sábado, maio 29, 2004
O anti-fascismo dos fascistas
Os movimentos fascistas dos anos vinte e trinta do século passado ficaram justamente conhecidos pelo seu pioneirismo e mestria no domínio das técnicas de propaganda e comunicação de massas. Uma inovadora preocupação, constante e permanente, com a mensagem e as massas. Daí lhes resultou grande vantagem na luta política, num tempo caracterizado exactamente pela aparição das massas populares no centro da arena política, diferentemente do que tinha acontecido tradicionalmente, em que só as elites eram sujeitos participantes nessa luta.
Com o decurso do tempo, e as evoluções ditadas por múltiplas derrotas, a situação inverteu-se completamente. A esquerda aprendeu globalmente que o importante não é o que se faz, mas o que é transmitido. Um comício falhado, com apenas dez pessoas, será um êxito político se na manhã seguinte os meios de comunicação anunciarem solenemente que uma multidão entusiasmada esteve reunida a aclamar as palavras dos oradores. Não interessa o que realmente foi, o importante é o que "os outros" fiquem a julgar que foi.
Ao contrário, enquanto a esquerda se centrou totalmente no controlo da comunicação e da propaganda, os sucessores das tais correntes que se distinguiram pelo desenvolvimento e aplicação desses conceitos ao campo político passaram a interiorizar uma espécie de culto da clandestinidade e do secretismo. Mesmo que se faça alguma coisa, é só para os amigos e simpatizantes. Não convém que se saiba, isto é só para "os nossos", e porta fechada... não deixem entrar o Sol!
O reflexo está tão enraízado que por vezes o encontramos até nos automatismos dos jovens: um estranho procura aproximar-se do grupo e a reacção não é de acolher e integrar o novato; pelo contrário, há logo uma crispação e uma interrogação no ar ("este é dos nossos?").
Muitas vezes dedica-se um enorme trabalho a uma iniciativa, seja um jantar de convívio, uma sessão de esclarecimento ou uma revista, e todo esse esforço é inutilizado porque não há a menor preocupação na respectiva divulgação - pelo contrário, por vezes há até a preocupação em fazer tudo o mais discretamente possível, para que "os outros" não saibam ("é só para os nossos!")... Como é evidente, esses acontecimentos só seriam uma realidade política e não uma tertúlia de amigos se tivessem a mais ampla repercussão entre "os outros" (este é o cerne da política, de acordo com Carl Schmitt e um mínimo de senso comum).
Mas não: a lógica continua a ser a do amiguismo, do clube juvenil fechado, da desconfiança e hostilidade para o exterior, da ocultação das palavras e das acções, do temor das misturas e das confusões. Já conheci rapaziada extasiada a admirar a beleza de uma cartaz (terá custado imenso trabalho e dinheiro) e que conclui a sua admiração com uma frase definitiva: "- Giríssimo! Vou já afixar no meu quarto!".
A isto podia chamar-se talvez uma "fascismo de garagem" (quando ultrapassa o quarto).
Numa palavra: exactamente o oposto da atitude política. E absolutamente o contrário, uma inversão completa e total, daquilo que distinguiu os fascismos e congéneres há setenta ou oitenta anos.
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Com o decurso do tempo, e as evoluções ditadas por múltiplas derrotas, a situação inverteu-se completamente. A esquerda aprendeu globalmente que o importante não é o que se faz, mas o que é transmitido. Um comício falhado, com apenas dez pessoas, será um êxito político se na manhã seguinte os meios de comunicação anunciarem solenemente que uma multidão entusiasmada esteve reunida a aclamar as palavras dos oradores. Não interessa o que realmente foi, o importante é o que "os outros" fiquem a julgar que foi.
Ao contrário, enquanto a esquerda se centrou totalmente no controlo da comunicação e da propaganda, os sucessores das tais correntes que se distinguiram pelo desenvolvimento e aplicação desses conceitos ao campo político passaram a interiorizar uma espécie de culto da clandestinidade e do secretismo. Mesmo que se faça alguma coisa, é só para os amigos e simpatizantes. Não convém que se saiba, isto é só para "os nossos", e porta fechada... não deixem entrar o Sol!
O reflexo está tão enraízado que por vezes o encontramos até nos automatismos dos jovens: um estranho procura aproximar-se do grupo e a reacção não é de acolher e integrar o novato; pelo contrário, há logo uma crispação e uma interrogação no ar ("este é dos nossos?").
Muitas vezes dedica-se um enorme trabalho a uma iniciativa, seja um jantar de convívio, uma sessão de esclarecimento ou uma revista, e todo esse esforço é inutilizado porque não há a menor preocupação na respectiva divulgação - pelo contrário, por vezes há até a preocupação em fazer tudo o mais discretamente possível, para que "os outros" não saibam ("é só para os nossos!")... Como é evidente, esses acontecimentos só seriam uma realidade política e não uma tertúlia de amigos se tivessem a mais ampla repercussão entre "os outros" (este é o cerne da política, de acordo com Carl Schmitt e um mínimo de senso comum).
Mas não: a lógica continua a ser a do amiguismo, do clube juvenil fechado, da desconfiança e hostilidade para o exterior, da ocultação das palavras e das acções, do temor das misturas e das confusões. Já conheci rapaziada extasiada a admirar a beleza de uma cartaz (terá custado imenso trabalho e dinheiro) e que conclui a sua admiração com uma frase definitiva: "- Giríssimo! Vou já afixar no meu quarto!".
A isto podia chamar-se talvez uma "fascismo de garagem" (quando ultrapassa o quarto).
Numa palavra: exactamente o oposto da atitude política. E absolutamente o contrário, uma inversão completa e total, daquilo que distinguiu os fascismos e congéneres há setenta ou oitenta anos.
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