quanto maior for a vigilância e mais atenta, inflexível, a repressão dos miasmas e ataques, menos se correrá o grave risco de repressões duríssimas ou de quedas fatais. A medicina preventiva é o melhor processo.
No entanto, o comportamento não pode limitar-se a repressões e proibições, não pode ter simples carácter negativo: à existência não se deve opor o nada, o vazio. A uma ideia ou a actos, há que substituir outros actos e outra ideia. Nas artes, no pensamento, nas revistas, nos jornais, nos livros, na rádio, na televisão, no ensino; nos professores, nos directores, nos jornalistas, nos comentadores, nos chefes — precisamos de instaurar uma orientação consciente e formativa, não deixarmos campo aberto à anarquia espiritual e à subversão, como se a Verdade fosse móvel e inapreensível, como se fosse igual à mentira e ao erro. Precisamos de criar sadia mentalidade e vigorosa unidade de sentimento nacional. Um povo dividido, centrífugo, instável, um povo divorciado do Governo é caixa de Pandora semeadora de fúrias e pestes, cruel fera à solta ou adormecida mas prestes a desembestar.
A falta de atenção à conformação espiritual das gentes, da mocidade, especialmente, dá consequências brutais. Os que amanhã (ou já hoje...) serão médicos, professores, sacerdotes, artistas, oficiais do exército, dirigentes, os que serão personalidades condutoras, influentes, exemplificadoras, geradoras de mentalidade, terão sentimentos e ideias contrárias ao que acreditamos (com fé sem tibieza! — ou não é fé nem vale a pena!) ser a Verdade e o Bem. O assalto verificar-se-á, em vários planos, e até o nosso exército, a nossa defesa, a unidade da Pátria estarão à mercê de banditismos e sabotagens.
Evidentemente: o combate ideológico prolonga-se na acção política — e esta inclui a administrativa, a económica, a social. O pensamento não pode ficar na esfera abstracta, em verbalismos, em teoria que contradiga a realidade por ela postulada. «Bem prega Frei Tomás! Olhai para o que diz e não para o que faz» é um irónico ditado, castigador de hipocrisias exploradoras e egoístas. A justiça ao povo, a dedicação ao bem nacional e à supremacia dos valores, têm de cumprir-se, banindo todos os interesses plutocráticos e a corrupção administrativa. Aliás, esse, materialismo prático é o que mais se alheia da doutrina, da conformação espiritual do povo e da alma da juventude. Os conservadores e os moderados são os piores inimigos.
Ergamo-nos, pois, contra a invasora traição!
Goulart Nogueira
(in Agora, n.º 325, págs. 1/11, 07.10.1967)

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terça-feira, março 29, 2005

Nacionalismo Mítico 

Surgiu um novo blogue vocacionado para a recordação e a reactualização das correntes místicas que percorrem a alma e a cultura lusitanas.
De Pascoaes a Pessoa, do Sebastianismo ao Quinto Império, há todo um território imenso a explorar e a redescobrir.
"O Mito é o nada que é tudo"... Bem vindo seja o Nacionalismo Mítico!

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Até na Bélgica! 

A hostilidade à constituição euroturca atinge mesmo os mais insuspeitos recantos.
Até a Bélgica, pacata e burguesa, artificial arranjo político a fingir de país, já tem uma Associação Pela Soberania Nacional.
Que farão os outros, nações que o são há mil anos, estados que sempre se conheceram como independentes?

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segunda-feira, março 28, 2005

Fascistas para o museu, já! 

Serve este postal para convidar os meus amigos a visitar o Museu Nacional de Arqueologia.
Para além das exposições permanentes, "Tesouros da Arqueologia Portuguesa" e "Antiguidades Egípcias", estão neste momento em exibição várias exposições temporárias do maior interesse: é o caso de "Religiões da Lusitânia" e "A Presença Romana em Cascais", para além das duas restantes, sobre o Aqueduto das Águas Livres e sobre os Romanos e a sua mestria na utilização da água.
É tempo ganho é que for utilizado para conhecer os Jerónimos e o recheio do Museu Nacional de Arqueologia.

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Rodrigo Emílio 

Na passagem do primeiro aniversário da morte de Rodrigo Emílio informamos que será celebrada neste dia 28 de Março, pelas 19 horas, uma Missa em sua intenção, na Igreja de Fátima, em Lisboa.
Recordamos também que no próximo sábado dia 2 de Abril, pelas 15 horas, irá decorrer uma sessão de homenagem a Rodrigo Emílio no Salão Nobre do Palácio da Independência, no Largo de São Domingos, n.º 11, em Lisboa.

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domingo, março 27, 2005

AINDA PODEMOS VENCER? 

"Quando nos começámos a formar mentalmente e a interessar-nos pelos problemas da Cultura, desde o Pensamento à Acção, desde as artes à Política, encontrámo-nos implantados numa paisagem de selva ou de ervas daninhas. Era quase unânime o coro democrático, progressista, era moda e inteligente louvar o socialismo das esquerdas, fazer o protesto fácil e entrar no rebanho. Em face disto, só havia outra posição acomodatícia, um conservadorismo interesseiro, um louvaminhar submisso, falta de idealismo, alheamento da perfeição.
A nossa extrema juventude levou-nos à recusa dos caminhos gastos e àquela «virtude da insolência» que Brasillach louvava em Joana d`Arc. Mas não nos deixámos conduzir pela oposição gratuita, por um simples movimento de contradição. Era natural que, pelo menos durante um largo período, fossemos apanhados na engrenagem e acabássemos por alinhar nas hostes dominantes que ofereciam, ao mesmo tempo, a vantagem de um aplauso generalizado e a bonita vantagem de uma revolta aparente. A falta de um poder crítico e de um esclarecimento oportuno, fariam de nós outro carneiro, em um ou outro dos rebanhos — pela nossa adolescência, naturalmente no da esquerda, que não possuía o poder legal, mas que oferecia o prestígio de um poder de facto sobre o consenso de certas maiorias no nosso meio. (Como dizia um intelectual considerado e insuspeito, vivemos numa «ditadura intelectual das esquerdas»)
Nem no nosso país nem no mundo, havia grupos influentes e poderosos, com vasta audiência, e distintos das linhas que apontamos.
Três coisas nos salvaram: a nossa desconfiança perante as duas formações tão apoiadas; a nossa propensão para alguns valores primaciais e eternos; o encontro de quem nos iniciou na doutrina justa (primeiro e decisivamente, José Valle de Figueiredo; mais tarde e sequentemente, Goulart Nogueira). Então, vimos qual era o caminho certo e novo, a orientação justa, vimos a Ideia que cortava a direito sobre aquelas confusões e papagueamentos reinantes. Tomámos consciência de nós próprios; ao encontrar, encontrámo-nos.
Não foi o lugar mais fácil que escolhemos. A opção fez-se em obediência a um imperativo interior. Tudo parecia desaconselhar-nos a posição ingrata, onde só os malditos combatiam, desfigurados e carregados de calúnia, de incompreensão, de afastamentos. No entanto, não hesitámos.
Se a nossa intenção fosse obter louvores e benesses, teríamos desistido. Se acreditássemos em que é inelutável a resolução dos acontecimentos em favor do adversário, que a vontade humana é impotente para conduzir a História, talvez enveredássemos por outro destino e acompanhássemos os outros ou ficássemos parados. Se não guardássemos indomável fé na Verdade e não soubéssemos que as minorias excepcionais, lutadoras, podem revolver o mundo, não estaríamos onde hoje estamos. Se pudéssemos renunciar a nós mesmos, negar as nossas convicções mais íntimas, o nosso modo de ser, o Fascismo representaria para nós um mito longínquo e uma causa irrecuperável, um momento ultrapassado.
Mas nós não acreditamos! Uma nova geração sobe no horizonte. A juventude que se nega à nevoenta existência destes dias, prepara uma Reconquista.
O Fascismo regressa e desfere novos voos. Ainda, e cada vez mais, podemos vencer."
Miguel Seabra
(In «Agora», n.º 329, 04.11.1967, pág. 16)

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QUE NUNCA TENHAMOS DE O CHORAR 

