quarta-feira, junho 30, 2004
Inquérito sobre o Fascismo (II)
Continuamos hoje a publicar o ensaio de Maurice Bardèche denominado "Inquérito sobre o Fascismo", tal como saiu em Portugal nos números 26 e 27 da revista "Tempo Presente", que tinha então como director Fernando Guedes e como membros do conselho de redacção António Manuel Couto Viana, António José de Brito, Caetano Mello Beirão e Goulart Nogueira, e como secretário de redacção Artur Anselmo.
Será o partido único, que tanto encontramos nos regimes fascistas como nos regimes comunistas, um atributo funcional do Fascismo? A importância desta questão é de tal modo expressiva quanto é certo que o pseudofascismo, instituído em França pelo regime gaullista, provou que se podia chegar à supressão das liberdades essenciais sem recorrer tecnicamente a algum dos meios tradicionais do Fascismo, e simulando, pelo contrário, respeitar as formas do mecanismo democrático. Esta era, também, a solução utilizada pelos imperadores romanos, que se limitavam a protelar poderes excepcionais e a concentrá-los nas mãos.
Salientemos, em primeiro lugar, que o partido único, hoje considerado como a pedra de toque graças à qual se verifica a falta de toda a condescendência democrática, não foi inventado, nos regimes fascistas ou comunistas, senão para facilitar o aproveitamento das instituições parlamentares existentes e para manter as aparências de um funcionamento democrático. Supõe-se que o país está inteiramente congraçado no novo regime, e esta adesão global exprimir-se-á pela fusão dos vários partidos, de ora avante sem sentido, no seio de um só partido, que representa, reúne e dirige as aspirações simbolizadas anteriormente por todos os outros.
Na realidade, essa noite do quatro de Agosto, proclamada pelos partidos, não é mais do que a última das hipocrisias democráticas.
O partido único apenas tem um significado real, com efeito, no plano parlamentar. A sua aparição exprime, oficialmente, o fim das transformações que fazem passar o Poder de uma para outra clientela, no interior da estagnação democrática. Mas não haverá uma certa analogia com esta disposição, logo que o Fascismo é instituído? O Fascismo não tem qualquer necessidade de repetir, por abdicação espectacular mas supérflua, que o Poder jamais mudará de mão, dado que nessa característica se encontra o traço fundamental e, por assim dizer, a definição de todo o regime autoritário.
Para que serve, então, o partido único? Penso que ele encarna uma contraverdade, segundo a qual o país se coloca, unanimemente, atrás do regime que sobe ao Poder. Sabemos perfeitamente que esta conformidade de opinião não existe, pelo menos nos países da Europa, corrompidos por cem anos de politiquice; que isso constitua uma das tarefas do Fascismo, no seu caminho formativo, é outro assunto.
De facto, este erro inicial não aproveita a ninguém, e, por outro lado, o exemplo da Alemanha prova abundantemente que o partido único, amplamente aberto a toda a população, logo se compromete com a presença de elementos estagnantes, conformistas, débeis, que bem ilustram o instinto servil das multidões. Toda a gente, na Alemanha, pertencia à S. N. D. A. F., e, quando sobreveio a derrota do regime, tolos se apressaram a explicar que tal adesão nada significava. O Fascismo terá sempre muitos militantes deste jaez.
Os países comunistas, bastante mais experientes na matéria do que os países fascistas, fizeram do seu partido uma organização de escol, resolutamente minoritária e é somente sob esta forma que o partido único se revela um instrumento eficaz. Torna-se evidente que um escol cívico desta natureza, indispensável em qualquer Estado autoritário moderno, nada tem de comum com o partido único concebido pela Alemanha hitleriana, impressionante pelo número de adeptos, mas ineficaz, impertinente, abrangendo tudo e a tudo se sobrepondo, para produzir, ao fim e ao cabo, um pulular de abusos e de mandarinatos.
A instituição dos S. S. corresponde, pelo contrário, a uma permanente preocupação do Fascismo. Mas é preciso que nos entendamos sobre este ponto. Os S. S. foram, inicialmente, um serviço de ordem, como o têm todos os partidos; depois da conquista do Poder, forneceram uma guarda pretoriana; constituíram, em seguida, um escol do partido, e, posteriormente, do Exército; numa última fase, bastante mais tardia, tornaram-se, finalmente, um Estado dentro do Estado, encarregado especialmente da polícia política.
