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sábado, março 19, 2005

A nostalgia dos cromos 

O jornalista Eurico de Barros tem o talento da observação e da descrição daquelas coisas pequenas ou grandes que fazem a vida das pessoas.
E escreve bem, circunstância que não pode deixar de realçar-se nos tempos que correm.
Para amostra, eis um artigo de Eurico de Barros no "Diário de Notícias".

A nostalgia dos cromos
Marcello Mathias escreveu no seu livro Diário da Índia "A história de um homem é a história das suas nostalgias." As minhas nostalgias, confesso-o, são todas modestas, algumas mesmo ridículas. Uma delas é a nostalgia das colecções de cromos da infância e início de juventude.
Quando olho para as coisas pífias que hoje passam por colecções de cromos, dá-me vontade de rir. No meu tempo - todos os nostálgicos gostam muito de escrever "no meu tempo" -, as colecções de cromos eram a sério, e fazíamo-las com fervor, aplicação e os dedos pegajosos de cola, entre os trabalhos de casa e os poucos programas que nos autorizavam que víssemos no único canal de televisão existente. Completar uma caderneta de cromos era uma aventura, um gosto, um desafio e também um bocadinho da nossa educação, porque sem repararmos nisso aprendíamos sempre alguma coisa nova.
Como nunca liguei aos cromos da bola, por sempre ter tido pouca estima pelo futebol, as minhas colecções tendiam para o didáctico. Por exemplo, a História de Portugal, com os desenhos de Carlos Alberto e os textos em cápsulas de patriotismo a acompanhar cada rectângulozinho colorido; a Maravilhas do Mundo Animal, com a invulgar caderneta rectangular e a capa "dramática", o tigre a rugir e a cobra em posição de dar o bote; ou a Raças e Povos do Mundo (ou seria só Raças do Mundo? - todos os nostálgicos são afligidos por lapsos de memória). Estão a imaginar alguém atrever--se a lançar uma colecção de cromos com a palavra "raça" no título, nestes tempos de democracia hipócrita e vigiada?
Havia também as colecções de vedetas de cinema e de filmes, a que nunca liguei muita importância, apesar de o meu amor pelas fitas se ter manifestado muito cedo. Mas lembro- -me de uma prima andar em desespero à procura do cromo "difícil" de uma star de Hollywood, e tê-lo conseguido de uma amiga à força de ameaças doces, cinco escudos e 80 "repetidos" do seu acervo. (Os cromos também ensinavam a fazer comércio).
Um ex-colega de faculdade, camarada de escrever nos jornais e maluquinho de cromos, disse-me que há no Bairro Alto uma casa onde se vendem carteiras e cadernetas dos bons tempos. Um dia destes, vou lá pôr a nostalgia a pastar.

Eurico de Barros

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