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quarta-feira, março 30, 2005

«ENQUANTO ULISSES DORMIA...» 

Há uma corrosão lenta, venenos subtis que se vão entranhando no sangue e minando a saúde até destruir os corpos ou perverter as almas. Há tácticas habilidosas, caminhos de silêncio, invasões encapotadas que tomam conta dos exércitos, das praças, dos povos, das nações.
Temos sido ingénuos e descuidados, temos sido cépticos e desatentos, cheios de auto-suficiência e com sorrisos de desdém perante certas actividades que considerámos inofensivas. Temo-lo sido até ao extremo do exagero mais extremo — e até, e especialmente, nos mais responsáveis, por cultura ou posição.
É tempo — urgente, inadiável, decisivo —, tempo de arrepiar caminho e tomar medidas drásticas! É o derradeiro minuto possível — ou tudo acabará em luta sangrenta e, talvez, num período de escravidão, mais ou menos longo, mais ou menos aniquilador.
A educação espiritual de um povo, a conformação ideológica estão na base do trabalho pacífico e construtivo, de uma ordem actualizante e ascendente, onde a autoridade garanta a justiça, o bem comum, os valores.
«Mais vale prevenir do que remediar». Se usarmos as precauções necessárias, se cuidarmos da saúde, evitaremos o recurso, mais tarde, a custosos remédios e operações dolorosas, talvez cortes violentos. Quanto maior for a vigilância e mais atenta, inflexível, a repressão dos miasmas e ataques, menos se correrá o grave risco de repressões duríssimas ou de quedas fatais. A medicina preventiva é o melhor processo.
No entanto, o comportamento não pode limitar-se a repressões e proibições, não pode ter simples carácter negativo: à existência não se deve opor o nada, o vazio. A uma ideia ou a actos, há que substituir outros actos e outra ideia. Nas artes, no pensamento, nas revistas, nos jornais, nos livros, na rádio, na televisão, no ensino; nos professores, nos directores, nos jornalistas, nos comentadores, nos chefes — precisamos de instaurar uma orientação consciente e formativa, não deixarmos campo aberto à anarquia espiritual e à subversão, como se a Verdade fosse móvel e inapreensível, como se fosse igual à mentira e ao erro. Precisamos de criar sadia mentalidade e vigorosa unidade de sentimento nacional. Um povo dividido, centrífugo, instável, um povo divorciado do Governo é caixa de Pandora semeadora de fúrias e pestes, cruel fera à solta ou adormecida mas prestes a desembestar.
A falta de atenção à conformação espiritual das gentes, da mocidade, especialmente, dá consequências brutais. Os que amanhã (ou já hoje...) serão médicos, professores, sacerdotes, artistas, oficiais do exército, dirigentes, os que serão personalidades condutoras, influentes, exemplificadoras, geradoras de mentalidade, terão sentimentos e ideias contrárias ao que acreditamos (com fé sem tibieza! — ou não é fé nem vale a pena!) ser a Verdade e o Bem. O assalto verificar-se-á, em vários planos, e até o nosso exército, a nossa defesa, a unidade da Pátria estarão à mercê de banditismos e sabotagens.
Evidentemente: o combate ideológico prolonga-se na acção política — e esta inclui a administrativa, a económica, a social. O pensamento não pode ficar na esfera abstracta, em verbalismos, em teoria que contradiga a realidade por ela postulada. «Bem prega Frei Tomás! Olhai para o que diz e não para o que faz» é um irónico ditado, castigador de hipocrisias exploradoras e egoístas. A justiça ao povo, a dedicação ao bem nacional e à supremacia dos valores, têm de cumprir-se, banindo todos os interesses plutocráticos e a corrupção administrativa. Aliás, esse, materialismo prático é o que mais se alheia da doutrina, da conformação espiritual do povo e da alma da juventude. Os conservadores e os moderados são os piores inimigos.
Ergamo-nos, pois, contra a invasora traição!
Goulart Nogueira
(in Agora, n.º 325, págs. 1/11, 07.10.1967)

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