Estas diversas funções sucessivas dos S. S. não interessam, de modo idêntico, à definição do Fascismo. A função pretoriana dos fáscios ou secções de assalto é um exercício normal, antes e depois da tomada do Poder. Aliás, em maior grau do que o partido único, não constitui uma peculiaridade do Fascismo: por toda a parte encontramos guardas pretorianas, nomeadamente nos partidos e regimes comunistas, e as próprias democracias adoptaram este guarda costas do regime. Nada há, portanto, a dizer sobre uma função puramente marginal e ocasional dos S. S.
A verdadeira finalidade dos S. S. é qualquer coisa de muito diferente. Originariamente concebido como um escol destinado a encarnar a ideia fascista, este grupo vive o Fascismo; é, simultaneamente, a força que impulsiona o regime e o braço que o realiza; representa o que de melhor há no povo, porque reúne os elementos fisicamente mais saudáveis, moralmente mais puros, politicamente mais conscientes do interesse nacional. Sendo a manifestação do que há de melhor e mais vigoroso na nação, esta minoria substitui-se legitimamente ao próprio povo, isto é, tem poder para aprovar em seu lugar e para realizar em seu nome. A existência de um escol, ao qual o regime confere uma função particular dentro do Estado, é o signo pelo qual se reconhecem os Estados modernos, quaisquer que sejam as suas características, pois constitui a mais viva e impressionante negação do credo democrático, fundado na omnipotência do número. Assinalemos, paralelamente, que nos regimes comunistas o encargo reservado ao partido é, aproximadamente, aquele que acabamos de descrever como função originária dos S. S.
A acção do escol abrange uma tripla tarefa, totalmente inspirada na convicção de que as multidões, sendo facilmente conduzidas, são incapazes de criar. Inicialmente, as ideias novas devem ser impulsionadas pelos espíritos fortes: só eles podem provocar a fractura dos hábitos e dos interesses, e só eles podem desempenhar o duro trabalho de pioneiros. Esta é a sua primeira missão. Mas, a todo o momento, as massas carecem de exemplos, porque, embora perfectíveis, só exemplarmente podem ser aperfeiçoadas. As ideias, como a religião, necessitam de vidas exemplares, que as personifiquem. E esta é a segunda missão dos homens que representam as ideias. Finalmente, um Poder forte, justamente porque é forte, exige sempre a comparticipação de agentes seguros, fiéis, desinteressados, que lhe indiquem erros, omissões, estados de ignorância, e, em compensação, deve fazer compreender os seus objectivos e decisões. Esta é a missão propriamente política do escol, exercício de fiscalização e de ensino.
As três funções correspondem aos três princípios do Poder, distintos na célebre teoria de Montesquieu, mas, na verdade, reunidos em todos os Estados completos e sadios. À primeira tarefa equivale o temor, pois nenhum Estado pode prescindir da disciplina; à segunda corresponde a honra, porque não pode existir Estado sem ideal; à terceira equivale a virtude, pois nenhum Estado pode subsistir sem desinteresse. E estes princípios correspondem, também, aos três preceitos capitais da acção, que são as virtudes do padre, do militante e do soldado: a coragem na confissão da fé, o sacrifício na experiência diária e o amor na vocação que se escolheu.
Não tenho, evidentemente, a intenção de sustentar que os S. S. cumpriram, sem esmorecimento, estas três qualidades essenciais ao escol, nem isto é, aliás, o que importa. Entendo - mas apenas como opinião pessoal, e não como dedução de historiador - que, no pensamento de Hitler, estas eram as verdadeiras funções dos S. S., do mesmo modo que, na ideia de Lenine, constituíam as finalidades do partido comunista. Estou convencido de que, para um grande número de militantes comunistas, a sua missão é assim considerada, e de que este foi também o caso, para muitos dos S. S.