"Nunca fui um salazarista, pelo menos na acepção corrente do termo. Cumpre explicar porquê, pois adivinho laivos de escândalo nalguns, e acrescentar que talvez venha um dia a sê-lo. Não posso dizer que fui salazarista na medida em que não fui, nem sou, incondicional de ninguém. Só da minha Fé e das minhas Ideias. De Deus e dos Valores. E se é bom guardar a lucidez e o espírito crítico perante os grandes deste mundo, tenho uma certa pena por não ter sentido aquela devoção cega a um Chefe, a dádiva sem limites, a gloriosa loucura da abdicação de nós, que faz as grandes fidelidades, os grandes e silenciosos sacrifícios.
Posto isto, traçadas que são as fronteiras e situações, não tenho dúvidas em falar dum Homem que vi pela primeira vez no dia da sua morte e a quem então beijei as mãos; e falar, dizendo um pouco do muito que deveria ser dito, sem pretender fazer análises, mas apenas, com humildade e respeito, dar testemunho.
Salazar é para mim e para os da minha geração (os que pensamos, cremos e queremos por igual medida) nascidos depois da Segunda Guerra, formados nos anos sessenta, quando a Europa e o Ocidente se arrependeram e culparam do melhor que foram, o Homem das apostas contra a Decadência, da Vontade inflexível perante os factos, ao serviço constante da Verdade. É Vida. Exemplo. Raiz. Deus, as Pátrias, os outros, exigem homens assim: que vivam para os seu ministério, a privarem-se das coisas que para o comum (e não só) importam: um Lar, uma Família, Filhos, bens palpáveis, pequenos ou grandes não interessa, mas de sua pertença exclusiva, afectos certos, que são nossos, se fazem e se perpetuam, que são esperança, e depois razão, e depois vínculo, e continuidade, só nossos, por um certo tempo e num certo espaço. Ele a tudo isto renunciou. Confundindo-se num dado instante com sua Missão e Serviço, com o Poder e o Estado, renunciou a tudo, ganhando tudo. Escolheu, como grande que era, ser senhor da sua vida e do seu Futuro. E as opções são difíceis, não pelo que se segue, mas pelo que se deixa para trás...
Há tanto de singular neste Homem: a coerência, a fidelidade, a si e suas ideias, o sentido da hierarquia e da permanência, o modo sóbrio, o querer inquebrantável. Na Grécia seria talvez um Sábio, em Roma um cidadão dos que geriam a República até ao fim dos dias, se abriam as veias perante a iniquidade do Príncipe; na Idade Média a meditar sobre a História de Deus ou, chanceler zeloso do Bem Comum, a exorcizar maus sacerdotes. Um grande na Renascença, obscuro em Setecentos; e não o vejo senão no seu Vale de Lobos no «estúpido século XIX».
Mas a Providência deu-o a nós, em nosso Tempo. Penso, como Huxley, que as coisas mais importantes são a Graça e a Predestinação. E aí conta para mim (e hoje para quase todos...) o Salazar de Abril de 61, o Salazar da Resistência, o Salazar imperturbável perante a imensidade dos obstáculos e dos trabalhos. Lembro-me, da noite em que em breves palavras nos explicou porque íamos fazer a guerra, porque íamos para um tempo de sangue e lágrimas: Angola.
E Angola para além da tragédia concreta era um símbolo do que de maior tem o País e a gente. Era o Bojador, as Tormentas, a Índia, a História, o Sangue, o Império, o Futuro. Angola era um desafio, uma encruzilhada. Chegava o nosso tempo. Éramos postos à prova. Éramos livres de partir ou ficar. De perder ou sair vitoriosos. Ele não hesitava. Era um Homem de Deus que pode significar ser um Homem de Estado, na mais nobre e grande acepção. Falou o que era preciso e como era preciso. Sem dramatizar nem minimizar. Foi, como diria o Pessoa, o Homem-Média, a soma de nós todos e dos melhores. Alma da Raça. Intérprete.
A grandeza daquele velho, que sabia pôr em pé um Povo, que sabia tocar clarim, que sabia traduzir as Razões por que os outros podem e devem morrer. E eu, que tinha quinze anos e admirava os condottieris que arriscavam fisicamente a pele, os grandes chefes de guerra e aventura que morrem jovens e em combate e são enterrados à luz de archotes, compreendi que se pode ser Herói aos setenta anos, num gabinete de trabalho, em silêncio, entre papéis e livros, ensinando a boa administração, a viver habitualmente.
E talvez devo-o a Salazar. Como lhe devo o reforço da convicção que sempre tive de ser a Verdade uma categoria independente do tempo, do lugar, dos números, dos votos, das opiniões, das penas, dos riscos, da morte! E ter preservado esta terra, mantendo-a grande e partida pelo mundo.
E este orgulho em ser Português, em pertencer aos únicos que desafiaram e venceram a ofensiva dos ventos da História, e uma herança que temos oportunidade de conservar e dar aos nossos filhos, uma Nação plena de espaços e aventura, onde a vida ainda não é contabilizada e planificada à maneira dum corpo sem vontade ou alma.
Era um grande senhor, duma estirpe que vai sendo rara. Tinha a consciência da Razão de Estado, do Poder como coisa rara, que vem de Deus e só a Ele, a cada instante, e na hora última se deve dar contas. Que não pode ser profanado, nem malbaratado, nem estar à mercê da rua, dos grupos de interesses, dos fluxos da opinião. Sabia que governar não era agradar mas servir. Não descia ao povo, não o adulava (nem aos poderosos, aliás...) não o cultivava. Mas o Povo compreendia-o, guardava-lhe respeito e amor, e, mais, para o fim, uma grande ternura; não o culpava dos males e erros que em seu tempo, como em todos, houve, e que foram graves. Porque todo o humano tem limites, até o génio.
Salazar morreu numa manhã de Verão, dum dia de sol que foi belo e ele já quase não viu. A essa hora em Angola, em Moçambique, na Guiné, os Portugueses batiam-se pelo que ele se bateu e mostrou ser mais importante que a vida de cada um. No décimo ano da Defesa, tínhamos vencido, graças à sua Acção, o pior inimigo: a Dúvida.
Creio que, como nos ensinou tão bem, não devemos chorá-lo. Eu sou contra os elogios fúnebres e tal, por paradoxo que pareça, é uma das razões porque escrevo sobre Salazar.
Ele vive agora entre nós, em sua Obra. Ele vive em suas Palavras e seus Actos, que aqui estão e hão-de ficar, se formos dignos deles e os soubermos preservar.
Só devemos chorar os mortos se os não merecermos. Só devemos chorar Salazar, se por nosso desânimo, medo, fraqueza, inércia, por nossa culpa, Portugal for mais pequeno que o que nos legou; se o erro, a mentira, o oportunismo, a decadência, a abdicação triunfarem; se a integridade da soberania for atingida e, se a Nação perecer, então sim, devemos chorar o Homem, porque lhe desbaratámos a Obra, e viveu e morreu em vão.
Mas tal não há-de suceder. Agora que ele se foi definitivamente, o Futuro de todos pertence mais a cada um. Tomemos pois em nossas mãos o que ficou, o que é bom e merece amor. E vamos amar mais e querer com mais força o que está por fazer. E vamos continuá-lo. E merecê-lo. Para que nunca tenhamos de o chorar."
Jaime Nogueira Pinto
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 3)

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sábado, março 26, 2005

Malta nova 

Voltou das férias o Porta-Bandeira, sempre em forma, e apareceu em linha o Diário de um Anjo Negro.
Uma forte realidade e uma nova esperança.
É mais leitura em rede, e a geração nova a aderir à blogosfera.

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Identitários algarvios 

Também na linha dos anteriormente referidos blogues dirigidos às zonas Norte e Centro do país situa-se este Portimão Nacional, que tem marcado boa presença entre os blogues algarvios.
Misturando entre os seus temas assuntos de política nacional e internacional com questões especificamente locais, da sua cidade e região, os responsáveis deste blogue de Portimão têm procurado criar um espaço de afirmação da sua identidade própria, algarvia, portuguesa e europeia, fiel às raízes e aberta ao mundo.
Um trabalho a continuar, a aprofundar e a desenvolver: do particular se chega ao universal, e um identitário deve antes de mais lançar sólidas raízes entre a sua gente. Em Portimão ou em Lagoa, os nacionalistas com o seu povo e a sua terra.

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De Coimbra à Figueira 

O blogue Coimbra Nacional continua a centrar as suas atenções nos problemas das populações daquela zona do Centro do país, geralmente esquecidos pelos grandes meios de comunicação social.
Trata-se de uma grande ideia concretizada num blogue, a criação de um meio de comunicação inteiramente dedicado ao serviço da sua região feito pelos militantes nacionalistas da área.
Merece bem o apoio e o empenhamento de todos os que se identifiquem com esses objectivos, e possam ajudar com o concurso das suas experiências e conhecimentos locais.

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Porto: túnel de Ceuta e apoio ao comércio tradicional 

O núcleo do PNR-Porto emitiu um comunicado onde "considera lamentável que, nove anos volvidos sobre a adjudicação do «Túnel de Ceuta» (1996) e sete sobre o início da obra (1998), o túnel esteja por concluir e continue envolvido num manto cada vez mais espesso de polémicas entre as diferentes entidades públicas envolvidas", e iniciou uma campanha a exigir a conclusão da obra.
Para Abril, o PNR-Porto promete uma campanha a apoiar o comércio tradicional, contra as práticas desleais e anticoncorrenciais da vaga de comerciantes chineses e a ameaça das grandes superfícies.
Tudo para acompanhar no sítio do PNR-Porto, sempre atento à vida local e aos problemas concretos dos portugueses da sua área geográfica.

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Bela ideia! 

Uma importante sugestão no "Pena e Espada": visitem os museus e monumentos nacionais!
Quem quiser desenvolver actividades realmente nacionalistas, aproveite a ideia: organize visitas aos museus portugueses.
Como se há-de defender uma cultura que não se conhece?

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sexta-feira, março 25, 2005

Chamamento nacional 

Sob o título "Ensaio blogosférico sobre o futuro da direita" publicou o "Nova Frente" um interessante texto sobre o tema em análise.
Não se pode perder o texto, nem o impulso para continuar o debate sobre os caminhos do futuro.
Vão ler o artigo, e escrever o que a propósito vos parecer oportuno.
Na batalha das ideias torna-se indispensável estar municiado com algumas - e não apenas com slogans primários, monótonos e repetitivos, próprios de massas rudimentares ou rudimentarizadas.

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«A Guerra como Experiência Interior», de Ernst Jünger 

Informo os interessados em boa literatura que foi publicado recentemente pela Ulisseia a edição portuguesa do livro «A Guerra como Experiência Interior», de Ernst Jünger ("Der Kampf als inneres Erlebnis", de 1922).
A obra tem tradução de Armando Costa e Silva, e revisão de Roberto de Moraes, com base na versão original, contendo ainda um posfácio de António Carlos Carvalho.
Deste modo os leitores de língua portuguesa ficam a dispôr da possibilidade de ler na sua própria língua uma das obras decisivas de Ernst Jünger.
Graças ao trabalho de dois dedicados camaradas, nacionalistas de toda a vida: Armando Costa e Silva, o tradutor, que faleceu antes de poder ver a edição do livro, e Roberto de Moraes, certamente o português que mais de perto conheceu Junger, e que se encarregou de todo o trabalho de finalização.

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quinta-feira, março 24, 2005

No estrangeiro próximo 

O magnífico blogue de Ernesto Milá, INFOKRISIS, é um verdadeiro manancial de bons artigos e informações.
Aconselho os últimos estudos sobre os centros ocultos do poder mundial. Sabem o que é a Skull and Bones?

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Valores seguros (III) 

Fez um ano "O PASQUIM DA REACÇÃO".
Um ano a combater destemidamente a esquerda, aquela que a si mesma se conhece enquanto tal e aquela que sem entender perfilha a mesma "forma mentis", traduzida nas múltiplas versões do relativismo moral e do materialismo prático que constituem o cerne da ideologia dominante, desde que as Luzes se impuseram ao mundo.
Desejo o maior êxito ao "Pasquim" na sua missão de reaportuguesar o pensamento português, na fidelidade à certeza de que os Homens são para servir e não para ser servidos (cada um vale pela Norma que serve, como lembrava Sardinha - doutrina tão distante das proclamações sôfregas dos direitos destes ou daqueles, ou dos slogans egoístas que subordinam a colectividade aos Indivíduos, o Uno ao particular).
Que não se cale essa Lusa Voz!

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Valores seguros (II) 

Outra recomendação que faço aos meus amigos é o "Santos da Casa".
Expressão livre de um autor que pensa pela sua cabeça, e que possui bagagem para tanto: um exemplo que alia a preparação cultural à vocação e talento para o debate de ideias.

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Valores seguros (I) 

Recomendo a leitura atenta do excelente artigo "O paradoxo da globalização", no blogue "Batalha Final".
Um tema actual, analisado de forma superiormente inteligente.

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quarta-feira, março 23, 2005

Vale dos Caídos 

Enquanto os socialistas não se atrevem a encerrar o Vale, convido todos os meus leitores a subscrever as listas da HERMANDAD DEL VALLE.
Em defesa da memória histórica, e da verdade política.

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Um nacional-revolucionário esquecido 

Quando José Miguel Júdice era um jovem radical e revolucionário, repugnava-lhe a simples ideia de colaboração com as forças das direitas contra-revolucionárias. Para ele, um nacional-revolucionário, puro e duro, não podia alinhar nessas misturas, ainda que por conveniência táctica ou estratégica.
Por isso quanto Rodrigo Emílio publicou na "Política" um seu artigo sobre a "Proto-História da Guerra Civil Espanhola", em que punha certo entusiasmo na lógica frentista do Alzamiento, em que tinha participado gente de todas as famílias políticas das direitas, o José Miguel tratou logo de chamá-lo à razão.
Eis aqui o artigo da polémica, do fogoso nacional-revolucionário José Miguel Júdice.

