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quarta-feira, março 23, 2005

Um nacional-revolucionário esquecido 

Quando José Miguel Júdice era um jovem radical e revolucionário, repugnava-lhe a simples ideia de colaboração com as forças das direitas contra-revolucionárias. Para ele, um nacional-revolucionário, puro e duro, não podia alinhar nessas misturas, ainda que por conveniência táctica ou estratégica.
Por isso quanto Rodrigo Emílio publicou na "Política" um seu artigo sobre a "Proto-História da Guerra Civil Espanhola", em que punha certo entusiasmo na lógica frentista do Alzamiento, em que tinha participado gente de todas as famílias políticas das direitas, o José Miguel tratou logo de chamá-lo à razão.
Eis aqui o artigo da polémica, do fogoso nacional-revolucionário José Miguel Júdice.

A PROPÓSITO DE «PROTO-HISTÓRIA DA GUERRA DE ESPANHA»
Meu caro Rodrigo Emílio:
Mal o conhecendo pessoalmente, tenho porém por si uma consideração elevada. Pelas suas posições nacionais e pelo seu valor intelectual indiscutível. Por isso esta carta, que noutras condições não escreveria, substituindo-a por um artigo impessoal.
E escrevo porque não tenho dúvidas sobre as vantagens de nos debruçarmos criticamente sobre os textos de pessoas com as quais ideologicamente temos muitos pontos de contacto. A intelectualidade marxista nisso — como em muitas outras coisas — está aí a revelar bem a importância do diálogo — que exige uma plataforma comum.
Vem isto a propósito de um artigo seu publicado na Política n.° 20-21 e intitulado «Proto-História da Guerra de Espanha». No que ele tem de descrição factual pouco há a dizer (a não ser que os conservadores quando foram derrotados pela Frente Popular em 1936 estavam no Poder por vias legais e por isso a «consternação total» a que chegaram não se deve a perderem as esperanças sobre a via eleitoralista de acesso ao poder — a Guerra Civil tem outras explicações).
No que se refere a comentários, encontro no seu artigo algumas imprecisões de maior ou menos significado a que me irei referir. Trata-se de opiniões sobre os sectores que apelida «nacionalistas», relações entre eles e de um juízo sobre as consequências da Guerra Civil com que termina o artigo.
1.º «Provendo a consolidação das suas estruturas de combate, as direitas em peso tratam, então, de fundir em denominador comum, todo um leque de formações partidárias [carlistas, monárquicos de Calvo Sotelo, agrários, CEDA, Falange] matizados nas ideias mas convergentes nos propósitos e solidário nas intenções» (pág. 16).
Juntar a Falange das J. O. N. S. aos carlistas apesar das diferenças ideológicas e da nula actuação unitária entre ambos, mas pelo respeito que aquela tinha por estes pelo seu «desinteresse exemplar» (1), ainda vá lá. Agora, com Sotelo — que ao ver recusada a sua intenção de ingressar na Falange, funda o seu grupo partidário —, com os «agrários» — o Rodrigo Emílio já terá lido os textos de José António sobre reforma agrária? —, com a CEDA — dos senhores Calzada e Gil Robles —, com todos esses nem as ideias, nem os propósitos, nem as intenções eram comuns.
As posições da Falange sobre as «jogadas de xadrez nacionalista» são bem conhecidas. A palavra a José António: «E as direitas? As direitas invocam grandes coisas: a Pátria, a tradição, a autoridade...; mas também não são autenticamente nacionais. Se o fossem, não esconderiam sob as grandes palavras um interesse de classe» (2).
2.º «... de um lado, a Frente Popular, abrangendo todos os partidos de esquerda; do outro, a Frente Nacional, poderosa coligação das direitas» (pág. 17).
Para além do que já foi dito atrás, importa frisar directamente a inadequação do termo Frente Nacional para apelidar a coligação das forças reaccionárias espanholas para o processo eleitoral de 1936. Volto a citar José António, num passo relativamente extenso, mas que me parece fundamental para se ver bem as condições de uma Frente Nacional: «Contra o perigo bolchevista há que formar, não a frente anti-revolucionária — dado que Espanha precisa de uma Revolução —, mas a Frente Nacional, delimitada pelas seguintes exclusões e exigências:
1 — Exclusões: a nossa geração, a quem compete a responsabilidade de solucionar a presente crise do mundo, não pode sentir-se solidária:
a) Por razões históricas, com os que queiram ocultar sob a bandeira nacional nostalgias reaccionárias por fórmulas ultrapassadas ou sistemas económico-sociais injustos.
b) Por razoes éticas, com os que estejam habituados a viver politicamente num clima corrupto.
2—Exigências. A Frente Nacional terá de se propor:
a) a devolução ao povo espanhol de uma nova fé na sua unidade de destino e uma firme vontade de ressurgimento.
b) A elevação para nível humano da vida material do povo espanhol.
A primeira exige uma revitalização dos valores espirituais, sistematicamente relegados ou deformados durante muito tempo e, sobretudo, a insistência nesta concepção de Espanha como expressão de uma comunidade popular com um destino próprio, diferente do de cada indivíduo, classe ou grupo, e superior a eles. A segunda — isto é, a reconstrução económica da vida popular, indispensável nesta época de liquidação da ordem capitalista — exige urgentemente:
a) uma reforma creditícia que chegue até à nacionalização do serviço de crédito, em benefício do conjunto da economia;
b) uma reforma agrária que determine, em primeiro, lugar, as áreas cultiváveis de Espanha (as actuais e as possíveis com melhoria de técnica), entregue à floresta e à pastorícia tudo o que esteja fora delas e instale nelas revolucionariamente (isto é, com ou sem indemnizações) a população campesina espanhola, ou em unidades familiares ou em grandes culturas em regime sindical, conforme a natureza das terras.
Tudo o que hão seja aceitação sincera e austera de um programa assim, com tudo o que implica de sacrifício, não terá nada a ver com uma verdadeira posição contrária ao bolchevismo — mas será apenas uma tentativa igualmente materialista, e além do mais inútil, para conservar uma ordem social, económica e histórica, já ferida de morte» (3). E de tal modo a coligação não obedecia a estas condições que a Falange se apresentou às eleições solitária, não aderindo à Frente anti-revolucionária.
3.º «Ao cabo de três anos de trágica grandeza, a pátria espanhola recobrara, enfim, o seu glorioso destino de nação una, grande y libre. E de entre escombros, ressurgira então, exangue mas desperta, a imagem restituta da Espanha eterna.» (pág. 17).
A beleza literária deste final coincide com a mais contestável das suas afirmações. De facto, nela se denota um dos maiores riscos com que depara o pensamento nacional-revolucionário — considerar que uma revolução (ou pseudo-revolução) política significa por si só a alteração do statu-quo. Nessa convicção se criam as condições para a traição aos princípios. Pedindo desculpa de me citar, diria que a «descontinuidade política apenas serviu para camuflar a continuação de um sistema — sócio-económico que se julgava alterado» (4). Ainda, no caso concreto, de a utilização das fórmulas nacional-sindicalistas sem as alterações estruturais que as justificam ter contribuído para o fortalecimento de um poder de classe, na lógica da situação anterior a 1936. O franquismo foi — e é — indubitavelmente, uma traição aos princípios. Esquecê-lo é abrir a porta a todos os compromissos. Nisso, ao menos, sejamos claros.
4.º Numa síntese final a todas as críticas que faço ao seu artigo, queria frisar que este enferma de um defeito de estratégia que os nacionalistas revolucionários muitas vezes cometem: a atracção pelas coligações, pelas alianças. É com a plena consciência do erro de queimar etapas, e de que não estão criadas as condições para a total oposição às coligações, que lembro que a percepção perfeita das divergências em relação aos sectores nacionalistas conservadores — sobretudo, mas não só, a nível social — é condição sine qua non para que a coligação conjuntural não seja uma cedência, mas um passo em frente. A total maleabilidade táctica implica uma estratégia global que se baseia também no estudo da história. Daí um dos motivos da importância de experiência falangista e, também, a razão desta carta, escrita a pensar nos dias de hoje.
E é tudo. Aceite um abraço de unidade onde vai a admiração do
José Miguel Alarcão Júdice
Coimbra, 29/9/73
Notas:
1 — «José António Primo de Rivera» — Colecção Antologias — Cooperativa Cidadela — pág. 211.
2 — Idem, pág. 233.
3 — Idem, págs., 127-129.
4 — Idem, pág. 48.
José Miguel Júdice
In «Política», n.º 22/23 de 15.10./15.11.1973, págs. 27/39.

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