Precisamente na utilização deste escol, o Estado nacional-socialista cometeu graves erros. Através de um completo contra senso político, deixou que a direcção dos S. S. fosse extraviada para ocupações policiais e preventivas, que, nos outros Estados, são destinadas a corpos especializados, cuja acção os regimes se reservam o direito de reprovar. Os nacionais-socialistas fizeram exactamente o contrário; sem qualquer formação, sem outra verificação além de uma análise de sangue, foram contemplados com a autoridade dos S. S. os efectivos da polícia e da administração penitenciária, que presumivelmente compreendem muita gente cuja natureza e cujo passado não estão especialmente fadados para a prática de virtudes heróicas. E, como se isso não bastasse, a bulímica administração dos S. S. incorporou, por outro lado, nos últimos anos da guerra, alguns soldados do exército territorial e certos indivíduos poupados à mobilização, variante militar análoga à confusa precipitação daqueles servos que seguiam os contingentes armados, à volta do século XVI, nas mais inesperadas tarefas.
Esta conduta surpreendente teve os resultados que seriam de esperar. O escol ambicionado pelo regime era composto, em 1939, por algumas dezenas de milhar de homens, os quais formaram as divisões de choque cujo nome todos conhecem. Mas, no fim da guerra, a direcção dos S. S. dominava milhões de homens, empregados em qualquer ocupação, que só tinham de comum com os S. S. a sigla que ostentavam, e a satisfação de possuírem quatro avós arianos.
Era exactamente o contrário que se devia ter feito. A história do Nacional-Socialismo ensina-nos que os cargos e as insígnias de um escol não se distribuem como impressos fiscais, porque o depósito assim consignado é demasiado precioso para que caia em quaisquer mãos, e concede-nos igualmente este grave aviso, mais grave ainda para os que se dizem fascistas do que para os outros: a nação deve conservar sempre as mãos limpas ao escol que um país elege, sejam quais forem as circunstâncias. Sei bem que este dever expõe os grupos escolhidos para essa tarefa, mas eles não foram criados para outra coisa. Se os representantes do escol, quando são cobardemente atacados pelas costas, tivessem a coragem cívica de não responder por meio de execuções e de represálias, que imagem não deixariam da sua guerra e do seu dever de soldados ...
O partido único e a instituição dos S. S. foram peças muito importantes do mecanismo nacional-socialista, mas são apenas peças, que podem substituir-se por outras, mais ou menos equivalentes. Em contrapartida, o führer-prinzip é o próprio motor do regime, a fonte, o fundamento de toda a estrutura nacional-socialista, e, a este título, tem sido censurado por uma reprovação oficial que vamos igualmente analisar.
Admiremo-nos, em primeiro lugar, de que um simples princípio espalhe à sua volta tanto terror: convenhamos que isso é tomar a filosofia muito a sério. Depois, realizemos a medição de uma tão espantosa amplitude.
Se o führer-prinzip é a afirmação de uma unidade directiva, qual o homem de Estado que o pode reprovar? Trata-se de um princípio que exprime a evidência, regra de uma salutar gestão de negócios, públicos ou privados, de todos os tempos. Quando afirma que o subordinado deve obedecer à ordem, perinde ac cadaver, constitui o princípio de disciplina, que tanto se encontra nas ordens religiosas como nos exércitos em campanha, e, neste sentido, não é apenas expressão de Fascismo, mas a regra de todo o estado de crise e de toda a empresa difícil, lei de pioneiros, de homens em perigo, de estado de sítio. Quando por outro lado, o führer-prinzip diz que só o chefe decide e que obediência lhe é devida, não será uma expressão do que se passa em toda a parte? A direcção colectiva apenas se distingue do poder pessoal por entregar a decisão à maioria de um organismo, depois do que a discussão deve cessar. E, com efeito, ela depõe quase sempre nas mãos de um só homem, que tem, a confiança dos outros, os poderes necessários para o cumprimento da decisão, como é o caso dos países comunistas.
“Não só isso - replicam os sábios, irritados -, e você bem sabe onde está a abominação.” Esta gente apresenta-nos um índice muito grave: há o juramento, o juramento pelo qual se abdica de toda a vontade e de toda a consciência, perante a ordem do fiihrer, esse juramento duplamente decisivo, que faz um autocrata de quem o recebe, e um escravo de quem o presta. Eis o que ofende a dignidade humana, eis a própria fisionomia da Besta, porque não parece mais razoável exigir uma obediência sem condições do que suportá-la. Aqui, os nossos doutores arranjam uma vozinha contristada: “Que um povo seja louco a ponto de renunciar à liberdade para se entregar a um chefe, enfim, a história mostra que isso não é impossível. Mas, você compreende, o que é intolerável e revoltante, o que se deve acusar é que os homens se separem da consciência; é a extorsão da própria consciência, que os reduz a simples eunucos da vida moral, janízaros desprovidos de sensibilidade; é o facto de o regime lhes impor tudo isto como um dever.”