A PROPÓSITO DE «PROTO-HISTÓRIA DA GUERRA DE ESPANHA»
Meu caro Rodrigo Emílio:
Mal o conhecendo pessoalmente, tenho porém por si uma consideração elevada. Pelas suas posições nacionais e pelo seu valor intelectual indiscutível. Por isso esta carta, que noutras condições não escreveria, substituindo-a por um artigo impessoal.
E escrevo porque não tenho dúvidas sobre as vantagens de nos debruçarmos criticamente sobre os textos de pessoas com as quais ideologicamente temos muitos pontos de contacto. A intelectualidade marxista nisso — como em muitas outras coisas — está aí a revelar bem a importância do diálogo — que exige uma plataforma comum.
Vem isto a propósito de um artigo seu publicado na Política n.° 20-21 e intitulado «Proto-História da Guerra de Espanha». No que ele tem de descrição factual pouco há a dizer (a não ser que os conservadores quando foram derrotados pela Frente Popular em 1936 estavam no Poder por vias legais e por isso a «consternação total» a que chegaram não se deve a perderem as esperanças sobre a via eleitoralista de acesso ao poder — a Guerra Civil tem outras explicações).
No que se refere a comentários, encontro no seu artigo algumas imprecisões de maior ou menos significado a que me irei referir. Trata-se de opiniões sobre os sectores que apelida «nacionalistas», relações entre eles e de um juízo sobre as consequências da Guerra Civil com que termina o artigo.
1.º «Provendo a consolidação das suas estruturas de combate, as direitas em peso tratam, então, de fundir em denominador comum, todo um leque de formações partidárias [carlistas, monárquicos de Calvo Sotelo, agrários, CEDA, Falange] matizados nas ideias mas convergentes nos propósitos e solidário nas intenções» (pág. 16).
Juntar a Falange das J. O. N. S. aos carlistas apesar das diferenças ideológicas e da nula actuação unitária entre ambos, mas pelo respeito que aquela tinha por estes pelo seu «desinteresse exemplar» (1), ainda vá lá. Agora, com Sotelo — que ao ver recusada a sua intenção de ingressar na Falange, funda o seu grupo partidário —, com os «agrários» — o Rodrigo Emílio já terá lido os textos de José António sobre reforma agrária? —, com a CEDA — dos senhores Calzada e Gil Robles —, com todos esses nem as ideias, nem os propósitos, nem as intenções eram comuns.
As posições da Falange sobre as «jogadas de xadrez nacionalista» são bem conhecidas. A palavra a José António: «E as direitas? As direitas invocam grandes coisas: a Pátria, a tradição, a autoridade...; mas também não são autenticamente nacionais. Se o fossem, não esconderiam sob as grandes palavras um interesse de classe» (2).
2.º «... de um lado, a Frente Popular, abrangendo todos os partidos de esquerda; do outro, a Frente Nacional, poderosa coligação das direitas» (pág. 17).
Para além do que já foi dito atrás, importa frisar directamente a inadequação do termo Frente Nacional para apelidar a coligação das forças reaccionárias espanholas para o processo eleitoral de 1936. Volto a citar José António, num passo relativamente extenso, mas que me parece fundamental para se ver bem as condições de uma Frente Nacional: «Contra o perigo bolchevista há que formar, não a frente anti-revolucionária — dado que Espanha precisa de uma Revolução —, mas a Frente Nacional, delimitada pelas seguintes exclusões e exigências:
1 — Exclusões: a nossa geração, a quem compete a responsabilidade de solucionar a presente crise do mundo, não pode sentir-se solidária:
a) Por razões históricas, com os que queiram ocultar sob a bandeira nacional nostalgias reaccionárias por fórmulas ultrapassadas ou sistemas económico-sociais injustos.
b) Por razoes éticas, com os que estejam habituados a viver politicamente num clima corrupto.
2—Exigências. A Frente Nacional terá de se propor:
a) a devolução ao povo espanhol de uma nova fé na sua unidade de destino e uma firme vontade de ressurgimento.
b) A elevação para nível humano da vida material do povo espanhol.
A primeira exige uma revitalização dos valores espirituais, sistematicamente relegados ou deformados durante muito tempo e, sobretudo, a insistência nesta concepção de Espanha como expressão de uma comunidade popular com um destino próprio, diferente do de cada indivíduo, classe ou grupo, e superior a eles. A segunda — isto é, a reconstrução económica da vida popular, indispensável nesta época de liquidação da ordem capitalista — exige urgentemente:
a) uma reforma creditícia que chegue até à nacionalização do serviço de crédito, em benefício do conjunto da economia;
b) uma reforma agrária que determine, em primeiro, lugar, as áreas cultiváveis de Espanha (as actuais e as possíveis com melhoria de técnica), entregue à floresta e à pastorícia tudo o que esteja fora delas e instale nelas revolucionariamente (isto é, com ou sem indemnizações) a população campesina espanhola, ou em unidades familiares ou em grandes culturas em regime sindical, conforme a natureza das terras.
Tudo o que hão seja aceitação sincera e austera de um programa assim, com tudo o que implica de sacrifício, não terá nada a ver com uma verdadeira posição contrária ao bolchevismo — mas será apenas uma tentativa igualmente materialista, e além do mais inútil, para conservar uma ordem social, económica e histórica, já ferida de morte» (3). E de tal modo a coligação não obedecia a estas condições que a Falange se apresentou às eleições solitária, não aderindo à Frente anti-revolucionária.
3.º «Ao cabo de três anos de trágica grandeza, a pátria espanhola recobrara, enfim, o seu glorioso destino de nação una, grande y libre. E de entre escombros, ressurgira então, exangue mas desperta, a imagem restituta da Espanha eterna.» (pág. 17).
A beleza literária deste final coincide com a mais contestável das suas afirmações. De facto, nela se denota um dos maiores riscos com que depara o pensamento nacional-revolucionário — considerar que uma revolução (ou pseudo-revolução) política significa por si só a alteração do statu-quo. Nessa convicção se criam as condições para a traição aos princípios. Pedindo desculpa de me citar, diria que a «descontinuidade política apenas serviu para camuflar a continuação de um sistema — sócio-económico que se julgava alterado» (4). Ainda, no caso concreto, de a utilização das fórmulas nacional-sindicalistas sem as alterações estruturais que as justificam ter contribuído para o fortalecimento de um poder de classe, na lógica da situação anterior a 1936. O franquismo foi — e é — indubitavelmente, uma traição aos princípios. Esquecê-lo é abrir a porta a todos os compromissos. Nisso, ao menos, sejamos claros.
4.º Numa síntese final a todas as críticas que faço ao seu artigo, queria frisar que este enferma de um defeito de estratégia que os nacionalistas revolucionários muitas vezes cometem: a atracção pelas coligações, pelas alianças. É com a plena consciência do erro de queimar etapas, e de que não estão criadas as condições para a total oposição às coligações, que lembro que a percepção perfeita das divergências em relação aos sectores nacionalistas conservadores — sobretudo, mas não só, a nível social — é condição sine qua non para que a coligação conjuntural não seja uma cedência, mas um passo em frente. A total maleabilidade táctica implica uma estratégia global que se baseia também no estudo da história. Daí um dos motivos da importância de experiência falangista e, também, a razão desta carta, escrita a pensar nos dias de hoje.
E é tudo. Aceite um abraço de unidade onde vai a admiração do
José Miguel Alarcão Júdice
Coimbra, 29/9/73
Notas:
1 — «José António Primo de Rivera» — Colecção Antologias — Cooperativa Cidadela — pág. 211.
2 — Idem, pág. 233.
3 — Idem, págs., 127-129.
4 — Idem, pág. 48.
José Miguel Júdice
In «Política», n.º 22/23 de 15.10./15.11.1973, págs. 27/39.

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Mussolini venceu! 

Uma reviravolta histórica: depois da exclusão administrativa, depois da confirmação do afastamento das listas pelo tribunal, eis que no último recurso, perante o Conselho de Estado, veio a surpresa: as candidaturas da Alternativa Social, de Alessandra Mussolini, foram admitidas às eleições regionais do Lázio, a realizar nos primeiros dias de Abril.
Trata-se de um verdadeiro terramoto político: segundo a decisão do Conselho de Estado os motivos invocados para afastar as listas eram falsos (as assinaturas apresentadas estavam devidamente certificadas) e existem indícios de procedimentos criminosos por parte de altos responsáveis (houve violação do sistema informático da comissão eleitoral, para obter as listas de assinantes da Alternativa Social, feita clandestinamente por uma empresa relacionada com o Ministro do Interior responsável pela exclusão das listas, Storace, e também principal interessado nesse afastamento, dados os seus interesses eleitorais).
A Itália é fértil em escândalos políticos; mas creio bem que este não será dos menores. Vamos a ver os desenvolvimentos subsequentes, e quais as consequências políticas duma manobra desta dimensão.

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terça-feira, março 22, 2005

Perseguição impiedosa 

O governo do Japão admitiu esta terça-feira que poderá permitir que o ex-campeão mundial de xadrez Bobby Fischer, detido em Tóquio e ameaçado de extradição para os EUA, viaje para a Islândia depois de ter obtido a nacionalidade islandesa.
De acordo com a ministra da Justiça nipónica, Chieko Noono, a lei japonesa sobre o controlo de imigração permite enviá-lo legalmente para a Islândia a partir do momento em que obtiver a cidadania islandesa.
A Islândia, que já tinha oferecido asilo a Fisher, de 62 anos de idade, concedeu na segunda-feira a nacionalidade ao ex-campeão mundial de xadrez para evitar a sua extradição para os EUA.
Bobby Fischer está ameaçado de cumprir 10 anos de prisão nos EUA por ter disputado uma partida de xadrez na antiga Jugoslávia em 1992, violando as sanções norte-americanas contra Belgrado na época.
Este é o mais recente desenvolvimento da longa saga de Bobby Fischer. Veremos os próximos episódios.
Recorda-se a propósito que a perseguição a Bobby Fischer tem pouco que ver com o xadrez e com a Jugoslávia; como ele próprio tem sublinhado, tudo resulta das suas posições políticas contra o domínio judaico na política americana.
Para saber mais, informem-se aqui ou aqui.

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Dos outros 

Entre os blogues que costumo ler confirmam-se o Lápis de Minas e o The Trust in Blog como dois dos mais inteligentes e observadores, num exercício permanente de análise crítica à realidade que nos cerca.
E sublinho essa vertente analítica e a agudeza da observação social, sobretudo porque é muito generalizado o vício de pensar que a análise tem que ser solene, académica, anunciada como tal - tal qual se vê nos estudos habituais dos sociólogos e outros especialistas de ciências sociais.
Acontece o mesmo com a actividade política: a mais eficaz é a subliminar, ou seja aquela que é feita sem que o destinatário se aperceba que é de política que se trata.
Acrescento ainda algo que parece óbvio: os autores dos dois blogues têm coisas para dizer. Muitos blogues esgotam-se cedo exactamente pela situação inversa: os autores têm pouco para dizer, e não se pode tirar nada de um saco vazio. Acabam depois de uns posts.

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segunda-feira, março 21, 2005

O nacional-sindicalismo português 

Não sei se os meus leitores conhecem um excelente artigo de José Luís Jerez Riesco sobre a história do nacional-sindicalismo português; é um trabalho muito curioso, pleno de informação, invulgar mesmo em Portugal.
Como certamente alguns não conhecem, façam favor de descarregar El Nacional-Sindicalismo Lusitano.
Um nome a fixar, o de José Luís Jerez Riesco, e um sítio a visitar: Carpe Diem.