A indignação dos sábios só apresenta um ponto fraco: é que nunca um fascista teve do führer-prinzip esta concepção extravagante. O Fascismo não se funda no constrangimento, como pensa a maior parte dos seus adversários: tem por finalidade a constituição de uma vontade colectiva de disciplina, cujo mecanismo não é mais do que um estilo, variável de país para país. O juramento, no Fascismo, não é uma prisão, e muito menos uma abdicação da consciência; estabelece simplesmente um acordo, afirma solenemente a vontade de serviço e dedicação - é a sua consagração, por assim dizer, ritual. Pelo juramento, o responsável fascista, como o militante, declara a sua dependência em relação a uma comunidade que trabalha para ele, e exprime, em compensação, o desejo de lhe consagrar toda a sua força e toda a sua lealdade.
Os limites do juramento são fixados pela consciência individual, e sómente a lealdade é imprescritível. Ninguém é obrigado a ser fascista num país fascista. Àqueles que têm a infelicidade de sentir-se fora da comunidade nacional, apenas se pede que não embaracem nem tomem parte; estão desligados do juramento, como estão fora do regime; com a sua vida particular, seguem, no próprio passo e de acordo com o gosto pessoal, a marcha de um exército a que não pertencem.
A perseguição sistemática dos Judeus foi, neste aspecto, um erro de Hitler, porque se trata de uma disposição situada fora dos limites do contrato fascista. Há indivíduos sem partido no regime fascista, como há espectadores ao longo de um desfile. Se eles se conservam tranquilos, para quê importuná-los? Numa nação que é fundada, sobretudo, no juramento livremente prestado, a objecção de consciência deve ter o seu estatuto. Em qualquer país fascista, existirá sempre uma minoria que não é fascista; um dos objectivos do Fascismo consiste em reconciliar esta minoria, mostrando-lhe os resultados do regime, mas, se a junção não se verifica, uma das preocupações do Estado fascista deve ser o estabelecimento de relações, normais e estáveis, entre os que desejam participar no progresso da comunidade nacional e os que ficam de parte.
É, portanto, falso querer descortinar no führer-prinzip uma nova moral política, que altera as relações tradicionais dos homens entre si. O juramento de serviço leal e desinteressado nada contém que não tenha existido já nas antigas monarquias. O führer-prinzip não traz qualquer inovação doutrinária. Parece, no entanto, inquietante o significado que pode assumir na prática, sob pressão de certas circunstâncias dramáticas, dado que um só homem possa tomar, sem consultar ninguém, graves decisões, por vezes funestas, que comprometem perigosamente o futuro de uma nação.
Duvido que isto se passe assim, na realidade. Presumo que, mesmo na prática do Nacional-Socialismo, a maioria das decisões importantes foi estudada em conselho. Na estreiteza abusiva desse conselho, reside o maior perigo; aí, de facto, tudo está na prática do Poder, e os regimes de direcção colectiva podem facilmente cometer o mesmo erro. É desejável, no exercício de qualquer orientação autoritária, que, dentro dos limites da mesma doutrina e igual vontade, possam confrontar-se tendências diversas. Também não é destituído que personalidades diferentes examinem os aspectos de uma decisão, analisando e criticando segundo uma óptica pessoal, na condição de que, tomada a decisão, todos colaborem, leal e disciplinadamente, na sua aplicação.
Terá o Nacional-Socialismo extraído a sua força do führer-prinzip, ou terá perecido por causa do abuso desse princípio? É difícil responder à pergunta. Os riscos de guerra, sucessivamente tomados, quer com o aspecto de Anschluss, quer em relação aos Sudetas, quer para a Polónia, foram ponderados apenas por Hitler ou por um grupo de dirigentes? Não teria sido mais sensata, neste caso, uma direcção colectiva? A censura capital, que se pode fazer a Hitler, é o facto de ter fornecido ocasião para a guerra. Ter-se-ia evitado a guerra, se a Alemanha fosse dirigida por um politburo? Quem pode sabê-lo?
Quando uma nação se encontra em guerra, e numa guerra tão dramática como difícil, de que modo se há-de julgar o valor de um princípio, desde que tudo está subordinado ao carácter dos executantes? Não há dúvida de que foram espantosas as condições em que Hitler conduziu a guerra, durante os últimos meses da resistência alemã: esse homem exausto, envelhecido, embrutecido por injecções, deslocando, sobre os mapas, com mão trémula, batalhões cuja existência ignora, num terreno cuja constituição desconhece, senhor de tudo, projectando o fluido da sua vontade nos milhares de canais de uma Alemanha em combate, sem que nada lhe assegure que esse corpo imenso obedece ao seu impulso, confiando a um traidor o funcionamento capital dos serviços secretos, entregando cegamente a um lugar tenente a terrível responsabilidade dos campos de concentração, encontrando maneira de tudo governar em pormenor e de simultaneamente abdicar dos sectores enormes do seu enormíssimo poder, será esse homem a imagem do chefe calmo e lúcido, que domina soberanamente o conjunto das missões prementes da guerra? Será apenas a imagem de um general a quem o fantasma da derrota enlouquece e paralisa, e que se não lembra já das leis de comando?
Nessa altura, o führer-prinzip reduz-se a coisa nenhuma, devora tudo, e não passa de um motor avariado. É justamente isso que lhe censuramos: a facilidade com que se deixa avariar. E se a loucura envolve, nos seus mantos negros, esse imperador desvairado; se as ordens são aberrantes, de execução impossível; se ele ataca alucinadamente, sem ver nem ouvir, o nariz ensanguentado de uma nação esgotada?
Não posso recordar, sem um estremecimento de piedade, as imagens das últimas semanas deste Hitler macilento, retesado, ansioso, de olhar ainda iluminado, dissimulando, com a mão válida, a outra mão trémula, a mão de velho que o traía. Que loucura esta corrida para o desespero, que condenação de um sistema de governo este suicídio para o qual arrastou a Alemanha!
O heroísmo é a vocação de um homem ou de um grupo de homens. Mas quem tem o direito de impor esta coragem de guerreiros às mães, às crianças, aos velhos, aos enfermos nascidos na guerra,a todos os fracos que também são o povo? Com que direito se diz que não merecem sobreviver, dado que não foram capazes de vencer? Dou-vos a minha palavra de intelectual, que é um aviso de tragédia: um condutor do povo deve ver esse povo, que conduz, como se fora a sua própria carne. A aplicação do führer-prinzip coloca, debaixo de um jorro de luz bárbara, uma das dificuldades mais graves do Poder. Comandar é, antes de mais, escutar; é, mesmo, auscultar. Não se pode governar sem tomar consciência das forças próprias, como o cérebro quando comanda o corpo, ainda que se queira ultrapassá-las.
O chefe de um Estado deve receber, constantemente, o sopro da nação. Toda a arte de governar consiste em permitir a livre respiração da própria nação, e, por conseguinte, em dar atenção a refreamentos e oposições que assim se exprimem, sem que estas possam, alguma vez, transformar-se em ameaça para o Poder. 0 führer-prinzip parece não tomar em conta este princípio, e, conjugado com o partido único, forma uma realidade que chama a si o funcionamento da máquina. A partir daí, não se ouve mais nada e nada se sente; acaba-se por, no vácuo, dar ordens à um país que, efectivamente, obedece apenas como uma máquina. Não mais se escutam as pulsações e a euforia, as quebras, a fadiga, a vida da nação, enfim, transmitida àquele que a conduz.
(continua)
Maurice Bardèche
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Será o partido único, que tanto encontramos nos regimes fascistas como nos regimes comunistas, um atributo funcional do Fascismo? A importância desta questão é de tal modo expressiva quanto é certo que o pseudofascismo, instituído em França pelo regime gaullista, provou que se podia chegar à supressão das liberdades essenciais sem recorrer tecnicamente a algum dos meios tradicionais do Fascismo, e simulando, pelo contrário, respeitar as formas do mecanismo democrático. Esta era, também, a solução utilizada pelos imperadores romanos, que se limitavam a protelar poderes excepcionais e a concentrá-los nas mãos.