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UM INTELECTUAL DO NACIONALISMO LUSÍADA 

Recordo‑me bem — e com quantas saudades, santo Deus, pois não tinha ainda vinte anos! — da primeira e única vez que vi Homem Cristo, Filho, por certo o mais garboso, moderno, gentil e brilhante jornalista da sua geração.
Foi no velho Internacional, portuense, ali no Passeio das Cardosas, misto de café e de restaurante, ao tempo ponto certo das mais prestigio­sas figuras do mundo intelectual e artístico dos primeiros cinco lustros deste malfadado e agitado século. Não só local predilecto dos vultos tripeiros mais em evidência (que nós rapazes muito bem conhecíamos e admirávamos) mas de todos os magos das Letras, da Ciência, da Música, da Política e das Artes Plásticas nacionais que, vindos de fora do burgo, de passagem no Porto, ali davam os seus rendez‑vous ou passavam os seus momentos de breve ócio, enquanto sorviam deliciados um bom moka ou se distraíam com o fumo de um aromático cigarro.
Guardada até hoje na câmara‑escura da minha ainda lúcida memória, mais fresca do que tenra alface, revejo nitidamente, quase trinta e cinco anos volvidos, como em impressivo instantâneo, kodaquizado, agora mesmo, a silhueta esguia como um álamo do grande e infortunado jornalista, a sua máscara fortemente vincada; o seu rosto glabro, escanhoado até à derme, levemente arrepanhado num rictus de energia máscula; um colarinho branco, de abas voltadas, em redor do seu pescoço alto de ganso; um monóculo atrevido, faiscante, entalado atrevidamente na órbita, em toda a sua pessoa um ar impressionante e altivo de grand­‑seigneur.
Homem Cristo, Filho, envergava nessa tarde distante de um distante Inverno, uma soberba pelica, mais sumptuosa, talvez, do que a de Fradique Mendes, que naquele ambiente prosaico, meio provinciano, do botequim tripeiro, ressaltava ao olhar de todos, como uma nota smart, verdadeiramente aristocrática. Dir‑se‑ia que com ela desabrochara, na estufa friamente inestética do velho café da Civita Virginis, onde por via de regra se espanejavam, apenas, masculinas toilettes, de corte banal, indumentárias de incerta elegância, uma flor de boulevard parisino, supremamente requintada, smart.
Francisco Manuel Homem Cristo nasceu, a 5 de Março de 1892, em Lisboa, perto do Lumiar, na Quinta da Torre, propriedade de sua mãe D. Laura Amélia da Silva Cristo, onde seus pais viviam ao tempo. Dotado de inteligência muito precoce e de extrema vivacidade de espí­rito, o meu biografado distinguiu‑se, desde criança, como um estudante invulgar. Podia considerar‑se, mesmo, um menino prodígio. Assim, já aos seis anos lia e escrevia muito bem e não lhe eram estranhos uns rudimentos de gramática, história pátria, corografia, aritmética e ciências naturais. E, apenas com nove anos de idade, ainda de calçãozito e fatos infantis, entrou para o Liceu de Viseu, terra onde seu pai estava colocado nessa época, no regimento de Infantaria 14.
Para se poder matricular no ensino secundário, tornou‑se necessário a Francisco Homem Cristo obter, dada a sua diminuta idade, uma por­taria especial do Ministério de Instrução Pública.
Do Liceu visiense passou o moço e distintíssimo estudante para o de Coimbra, do qual foi expulso, salvo erro, por chefiar a greve acadé­mica daquele estabelecimento de ensino que secundou a da Universidade, provocada pela reprovação de José Eugênio Dias Ferreira, quando o jovem doutorado defendeu tese para lente da mesma Universidade. Homem Cristo, Filho, que estava, então, no 7.º ano do Liceu, terminou o seu curso secundário em Lisboa, matriculando‑se, em seguida, na Uni­versidade da Lusa‑Atenas, onde entrou, também por portaria especial, com dezasseis anos incompletos.
Em Coimbra, Homem Cristo, Filho, distinguiu‑se, brilhantemente, no meio académico, pelo seu feitio atrevido, inconformista, combativo cem por cento. Ardoroso paladino dos princípios republicanos, romantica­mente imbuído das ideias de emancipação social apregoada pelos apóstolos da Revolução Francesa, fundou ali o semanário A Verdade, de tendências acentuadamente jacobinas, onde publicou artigos de extrema violência contra alguns dos Professores da Universidade. Isso valeu‑lhe a expulsão daquele estabelecimento de ensino, logo no seu 1.º ano de Direito, em virtude de um complicado incidente com os lentes que o examinavam, durante o decorrer de um acto. O incidente em que o jovem estudante afirmou, galhardamente, o seu feitio revolucionário, rebelde a todas as sugestões e tutelas, foi considerado, apenas, como uma demonstração de indisciplina académica.
Terminaram, assim, por forma tão abrupta e sensacional os estudos oficiais do moço adaíl republicano. Isto por ao tempo não existir no País outra Faculdade de Direito, além da de Coimbra e Homem Cristo Filho não querer, teimosamente, seguir outro curso.
Escrevendo com rara espontaneidade e muito brilho, num estilo literário bastante pessoal, nervoso, vivo, ágil, fulgurante, sincopado, cor­tado às vezes por bruscos repelões de génio, inesperadas sacudidelas de elocução, o já talentoso plumitivo enveredou pelo jornalismo e começou a colaborar no diário A República, prestigiosa folha política, dirigida pelo Dr. António José de Almeida. Os seus editoriais nesse curioso matutino defendendo os Imortais Princípios de 89, atraíram a atenção dos meios cultos pelo vigor do estilo, pela limpidez da forma, pela sonoridade grave do seu ritmo.
De 1907 em diante, a vida de Homem Cristo, Filho, teve o seu quê de aventurosa. Tornou‑se numa galopada frenética, difícil de seguir e evocar. O seu irrequietismo político preocupou, então, a vida do regime. Foi acusado de anarquista, esteve sob a vigilância apertada da Polícia, até que teve de fugir de Portugal para o Brasil. E na própria tarde em que se recebeu, no Rio de Janeiro, a notícia do nefando regicídio de Fevereiro de 1908, Homem Cristo proferiu uma conferência para reve­lar os cordéis misteriosos do atentado, conferência que obteve largo sucesso de imprensa na capital brasileira. Regressou, logo a seguir, a Portugal.
Como escreveu um seu biógrafo, Homem Cristo como «quase todos os moços da sua época, sentia a dinamite rubra do anarquismo a correr‑lhe nas veias. A polícia vigia‑o. Fala‑se num complot contra o rei de Espanha onde Ferrer acaba de ser fuzilado nesse forte sinistro de Montjuich. Abandona pela segunda vez Portugal, corre para França, com uma curta paragem em Madrid. A policia espanhola tem‑no nas fichas com a designação de «anarquista perigoso». Em Paris, no Quai d'Orsay, é esperado por Octávio Mirbeau — o célebre romancista — que estreita, comovido, nos seus braços — o jovem estran­geiro, irmão nas ideias revolucionárias.»
Isto, logo após a proclamação da República no nosso pais, regime que ajudara a implantar com os seus escritos esbraseantes, mas que desi­ludido começou a atacar com rara violência e desassombro, na imprensa nacional. Repetia‑se com Homem Cristo o que acontecera com outro jornalista de raça, Cunha e Costa. Talvez que os motivos que levavam o moço plumitivo a essa reacção contra a República nascente, fossem aqueles que conduziram o notável advogado lisbonense aos mesmos trilhos de aberta e corajosa hostilidade à política desse tempo: «a verifica­ção de que todos os responsáveis pela consolidação e progressos do regime outra coisa não faziam do que atraiçoar, sucessivamente, a obra da propaganda republicana; o espectáculo triste exposto aos olhos de todos no palco da vida nacional, da turbulenta campanha contra os adesivos, revestida de feroz carácter demagógico; o divórcio insofis­mável entre a República e o País, convertido o regime no fomento dos interesses de uma casta fechada, de uma oligarquia, de um bando de dentes vorazes e muito alimento; a reincidência por parte dos governantes de todos os erros que haviam perdido a monarquia; a entrada do novo regime numa política estouvada e sectariamente anti‑religiosa que a consciência pública e a razão de Estado excluía; o conhecimento de que, ao provimento de todos os cargos da República, presidiu o arranjismo, cada qual tratando de anichar, com impudor nunca igualado pela monarquia, os parentes, amigos e aderentes; a constatação de que, fazendo tábua‑rasa dos elementares ditames do patrio­tismo, os governantes democráticos pretendiam escamotear, d`emblée, oito séculos de história, assinalando por nascimento, à nação, o dia 5 de Outubro de 1910.»
Transplantado dos horizontes frios e agitados de Madrid, para os horizontes mais sortílegos e estéticos da capital francesa, Homem Cristo, Filho, «começa imediatamente a insinuação subtil mas firme no meio parisiense. Trava relações... Consegue entrar nos jornais. O Éclair contrata‑o; o seu nome surge em vários magazines. É então que pla­neia uma grande revista, Cosmopolis, que deve ser feita em Paris, redigida em português e destinada ao Brasil. Segunda viagem ao Rio. Inauguração do monóculo que o deve estigmatizar; do monóculo que se fosse conhecido no tempo de Luís XIII teria sido aplicado à órbita de D`Artagnan. Banquetes a que assiste o próprio Presidente da Repú­blica. Volta a Paris — mas o plano fracassa... Intensifica a sua obra jornalística na imprensa francesa. Escreve no Intransigeant, no Journal e na Information» — assinalou‑o Reinaldo Ferreira, o talentoso jornalista.
Mercê da perseguição que lhe foi movida por João Chagas, nosso Ministro na Cidade‑Luz, o rude batalhador político de que me venho ocupando foi obrigado a abandonar a França. Já era tal, porém, a pro­jecção do nome de Homem Cristo na capital gaulesa (contava, apenas, vinte anos de idade) que a ordem governamental para a sua expulsão do território francês originou numerosos protestos, campanhas de imprensa, abaixo‑assinados dos mais destacados nomes do intelectualismo gaulês e até uma interpelação no próprio Parlamento.
Mercê desse movimento de solidariedade para com o nóvel quanto vigoroso publicista lusíada, a decisão a que me referi foi revogada e Homem Cristo pôde voltar a estabelecer em Paris, a sua tenda de jor­nalista‑diplomata.
Os franceses cultos admiravam‑no não só pelos fulgores do seu privilegiado talento mas, também, pelo encanto da sua convivência pessoal. Homem Cristo possuía, na verdade, autênticas qualidades de charme.
Posto em contacto com o doutrinarismo social de Georges Sorel, primeiro, e depois com o doutrinarismo político da Action Française, que então avassalava e surpreendia os meios intelectuais da velha Gália, o meu biografado sentiu, fortemente, a sua influência. De Portugal, através dos livros e das revistas de carácter contra‑revolucionário, che­gavam até ele, os ecos vibrantes do apostolado integralista! Foi rápida, meteórica, a sua evolução política. Talvez que, para ela, muito tivesse concorrido a convivência pessoal com Alberto de Monsaraz, um dos mais inteligentes, entusiásticos e sacrificados arautos do Integralismo Lusitano, cujo ideário ajudou a formar e a fortalecer, e que foi, em Paris, um dos mais dilectos e constantes companheiros do autor do Les Porte Flambeaux.
Como narrou, ainda, o nosso Reporter X, as suas relações parisien­ses tomaram, então, um novo rumo, uma directriz diferente. «Frequenta salões da vieille roche... Adere à monarquia... É baptizado na Igreja da Madalena pelo próprio bispo de Paris. Fala‑se que os par­tidários do antigo regime vão confiar‑lhe como que uma embaixada na capital da França. Vários marechais do partido têm ocasião de experimentar a sua actividade, a sua inteligência e a sua influência. Uma única hostilidade: a da ex‑rainha D. Amélia... Mas Homem Cristo acabará por vencê‑la num dos seus mais admiráveis golpes...
O nosso ministro em Itália é entrevistado pelo Popolo Romano e aprecia, em termos pouco lisonjeiros, a ex‑rainha de Portugal. Homem Cristo lê a entrevista e em acto contínuo envia dois telegra­mas: um ao dr. Eusébio Leão e outro ao director do jornal. Desafia‑os a ambos para um duelo de morte. Os telegramas são recebidos — mas os destinatários têm a imprudência de se rir do espadachim audaz... Mal fizeram... Quinze horas depois desembarcava Homem Cristo em Roma... Procura Eusébio Leão, que recusa bater‑se... O director do Popolo, escudado na atitude do diplomata, prefere entrar em acordos com o adversário. Publica‑lhe na primeira página o retrato, um artigo seu de desafronta à rainha — e compara‑o aos nobres e cavalheirescos gentilhomens de outrora — sempre prontos a floretear a espada em defesa da sua dama.»
Numas vagas acalmias da política portuguesa, que lhe permitiram o regresso ao seu país, Homem Cristo fundou e dirigiu em Lisboa, a ldeia Nacional, revista literário‑política, de acentuada feição anti‑democrática, e o jornal Restauração de carácter monárquico. Incompatibilizado por questões ideológicas com os realistas‑constitucionais portugueses, regressou de novo a Paris, onde se manteve até ao triunfo da revolução de 28 de Maio de 1926, chefiada pelo General Gomes da Costa.
Durante o consulado de Sidónio Pais, que tanto admirou e sobre quem escreveu um estudo magistral, o meu evocado foi, na Cidade‑Luz, o verdadeiro embaixador do nosso país.
Mal soube em Paris da arrancada Gloriosa do Exército e da instau­ração entre nós de uma Ditadura Militar, Homem Cristo Filho fez as malas e abalou para Lisboa. Foi então que fundou, na capital, o diário Informação, modelo perfeito no género, uma amostra inédita, entre nós, do jornalismo europeu. Esse diário foi posto ao serviço da situação polí­tica nascente, de que foi partidário fervoroso.
Em virtude da publicação de um artigo de crítica ao Ministro Sinel de Cordes, inserto no referido vespertino, eis de novo expulso de Portugal um dos mais garbosos, gentis e brilhantes jornalistas lusíadas da sua geração.
Em Paris fundou e dirigiu a Chez‑Fast, casa editora e simultanea­mente casa de chá. Nela se realizavam as reuniões dos Amis des Lettres Françaises, onde se agrupavam os maiores nomes do intelectualismo, da política, da ciência, da arte, da aristocracia, da finança, do exército franceses.
Por 1926, foi Homem Cristo eleito Presidente da Associação da Imprensa Estrangeira de Paris, terra em que estavam, nessa época dis­tante, os mais notáveis correspondentes dos mais importantes jornais do mundo. Tinha trinta e quatro anos.
Homem Cristo, Filho, falava e escrevia francês como um francês culto, e nessa língua publicou cinco belos livros: Le Portugal contre l`Alemagne, em 1918; Le Cinéma des Jours, em 1918; Les Porte‑Flam­beaux, em 1920; Mussolini, Batisseur de l`Avenir, em 1923, e Le Parc du Mystére, de colaboração com Madame Rachilde, em 1924.
Figura mental de cimeiras altitudes, nacionalista e contra-revolucionário convicto e apaixonado, o escritor lusitano morreu em 12 de Junho de 1928, às portas de Roma, de um estúpido desastre de automóvel. Ia ter uma conferência com o Duce, que tinha por ele extraordinária estima e admiração, sobre a organização do Congresso das Nações do Ocidente, a realizar na capital italiana. Devia partir para o Brasil, Argentina e outros países da América, fazer a propaganda do Bloco das Raças Latinas, que foi o seu grande sonho. Que vida tão curta, para glória tão alta!
Em Itália foram-lhe prestadas, pelo Fascismo, honras de Príncipe, no funeral mandado fazer por Mussolini, e os seus restos mortais repousam em Roma, no ajardinado cemitério de S. Lourenço, num pequeno monumento que, sob o signo do Litório, o mesmo estadista lhe mandou erigir e onde pode ler-se o epitáfio seguinte, que ele próprio quis compor:
A FRANCESCO DE HOMEM CHRISTO
SCRITTORE
PORTUGHESE DE ORIGINE
CITTADINO DE ROMA NELLO SPIRITO E NELLA FEDE
Evocando o glorioso artista das letras, tenho-o diante dos meus pupilares inquietos, tal como o vi, em carne e osso, há mais de trinta e cinco anos. Recordo o seu vulto enlaçado de dândi, esguio como um álamo; a sua face glabra, onde a energia se espelhava em linhas fortes de estatuária; o seu monóculo atrevido, entalado atrevidamente na órbita funda; o seu sorriso blasé. Recordo o seu rosto de homem feito, com os músculos faciais numa contínua contracção; os dentes cerrados e os lábios entreabertos. Como muito bem registou o admirável jornalista Reinaldo Ferreira que muito de perto o conheceu, surdia dele, «como que um fluído de energia que o impunha, que o destacava, que dominava os espíritos mais fortes — os espíritos melhor preparados para antipatizarem com ele...»
Cláudio Correia d`Oliveira Guimarães
(in «Gil Vicente», n.º 11/12, Novembro/Dezembro de 1956, vol. 7, págs. 165/171)