Salientemos, em primeiro lugar, que o partido único, hoje considerado como a pedra de toque graças à qual se verifica a falta de toda a condescendência democrática, não foi inventado, nos regimes fascistas ou comunistas, senão para facilitar o aproveitamento das instituições parlamentares existentes e para manter as aparências de um funcionamento democrático. Supõe-se que o país está inteiramente congraçado no novo regime, e esta adesão global exprimir-se-á pela fusão dos vários partidos, de ora avante sem sentido, no seio de um só partido, que representa, reúne e dirige as aspirações simbolizadas anteriormente por todos os outros.
Na realidade, essa noite do quatro de Agosto, proclamada pelos partidos, não é mais do que a última das hipocrisias democráticas.
O partido único apenas tem um significado real, com efeito, no plano parlamentar. A sua aparição exprime, oficialmente, o fim das transformações que fazem passar o Poder de uma para outra clientela, no interior da estagnação democrática. Mas não haverá uma certa analogia com esta disposição, logo que o Fascismo é instituído? O Fascismo não tem qualquer necessidade de repetir, por abdicação espectacular mas supérflua, que o Poder jamais mudará de mão, dado que nessa característica se encontra o traço fundamental e, por assim dizer, a definição de todo o regime autoritário.
Para que serve, então, o partido único? Penso que ele encarna uma contraverdade, segundo a qual o país se coloca, unanimemente, atrás do regime que sobe ao Poder. Sabemos perfeitamente que esta conformidade de opinião não existe, pelo menos nos países da Europa, corrompidos por cem anos de politiquice; que isso constitua uma das tarefas do Fascismo, no seu caminho formativo, é outro assunto.
De facto, este erro inicial não aproveita a ninguém, e, por outro lado, o exemplo da Alemanha prova abundantemente que o partido único, amplamente aberto a toda a população, logo se compromete com a presença de elementos estagnantes, conformistas, débeis, que bem ilustram o instinto servil das multidões. Toda a gente, na Alemanha, pertencia à S. N. D. A. F., e, quando sobreveio a derrota do regime, tolos se apressaram a explicar que tal adesão nada significava. O Fascismo terá sempre muitos militantes deste jaez.
Os países comunistas, bastante mais experientes na matéria do que os países fascistas, fizeram do seu partido uma organização de escol, resolutamente minoritária e é somente sob esta forma que o partido único se revela um instrumento eficaz. Torna-se evidente que um escol cívico desta natureza, indispensável em qualquer Estado autoritário moderno, nada tem de comum com o partido único concebido pela Alemanha hitleriana, impressionante pelo número de adeptos, mas ineficaz, impertinente, abrangendo tudo e a tudo se sobrepondo, para produzir, ao fim e ao cabo, um pulular de abusos e de mandarinatos.
A instituição dos S. S. corresponde, pelo contrário, a uma permanente preocupação do Fascismo. Mas é preciso que nos entendamos sobre este ponto. Os S. S. foram, inicialmente, um serviço de ordem, como o têm todos os partidos; depois da conquista do Poder, forneceram uma guarda pretoriana; constituíram, em seguida, um escol do partido, e, posteriormente, do Exército; numa última fase, bastante mais tardia, tornaram-se, finalmente, um Estado dentro do Estado, encarregado especialmente da polícia política.
Estas diversas funções sucessivas dos S. S. não interessam, de modo idêntico, à definição do Fascismo. A função pretoriana dos fáscios ou secções de assalto é um exercício normal, antes e depois da tomada do Poder. Aliás, em maior grau do que o partido único, não constitui uma peculiaridade do Fascismo: por toda a parte encontramos guardas pretorianas, nomeadamente nos partidos e regimes comunistas, e as próprias democracias adoptaram este guarda costas do regime. Nada há, portanto, a dizer sobre uma função puramente marginal e ocasional dos S. S.