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domingo, março 20, 2005

LIBELO CONTRA A DIREITA CONSERVADORA 

Não se trata de defender uma atitude de pura destruição, nem de anarquismo, nem de futurismo desgarrado, nem de progressismo utópico ou que vai sumir-se no ventre da esquerda, nem de revolução total e cega. Existem valores permanentes, realidades a conservar, naturezas a assumir, existem coisas que se transmitem, com justiça, através dos tempos e no concreto.
O que eu combato é a posição de rotina e o materialismo prático. Insurjo-me contra a mediocridade (quer seja dourada e espampanante, quer seja frugal e austera), a mediocridade esperta ou burra, a mediocridade sentada, a mediocridade de pedra e cal. O conservador lembra comida de conserva, enlatada; e intoxica. O conservador possui uma boa escrita, contabiliza; muito previdente, não se arrisca a perder nem se vota a sonhos e grandes empreendimentos de alma. O conservador pensa na arca e na barriga. O conservador opõe-se, no fundo, ao espírito, ao espírito ilimitado e viajeiro; de espírito, só admite um grão de sal, para não parecer animal de todo, mas a vasta substância é matéria, grave, pesada, a suar e resfolegar experiência. Tem pé de chumbo, pupilinha acesa, abundosa nádega roçando na lareira ou encaixada na poltrona dum conselho de administração.
O conservador, como o porco, defende a gamela e, se tem ambições, é a de uma gamela maior. Burocrata, administrador, tecnocrata, aí o vemos sempre sensato. Detesta qualquer espécie de loucura. Teme, despreza, censura e combate os apaixonados, os idealistas, os desmedidos. Não percebe a raça de gente como Afonso Henriques, Nun`Álvares, os descobridores, os bandeirantes, Afonso de Albuquerque, os conjurados de 1640, Mousinho de Albuquerque, Camões. Engalinha especialmente com os poetas, com os artistas, lunáticos inveterados, quando a conservação está em refocilar bem os pés na terra. Aí, sim!
Dizem que o conservador pertence às direitas. Talvez, mas então será a sua degradação e caricatura, a sua doença e o criminoso da família. Porque nem toda a direita é aquilo. Aliás, eu não me interessa que nos coloquemos simplesmente nas direitas. O fascista real - e não aquele que pintam - situa-se para além de direitas e esquerdas. Em primeiro lugar, porque as não reconhece legítimas; em segundo lugar, porque descende de umas e outras; em terceiro lugar, porque alcançou uma posição mais avançada.
A direita conservadora quer a tranquilidade e a segurança - e para isso venderá a alma ao diabo e acabará enterrando na adega quantos ideais houver. Não admite é sobressaltos, violências, extremismos. Tem um arrepio e lança uns protestos indignados, quando conspurcam as glórias pátrias, atacam a nossa herança ultramarina, fazem a demolição ciclónica da religião, ameaçam frontalmente dissolver a família, ou clamorosamente, em regabofe, praticam e trombeteiam o amor livre. Mas se a coisa vier docemente, empantufada, com flores e por aliciantes arroios - com boas maneiras, sim! -, já o caso muda de figura. A direita conservadora fica a escutar violinos, ao canto da lareira, a ver televisão ou ronronando, tolera, fecha os olhos, abranda, deglute o bolo às migalhas e acaba por ser habituar. Sobressaltos, violências, extremismos é que não!
A direita conservadora é moderada. Claro que existem coisas más, feias, indignantes. Mas não é preciso reagir de dentuça arreganhada, ao tabefe e com pulso de ferro, ou de arma aperrada e fulgurante. Claro que o espírito e o ideal são precisos e bons; mas não exageremos, nem vamos perder o sossego e o bem estar, em aventuras, perigos e aflições, por causa das ideias, de espiritualismos e quejandos enxoframentos de adolescente cabeça ardorosa.
A direita conservadora não quer pensar muito; nem sentir muito. Disso, um condimentozinho, apenas; q. b. Livra, que doses altas podem tirar o sono ou dificultar a digestão! Portanto, adoram um governante que pense por ela, como ela sensatamente, tolerante, de fino trato, prático, livre da terrível praga da ideologia; e que sinta? Também sim, que sinta que ela, direita conservadora, não quer sobressaltos e que não se importa de deslizar para qualquer banda, no caso de ser sem prejuízos materiais e sem violências. A direita conservadora é centrista e, assim, voga, beatamente, se preciso, segundo os ventos da História - mas sem o dizer.
A direita conservadora é um molusco. E no entanto, resulta num penhasco gigantesco e obstrutor para o movimento revolucionário de Justiça e Ideal.
Goulart Nogueira
(In «Política», n.º 19, pág. 6, 30.09.1970)

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sábado, março 19, 2005

A nostalgia dos cromos 

O jornalista Eurico de Barros tem o talento da observação e da descrição daquelas coisas pequenas ou grandes que fazem a vida das pessoas.
E escreve bem, circunstância que não pode deixar de realçar-se nos tempos que correm.
Para amostra, eis um artigo de Eurico de Barros no "Diário de Notícias".

A nostalgia dos cromos
Marcello Mathias escreveu no seu livro Diário da Índia "A história de um homem é a história das suas nostalgias." As minhas nostalgias, confesso-o, são todas modestas, algumas mesmo ridículas. Uma delas é a nostalgia das colecções de cromos da infância e início de juventude.
Quando olho para as coisas pífias que hoje passam por colecções de cromos, dá-me vontade de rir. No meu tempo - todos os nostálgicos gostam muito de escrever "no meu tempo" -, as colecções de cromos eram a sério, e fazíamo-las com fervor, aplicação e os dedos pegajosos de cola, entre os trabalhos de casa e os poucos programas que nos autorizavam que víssemos no único canal de televisão existente. Completar uma caderneta de cromos era uma aventura, um gosto, um desafio e também um bocadinho da nossa educação, porque sem repararmos nisso aprendíamos sempre alguma coisa nova.
Como nunca liguei aos cromos da bola, por sempre ter tido pouca estima pelo futebol, as minhas colecções tendiam para o didáctico. Por exemplo, a História de Portugal, com os desenhos de Carlos Alberto e os textos em cápsulas de patriotismo a acompanhar cada rectângulozinho colorido; a Maravilhas do Mundo Animal, com a invulgar caderneta rectangular e a capa "dramática", o tigre a rugir e a cobra em posição de dar o bote; ou a Raças e Povos do Mundo (ou seria só Raças do Mundo? - todos os nostálgicos são afligidos por lapsos de memória). Estão a imaginar alguém atrever--se a lançar uma colecção de cromos com a palavra "raça" no título, nestes tempos de democracia hipócrita e vigiada?
Havia também as colecções de vedetas de cinema e de filmes, a que nunca liguei muita importância, apesar de o meu amor pelas fitas se ter manifestado muito cedo. Mas lembro- -me de uma prima andar em desespero à procura do cromo "difícil" de uma star de Hollywood, e tê-lo conseguido de uma amiga à força de ameaças doces, cinco escudos e 80 "repetidos" do seu acervo. (Os cromos também ensinavam a fazer comércio).
Um ex-colega de faculdade, camarada de escrever nos jornais e maluquinho de cromos, disse-me que há no Bairro Alto uma casa onde se vendem carteiras e cadernetas dos bons tempos. Um dia destes, vou lá pôr a nostalgia a pastar.

Eurico de Barros

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O estado da nação 

A toda a gente que queira discutir o estado a que isto chegou, recomenda-se o novo forum.
É sempre bom desabafar com os amigos, e trocar umas impressões sobre o que nos ocupa e nos preocupa.

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sexta-feira, março 18, 2005

Salazar, visto por Gilberto Freyre 

O telefone retine e recebo o aviso de que o Presidente do conselho me espera às dez horas da manhã. Em Salazar, interessa-me menos o político do que o intelectual. Mas é hoje impossível separar um do outro. Completam-se os dois, para indignação dos que, como o meu amigo Georges Gurvitch, não compreendem intelectual alongado em político. Em 1948, em Paris, Gurvitch mostrou-se furioso comigo porque eu admitia, em casos excepcionais, a intervenção do intelectual na política. Citava eu, entre outros exemplos, o de Masaryk e o de Salazar.
Sigo para o encontro com o Professor Salazar, filosofando a meu modo sobre política. A melhor ainda me parece aquela que permite a um povo ser o mais possível vivo, espontâneo, na sua maneira de comportar-se; fiel ao seu temperamento e à sua experiência e não regulado duramente por fórmulas e regras lógicas mas inumanas ou alheias a diferenças nacionais ou subnacionais de carácter ou de cultura. A verdade é que, nos modos nacionais de um povo ser povo, o que é erro ou defeito numa nação pode ser graça ou virtude noutra. Relativismo que nada tem de novo: já é até acaciano. Mas é preciso sempre reavivá-lo para não nos esquecermos da importância das suas consequências.
Recebe-me o grão-doutor português com uma simplicidade de professor que acolhesse outro. Interessado nos meus livros, alguns dos quais vejo a seu lado: inclusive o mais recente deles, "Quase Política". Interessado em outros livros e em outros autores brasileiros.
A sua palavra, a princípio de um tímido, aos poucos toma toda a sua naturalidade. Até que tenho a impressão de ouvir pessoa amiga e não estranha.
Conversamos sobre muitos e diversos assuntos. A nossa conversa vai das dez às onze horas. Estende-se às doze. E só termina, contra tudo que é regra gramatical de protocolo, às doze e meia.
Fala-me o Professor Salazar de temas inflamáveis com uma franqueza, uma nitidez, às vezes um desassombro, que não é de político mas de intelectual. E intelectual a quem delicia a discussão, a crítica, o próprio choque de ideias, quando o adversário lhe parece da mesma condição, senão intelectual, moral. Sente-se que lhe repugna o verbalismo, a oratória, a própria eloquência que mistifique os problemas por amor aos efeitos verbais e até, aparentemente, lógicos.
É o homem mais ágil de olhar, mais agudamente vigilante, mais didacticamente atento ao que ouve, que tenho conhecido. Não lhe escapa uma só das minhas pequenas hesitações de palavra, como se qualquer delas lhe revelasse uma ideia ainda verde para ser exposta; ou demasiado indiscreta para ser desenvolvida na presença de um chefe de Governo. Não lhe escapa sequer um só dos pequenos gestos com que, às vezes, procuro substituir palavras. Por mais incompletos ou inacabados que sejam os gestos dos outros, ele surpreende-os e tradu-los. Noto que é dos que traduzem com os olhos o que apenas lhe dizem com os olhos; e ouve o que lhe contam com uma agudeza de Jesuíta que, por hábito ou vício de confessar gente subtil, extraísse todo o sumo das palavras: mesmo de meias-palavras.
Nele observo um homem quase sem gestos: nem grandes nem pequenos gestos. Sem eloquência. A sua palavra será talvez monótona mas é de uma nitidez admirável. Dá bem ideia do raro professor que a política arrancou a Coimbra, deixando vazio um capelo, já quase peça ou relíquia de museu. Mas sob a casaca de ministro, o imperecível professor uma vez por outra tem reaparecido, em discursos oficiais que, afastando-se das tradições portuguesas de eloquência política, têm honrado o espírito universitário de Coimbra. Ou o espírito universitário português, desde que, sem ter sido aluno de Coimbra, mas bacharel de academia militar, especializado no estudo das ciências físicas e matemáticas, António Sérgio me dá, como nenhum outro português, a impressão de ser, como Salazar, um intelectual superiormente crítico, objectivo, lúcido. Impressão de outros observadores que conhecem de perto os dois Antónios: Salazar e Sérgio.
É como se desses dois superiores portugueses de hoje pudesse outro Ganivet escrever o mesmo que o arguto espanhol do século XIX sugeriu de Portugal em relação com a Espanha: separa-os antes o excesso de semelhanças que o de diferenças. Semelhanças de feitio, é claro: feitio talvez demasiadamente lógico com prejuízo do mágico, no caso dos dois intelectuais portugueses. Em ideias, eu talvez me incline mais para as de António Sérgio que para as de António de Oliveira Salazar, embora respeitando no grão-doutor um dos maiores portugueses de todos os tempos. Alguém que, na verdade, fez nascer de novo em Portugal muita virtude ou valor que adormecera até parecer morto.
Que espécie de aparência é a do Professor Salazar? Vi-o, como tenho visto desde novo, desde discípulo de antropologia do velho Boas, os grandes homens que tenho encontrado: com olhos de estudante de antropologia que auxiliassem sempre o escritor na sua impressão das pessoas; e o tornassem particularmente atento, talvez por deformação profissional, à raça, à cor, ao nariz de Cleópatra do indivíduo e não apenas ao seu modo de resistir ao tempo, ao clima, à profissão; ou de conservar, na figura de adulto, o passado ou a meninice ou a adolescência.
O Professor Salazar é homem de aparência sã. Um tanto curvado, vê-se que nele o pequeno lavrador de Santa Comba Dão já quase não tem tempo para corrigir no grande homem de gabinete os efeitos da rotina de sedentário. Na mocidade, o seu cabelo, agora precocemente quase todo branco - de um branco prateado (argenté, diria um cronista elegante, dos que não perderam o vício do francesismo) que lhe dá certa dignidade episcopal - deve ter sido quase românticamente preto. Alguma coisa de semita marca-lhe a fisionomia. Alguma coisa de defroqué - não o é, bem sei, mas poderia sê-lo - adoça-lhe os gestos: sobretudo os de cortesia. Adoça-lhe também a voz, que é de ordinário calma, suave, embora didacticamente clara. Transparece-lhe nas mãos, que às vezes parecem mais de moça do que de homem.
Não é voz, a sua, de português típico que, como o brasileiro típico, tende a falar alto: quase a gritar, mesmo quando conversa sobre assuntos íntimos. O Professor Salazar, ao contrário, conversa sobre qualquer assunto como se fosse tema para ser versado em voz baixa e não aos gritos. Nisto se parece com o brasileiro Getúlio Vargas, em quem também há qualquer coisa de defroqué: pelo menos de indivíduo que, na adolescência, tivesse estudado ou querido estudar para padre. Alguma coisa de subtilmente canónico distingue um e o outro, dos bacharéis tipicamente bacharéis em seus gestos e em seus modos, geralmente enfáticos, de falar.
O que é muito português no Professor Salazar é a doçura um pouco triste do seu olhar: um olhar doce, mas não melífluo, de homem virilmente bom. Nem fraco nem sequer sentimental: virilmente bom. Mas esses olhos de ordinário doces são, ao mesmo tempo, espontaneamente vigilantes; e podem tomar expressões de energia ou decisão, que não seria exagero de retórica descrever como aquilinas. Também a voz suave sabe encrespar-se. Dizem-me que ainda hoje devem doer os ouvidos de certo estrangeiro ilustre, um tanto incauto nas palavras que, certo dia, empregou com relação a Portugal: o Professor Salazar, ter-lhe-ia falado tão alto e tão crespo, a ponto de ter parecido até aos íntimos outro Salazar. Mas era o mesmo. Basta saber vê-lo, mesmo uma só vez, para saber que era o mesmo.»
Gilberto Freyre ("Aventura e Rotina", Livros do Brasil, Lisboa, (s/ data), pp. 21-23).

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António Sardinha, visto por Gilberto Freyre 

Em Elvas - de onde se avista Badajoz - continuo a pensar nas diferenças entre portugueses e espanhóis e nas suas semelhanças. Diferenças e semelhanças que existem sob a forma de atitudes e técnicas que ora parecem ser exactamente as mesmas, ora nos dão a impressão de exigir cada uma a sua língua ou estilo próprio, para melhor exprimir a sua particularidade nacional de ser: a particularidade psicológica de cada um dos dois temperamentos que formam, completando-se, o ethos peninsular, hispânico, ibérico, às vezes independentemente de fronteira política ou de condição rigidamente nacional. estes dois temperamentos - não digo novidade - são o lírico e o dramático.
Há espanhóis - homens e valores - que são predominantemente líricos e portugueses que são predominantemente dramáticos. Se nos é lícito definir o espanhol como dramático em relação com o português, lírico, é considerando simplesmente as predominâncias que parecem caracterizar um povo em face do outro; e não excluindo ou desprezando as constantes interpenetrações entre os dois. Tão constantes que não há talvez português sem alguma coisa de espanhol, nem espanhol sem alguma coisa de português na sua cultura.
Foi de Elvas, e vendo, ao mesmo tempo, Portugal e a Espanha, que o meu amigo António Sardinha observou, como que a olho nu, essas interpenetrações constantes, tão esquecidas por aqueles outros ensaístas que apenas se têm fixado nas diferenças entre os dois povos. E concluiu, como já concluíra Oliveira Martins, por uma unidade peninsular de cultura que, entretanto, para ele, era apenas «cultura» no sentido restrito de conjunto de valores eruditos; e não «cultura», no seu muito mais amplo sentido sociológico e moderno, em que, aos valores eruditos, se acrescentam os quotidianos, os rústicos, os comuns. Sob este critério, creio que as bases da unidade peninsular ganham uma profundidade de que não se fez ainda a exacta sondagem. Oliveira Martins, Moniz Barreto, António Sardinha consideraram-na com olhos particularmente atentos às expressões apenas nobres ou somente políticas. Estas parecem ter favorecido menos como constantes, do que como acidentes, a aproximação entre os dois povos.
E a propósito dessas constantes de interpenetração na cultura erudita da Península - de que o bilinguismo literário parece ter sido a expressão mais completa - convém não nos esquecermos do facto, salientado por Sardinha, de que do português Nuno Gonçalves alguns dos próprios eruditos espanhóis em assuntos de pintura fazem descender toda a pintura tida como mais genuinamente espanhola, no seu realismo ou na sua naturalidade, do mesmo modo que para outros eruditos, de outro português, Gil Vicente, se teria desenvolvido, no drama castelhano, a linguagem popular e até rústica que lhe dá o seu melhor sabor de naturalidade. A pobreza dos portugueses em pintura e em teatro não seria assim absoluta mas relativa: relativa a predominâncias que se acentuaram na Espanha, sem que, de Portugal, deixassem de ter vindo contribuições decisivas e até originais para a cultura comum ou para o complexo peninsular de cultura. Contribuições que se sabe se terem verificado noutros planos e no mesmo sentido de naturalidade de forma ou expressão: no plano da arte do vestido de mulher fidalga, por exemplo. Uma senhora francesa - citada por Sardinha - que estudou o assunto através de retratos de infantas - alguns, obras portuguesas - existentes em Espanha, identificou como portuguesas - regionalmente portuguesas - várias predominâncias nas modas espanholas de trajo fidalgo de mulher.
Já que falo outra vez de pintura e de pintores portugueses, não devo esquecer-me de repetir que Velásquez era um Silva, filho de português; nem de que era português o menos famoso, mas também influente, Sanches Coelho. Se deixaram de enriquecer a pintura peninsular em Portugal, é que por uma predominância não só de temperamento, como, ao que parece, principalmente de educação de gosto, entre reis e o próprio público, a apreciação pela pintura - como pelo teatro - acentuou-se tanto na Espanha que empalideceu em Portugal; e empalideceu em Portugal a ponto de ter-se tornado, segundo parece, incómoda ou esterilizante para os indivíduos com vocação para qualquer das duas artes.
Mesmo assim, continuo a não saber explicar de todo porque, de início, não se desenvolveu, num país das condições excepcionais de visibilidade de Portugal, uma pintura que, ainda mais do que o lirismo, se tivesse tornado característica do povo que inspirou a Mrs. Browning o título dos seus Sonnets from the Portuguese. Porque não se terá desenvolvido entre portugueses uma pintura tão marcadamente portuguesa em sua expressão de vida, de carácter e de luz regionais, como a dos holandeses, em trecho igualmente pequeno da Europa? É mistério que volta a preocupar-me em Évora. Ao fitar uma paisagem que, não sendo portuguesa em sua expressão ou definição política, continua igual à portuguesa pelas suas predominâncias de cor, de forma e de luz, não compreendo que, atravessada uma fronteira apenas convencional, esteja qualquer de nós num país de grandes pintores; e que esses grandes pintores faltem - exceptuando um ou outro Nuno Gonçalves - a Portugal: ao Portugal não só de hoje como ao de sempre. Não só ao da Europa como ao do Ultramar.
Consolemo-nos os portugueses e descendentes de portugueses com a moderna exaltação europeia de uma figura portuguesa de pioneiro da pintura hispânica: Nuno Gonçalves; ou com o facto de cuidadosos pesquisadores europeus das origens da pintura peninsular falarem numa «escola portuguesa» de pioneiros vigorosamente realistas na sua arte: arte ou escola da qual, através de Carreño de Miranda, teria resultado o luso-espanhol Velásquez. Havendo assimilado traços de técnica de Van Eyck, teria adaptado a «escola portuguesa», antecipando-se aos espanhóis, processos nórdicos de pintar, à influência, observada em Portugal por pintores portugueses, da luz sobre a figura humana e sobre a paisagem. Desta obra portuguesa de adaptação de processos nórdicos de pintura e uma luz já quase tropical em seu modo de iluminar figuras e paisagens se teria desenvolvido toda uma riqueza - aparentemente só espanhola, na verdade luso-espanhola nas suas raízes - dentro do sistema de cultura comum às duas nações. Sistema de que participamos todos os hispano-americanos, em nossa formação: os da América Portuguesa tanto quanto os da América Espanhola. As origens da cultura peruana estão salpicadas de muitos e bons lusitanismos; o desenvolvimento da cultura brasileira está marcado pela influência de numerosos espanholismos, ultimamente postos em justo relevo pelo Professor Sílvio Júlio.
Em Elvas, deixo de contemplar a paisagem espanhola que se oferece a meus olhos como um prolongamento da portuguesa, para, de olhos fechados, como os místicos, procurar ver melhor o futuro da pintura portuguesa: pintura tão pobre, até hoje, em Portugal embora tenha concorrido notavelmente para a riqueza da espanhola. O futuro daquela um tanto remota obra de adaptação de técnicas norte-europeias de pintura aos resultados de observação, por olhos de portugueses, da influência de uma luz já quase tropical, como a do Sul da Península, sobre os homens e as coisas.
E o futuro de obra tão remotamente portuguesa, aproveitada e desenvolvida de modo magnífico por espanhóis e luso-espanhóis, creio que se afirmará naquelas áreas tropicais de colonização portuguesa, onde a tradição luso-espanhola de pintura começa a exprimir-se em pintores do vigor de Tarsila do Amaral e de Cândido Portinari, de Cícero Dias, de L. Cardoso Ayres, de Pancetti e Rosa Maria. Pintores que vêm adaptado aquela tradição a condições rasgadamente tropicais de influência da luz sobre as figuras e as paisagens.
*
Vou à quinta em que morou o meu amigo António Sardinha. Visito a viúva: tão portuguesa no seu modo um tanto triste, mas discreto - discretamente triste - de ser viúva. Recebe-me com encantadora simplicidade. Mostra-me a quinta: é pequena e, na sua técnica de exploração da terra, arcaica. Pequena é também a casa. Pequeno o gabinete de trabalho do escritor. Conserva-o a ternura da viúva fiel exactamente como Sardinha o deixou. Os mesmos livros, então novos, que começara a ler. Os mesmos livros velhos abertos para consulta. Os mesmos papéis. A mesma desordem de mesa realmente de trabalho de escritor realmente escritor. De ensaísta que estudava os assuntos, que lia os autores novos, que relia os velhos e os mestres, que examinava os prós e considerava os contras das questões, antes de tomar as suas atitudes de homem de combate.
Homem de combate mas não panfletário amigo da improvisação fácil ou superficialmente brilhante. Havia nele fervor. Mas não o jornalístico e sim o do «moralista» no bom sentido francês em que até um Voltaire ou um Montaigne ou um Pascal é considerado moralista. É verdade que o animava uma doutrina; que o caracterizava nítida vocação para doutrinário e até para doutrinador; que essa vocação mais de uma vez prejudicou, limitou ou amesquinhou nele a independência ou a flexibilidade de escritor. A própria dignidade do pensador. Mas nunca a honestidade do homem. E em seu modo de ser escritor havia muito de hispânico: entre os hispanos, parece que, mais do que entre outros povos, o homem alonga-se em escritor sem que o escritor artificialize o homem numa espécie de alma-do-outro-mundo que só saiba, como Flaubert, na França, ou Machado de Assis, no Brasil, ou Edgar Poe, nos Estados Unidos, compor com perfeição literária os seus poemas ou os seus romances ou os seus ensaios. «Incapaz de indignar-se» - como de Anatole France disse uma vez Unamuno. Quando me afoito a dizer, como já disse, uma vez, de um Cervantes, que era tão tipicamente hispânico que nele o escritor como que grecóidemente alongava ou exagerava o homem de acção, de combate, de aventura, é apenas reconhecendo em personalidade como a do autor de "Dom Quixote" certa maneira tão espanhola quanto portuguesa, de ser um indivíduo de génio, homem de letras, sem deixar de ser homem simplesmente homem. Ou homem intensamente homem. Intensamente da sua província, da sua região, da sua raça no sentido sociológico de raça. Mas intensamente, da sua condição humana; demasiadamente humana, até.
Foi como Fernão Mendes Pinto, como o próprio Camões, como António Vieira, como Garrett, como Antero, como Herculano, como Oliveira Martins, como o Eça - o mais flaubertiano dos portugueses - foram escritores: sendo intensamente homens e transbordantemente hispanos. Alongando a sua condição de homens e de hispanos na de escritores. Sendo maiores como personalidades do que como estetas ou eruditos ou compositores literários.
António Sardinha, sem ter sido um grande escritor ou mesmo um grande homem de acção, preso, grande parte da vida, à rotina da sua vida de província e de quinta, foi típicamente da sua raça no modo de ser escritor. Nele aconteceu o transbordamento em homem de letras de uma personalidade marcada pelo fervor combativo ou pela maneira pessoal de reagir contra convenções a seu ver desnacionalizantes ou desispanizantes do português; e a favor de tradições, no seu entender, essenciais à conservação do espírito nacional e do espírito hispânico, na gente portuguesa. Pecou, talvez, por excesso não só de sectarismo político mas - o que me parece grave - de ocidentalismo cultural. Mas sem se fechar de todo à vocação tropicalista do português. Admitindo a incorporação do extra-europeu ao Ocidente.
Diante da sua mesa de trabalho, vem-me à lembrança a amizade que me ligou a este português de Elvas que não cheguei a conhecer senão através de cartas. Vêm-me à lembrança as suas expansões de amigo talvez compreensivo, como nenhum, entre os que tenho tido em Portugal, do meu modo, no seu tempo, ainda vago, de considerar o português não apenas um europeu mas o criador de um sistema extra-europeu de vida e de cultura, corajosamente assimilador da África negra e não apenas da morena ou árabe. Assimilador de índios no Oriente e ameríndios no Brasil. Luso-tropical, é como hoje creio que se deve caracterizar tal sistema, que dá à cultura lusíada condições excepcionais de sobrevivência na África, na América e no Oriente. Num mundo que já não é uma expansão imperial do Ocidente em terras consideradas de populações todas bárbaras e de culturas todas inferiores à europeia, mas um começo de síntese do Ocidente com o Oriente, da Europa com os trópicos. Síntese esboçada pelos portugueses desde o século XV, sem que dela se tivesse apercebido a arrogância britânicamente monocular dos subkiplings.
Sardinha usava monóculo mas não era imperial ou patrioteiramente monocular na sua visão dos problemas de relações de Portugal com a Espanha, com o Norte de África e com o Brasil. Talvez o fosse com relação à África Negra e à Índia, um tanto à maneira, certamente lamentável, dos Mouzinhos de Albuquerque. Com relação a indianos e a africanos negros, parece ter Mouzinho, mais de uma vez, assumido atitudes não de português capaz de extra-europeizar-se em seus critérios e em seus actos ultramarinos, mas de português com pretensões a europeu «puro» ou «superior». E quando o português pretende parecer estritamente europeu em face de indianos ou africanos, por mais britânico que seja o seu monóculo e por mais germânicamente louros que sejam os seus bigodes, resvala em caricatura de europeu. E torna-se tão subeuropeu como qualquer turco, dos que só por terem substituído o fez pela cartola se imaginem parisienses ou londrinos; e deixam de pensar e agir como turcos bons e admiráveis - povo dinâmicamente em transição - para agirem e pensarem como estáticos e incaracterísticos subeuropeus, sem compromissos com a Europa, por um lado, e com o Oriente, por outro, que os obrigassem a pensar e a agir acima da mediocridade ou dos medíocres preconceitos, quer europeus, quer orientais.»
Gilberto Freyre
("Aventura e Rotina", Livros do Brasil, Lisboa, (s/ data), pp. 91-96)

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António Sérgio, visto por Gilberto Freyre 

De volta a Lisboa, que continua quase tão tropicalmente clara como em Julho - quando por aqui passámos, a caminho da França - tenho o gosto de receber a visita de António Sérgio. O mesmo Sérgio. A inteligência ágil é nele a de um crítico ao mesmo tempo poderoso e subtil que compreende os assuntos como os gregos desejavam que se compreendesse qualquer problema novo: apanhando-o o pensador no ar, vivo e vibrante. Como a um pássaro no voo.
A inteligência que não possua este poder, não de improvisação, mas de compreensão ágil, talvez não seja senão meia-inteligência. A melhor inteligência do homem parece estar nisto: em poder ou saber apanhar o assunto, não parado ou quase morto, mas vivo e em movimento, que é como os assuntos são completos e naturais.
É como António Sérgio sabe surpreendê-los: nesta espécie de voo. Daí a sua palavra ser, não a eloquente ou a brilhante do improvisador ou do causeur convencional, mas a surpreendente, do homem de inteligência ao mesmo tempo ágil e profunda. Surpreendente na conversa quase tanto como é no ensaio, Sérgio nunca vê banalmente um assunto nem comenta convencionalmente um facto. Surpreende nos factos e nos problemas aspectos inesperados que nos revela com nitidez às vezes didáctica. É o que ele tem feito principalmente do ensaio em língua portuguesa: um instrumento de revelação de factos e de clarificação de ideias.
Impossível, hoje, considerar os factos da expansão portuguesa no Oriente e nos trópicos e as ideias que se têm acumulado em torno desses factos, sem considerar o critério sugerido por António Sérgio - ele próprio nascido em Damão, filho de português ilustre, depois visconde, que governou durante anos províncias da Índia - para a reinterpretação de tais factos e para a clarificação de quanta ideologia turva nos vem separando deles. Pode haver na sua atitude e na dos jovens estudiosos de assuntos portugueses que a seguem - sistematicamente talvez nenhum, vários, um deles Vitorino Magalhães Godinho, livremente - excesso de racionalismo como que linear. Impaciência com as muitas curvas que fazem do passado e da natureza humana complexos em que intervêm desigualmente no tempo, como no espaço, influências diversas e contraditórias e algumas rebeldes ao puro esclarecimento nacional. Não há dúvida, porém, de que Sérgio, com as suas «considerações histórico-pedagógicas» sobre os descobrimentos portugueses no seu ensaio sobre A Conquista de Ceuta e no seu esboço, publicado em inglês, na Índia, da história de Portugal, veio ampliar sobre todo um grupo de factos como que desnaturalizados por alguns historiadores, a visão já «económico-científica» - como a chama o próprio Magalhães Godinho - de um Oliveira Martins um tanto injustamente desdenhado como «romântico» no mau sentido - quando o foi principalmente no bom; a acrescentar a essa visão de homem de génio - homem de génio meio desajustado entre historiadores convencionais, como foi Martins - novos e sugestivos modos de considerar-se o complexo problema da expansão lusitana. Uma expansão cujo sentido económico vinha sendo esquecido ou desprezado pelos apologetas de um Portugal expansionista considerado apenas «campeão da Fé» ou da «Cristandade».
António Sérgio pôs em relevo, como uma das causas da expansão portuguesa, a crise de subsistência em Portugal no século XV: crise para a qual o celeiro marroquino se apresentava como solução imediata. Ao lado dessa crise regional, salientou a europeia: estava a economia europeia ameaçada pelos triunfos turcos no Levante - que substituiriam, entre os maometanos, uma civilização acomodatíciamente mercantil por outra, guerreira, intolerantemente guerreira, talvez - de desequilibrar-se, perdendo o contacto comercial com a Índia. E não nos esqueçamos - Mestre Sérgio dá todo o relevo ao facto - de que, em Portugal estava, desde o século XIV, no poder, a burguesia comercial-marítima. Era dentro da comunidade portuguesa a parte mais particularmente sensível a um desequilíbrio na economia comercial da Europa, em suas relações com a Índia.
Destacando essas influências, na verdade decisivas e apenas entrevistas pela poderosa inteligência de Oliveira Martins, ao considerar os motivos da expansão portuguesa na África, Sérgio deixou-se levar pelo encanto da interpretação linear. E pela interpretação linearmente económica abandonou de tal modo a político-religiosa, que resvalou no extremo de considerar desprezível o fervor religioso entre os estímulos à actividade expansionista dos portugueses na África e no Oriente. Exagero em que o vêm rectificando historiadores, por sua vez exagerados na exaltação, mas não na consideração, do factor religioso: Joaquim Bensaúde e Jaime Cortezão, entre outros. Mestre Jaime Cortezão - tão mestre quanto Sérgio - sem nunca desprezar a realidade económica; Bensaúde perdendo-se, às vezes, em exageros de retórica patriótica e nacionalista, numa como sobrecompensação da sua condição de português de origem israelita.
A Cortezão sempre pareceu difícil de separar, na tentativa de explicar-se a expansão portuguesa, o motivo económico do religioso: se a feição marítima tomada pela economia europeia - inclusive a portuguesa - como que obrigava a Europa a entrar em conflito com outra civilização também marítima e mercantil como a dos árabes, empenhados há longo tempo na exploração do mesmo ouro africano e das mesmas especiarias orientais agora desejadas pelos europeus, também favorecia o conflito entre as duas civilizações o ódio teológico que separava cristãos de maometanos: um ódio teológico acentuado entre cada um dos dois grandes grupos pelo fervor proselitista que em cada um deles animava poderosos subgrupos. Entre os cristãos, o principal subgrupo militantemente expansionista teria sido, segundo Cortezão, o franciscano, com os seu amor senão ao estudo, à contemplação da natureza, ao qual se teria juntado aquele «apetite de conhecimento» desenvolvido nos europeus do sul pela ciência greco-árabe.
Recorda Magalhães Godinho ter em 1940 Jaime Cortezão modificado a sua interpretação da expressão portuguesa no Oriente e nos trópicos, no sentido de acentuar a importância do factor religioso como estímulo aos descobrimentos e às actividades lusitanas no Ultramar. O facto apenas parece indicar, tratando-se de pesquisador tão honesto, a dificuldade em torno do que o mesmo Magalhães Godinho - cujo excelente ensaio A Expansão Quatrocentista Portuguesa venha lendo - chama «diagnóstico da causa decisiva». Para Magalhães Godinho, «o problema da génese dos descobrimentos desdobra-se em três aspectos» que seriam, um de «impulsões e solicitações», a ser estudado sociológicamente; outro de «iniciativas e adaptações», psicológico; outro de «valores culturais», lógico. Desprezando o «imperialismo turco» como causa da expansão portuguesa no século XV, Magalhães Godinho prefere destacar, divergindo de Sérgio mais em sistemática do que em orientação, «a convergência das necessidades de dilatação territorial da nobreza e de conquista de mercados da burguesia», que teria sido uma causa sociológica «por impulsão»; e ao lado dela, por «solicitação» - causa também sociológica - os cereais, panos, ouro, pescarias e posição estratégica de Marrocos; o ouro, a malagueta, os escravos da Guiné; as especiarias, pedras preciosas, madeiras raras e aromáticas da Índia. A expansão não se teria realizado como uma «iniciativa única» mas como uma pluralidade de iniciativas. Não teria sido só no sentido da conquista territorial (interesse da nobreza) mas no comercial (interesse da burguesia): orientação reunidas por D. João II em Marrocos. A Ordem de Cristo é que teria tido a iniciativa dos descobrimentos portugueses; mas não por fervor religioso e sim porque era «uma organização de riqueza fundiária e mobiliária». Quanto ao Infante, teria sido movido no seu modo de pôr-se a «serviço de Deus e do reino», pela «curiosidade, a perspectiva comercial, o espírito de cruzada e cavalaria e considerações político-estratégicas».
Como se vê, atribui o continuador de António Sérgio na interpretação materialista da expansão portuguesa na África e no Oriente, importância tal aos factores económicos que deixa na sombra - a não ser com relação ao Infante - os religiosos ou idealistas ou românticos ou místicos. É como se não existisse da parte do português aquele lirismo, ao mesmo tempo religioso e naturalista, que Cortezão simplifica sob o nome de «franciscanismo»; e que parece ter sido o motivo de atracção de tantos homens do Reino para a vida livre nos trópicos, para os encantos da natureza tropical, para a actividade românticamente missionária no estilo da de João de Brito na Índia. O mesmo lirismo ou romanticismo em que se teria inspirado, através de novelas ainda quase infantis mas sugestivas, como expressão literária de efusão lírica, o romantismo de Rousseau.
Ninguém hoje que se interesse pelo estudo das actividades não só económicas como religiosas, não só comerciais, mas a seu modo, românticas, que definem a presença do português no Oriente e nos trópicos, pode desprezar as páginas que sobre a expansão lusitana nessas áreas já escreveu António Sérgio. São lúcidas e iniciaram uma fase em estudos, que Oliveira Martins foi o primeiro a libertar de exagero de «ufanismo» português em relação com um passado nem sempre cor-de-rosa. O mesmo direi dos recentes ensaios de Magalhães Godinho, tão influenciado por Sérgio nos seus primeiros pontos de partida. Mas são interpretações, tanto as que eles oferecem como as já clássicas - a despeito de «românticas» - de Oliveira Martins, a que precisamos de opor, mais de uma vez, as oferecidas por outro ensaísta português, tão moderno quanto Sérgio em sua formação de historiador e com igual sentido sociológico do passado que pretende reconstituir e interpretar: o hoje meio-brasileiro Jaime Cortezão.»
Gilberto Freyre
("Aventura e Rotina", Livros do Brasil, Lisboa, (s/ data), 191-194.)

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