A verdadeira finalidade dos S. S. é qualquer coisa de muito diferente. Originariamente concebido como um escol destinado a encarnar a ideia fascista, este grupo vive o Fascismo; é, simultaneamente, a força que impulsiona o regime e o braço que o realiza; representa o que de melhor há no povo, porque reúne os elementos fisicamente mais saudáveis, moralmente mais puros, politicamente mais conscientes do interesse nacional. Sendo a manifestação do que há de melhor e mais vigoroso na nação, esta minoria substitui-se legitimamente ao próprio povo, isto é, tem poder para aprovar em seu lugar e para realizar em seu nome. A existência de um escol, ao qual o regime confere uma função particular dentro do Estado, é o signo pelo qual se reconhecem os Estados modernos, quaisquer que sejam as suas características, pois constitui a mais viva e impressionante negação do credo democrático, fundado na omnipotência do número. Assinalemos, paralelamente, que nos regimes comunistas o encargo reservado ao partido é, aproximadamente, aquele que acabamos de descrever como função originária dos S. S.
A acção do escol abrange uma tripla tarefa, totalmente inspirada na convicção de que as multidões, sendo facilmente conduzidas, são incapazes de criar. Inicialmente, as ideias novas devem ser impulsionadas pelos espíritos fortes: só eles podem provocar a fractura dos hábitos e dos interesses, e só eles podem desempenhar o duro trabalho de pioneiros. Esta é a sua primeira missão. Mas, a todo o momento, as massas carecem de exemplos, porque, embora perfectíveis, só exemplarmente podem ser aperfeiçoadas. As ideias, como a religião, necessitam de vidas exemplares, que as personifiquem. E esta é a segunda missão dos homens que representam as ideias. Finalmente, um Poder forte, justamente porque é forte, exige sempre a comparticipação de agentes seguros, fiéis, desinteressados, que lhe indiquem erros, omissões, estados de ignorância, e, em compensação, deve fazer compreender os seus objectivos e decisões. Esta é a missão propriamente política do escol, exercício de fiscalização e de ensino.
As três funções correspondem aos três princípios do Poder, distintos na célebre teoria de Montesquieu, mas, na verdade, reunidos em todos os Estados completos e sadios. À primeira tarefa equivale o temor, pois nenhum Estado pode prescindir da disciplina; à segunda corresponde a honra, porque não pode existir Estado sem ideal; à terceira equivale a virtude, pois nenhum Estado pode subsistir sem desinteresse. E estes princípios correspondem, também, aos três preceitos capitais da acção, que são as virtudes do padre, do militante e do soldado: a coragem na confissão da fé, o sacrifício na experiência diária e o amor na vocação que se escolheu.
Não tenho, evidentemente, a intenção de sustentar que os S. S. cumpriram, sem esmorecimento, estas três qualidades essenciais ao escol, nem isto é, aliás, o que importa. Entendo - mas apenas como opinião pessoal, e não como dedução de historiador - que, no pensamento de Hitler, estas eram as verdadeiras funções dos S. S., do mesmo modo que, na ideia de Lenine, constituíam as finalidades do partido comunista. Estou convencido de que, para um grande número de militantes comunistas, a sua missão é assim considerada, e de que este foi também o caso, para muitos dos S. S.
Precisamente na utilização deste escol, o Estado nacional-socialista cometeu graves erros. Através de um completo contra senso político, deixou que a direcção dos S. S. fosse extraviada para ocupações policiais e preventivas, que, nos outros Estados, são destinadas a corpos especializados, cuja acção os regimes se reservam o direito de reprovar. Os nacionais-socialistas fizeram exactamente o contrário; sem qualquer formação, sem outra verificação além de uma análise de sangue, foram contemplados com a autoridade dos S. S. os efectivos da polícia e da administração penitenciária, que presumivelmente compreendem muita gente cuja natureza e cujo passado não estão especialmente fadados para a prática de virtudes heróicas. E, como se isso não bastasse, a bulímica administração dos S. S. incorporou, por outro lado, nos últimos anos da guerra, alguns soldados do exército territorial e certos indivíduos poupados à mobilização, variante militar análoga à confusa precipitação daqueles servos que seguiam os contingentes armados, à volta do século XVI, nas mais inesperadas tarefas.
Esta conduta surpreendente teve os resultados que seriam de esperar. O escol ambicionado pelo regime era composto, em 1939, por algumas dezenas de milhar de homens, os quais formaram as divisões de choque cujo nome todos conhecem. Mas, no fim da guerra, a direcção dos S. S. dominava milhões de homens, empregados em qualquer ocupação, que só tinham de comum com os S. S. a sigla que ostentavam, e a satisfação de possuírem quatro avós arianos.
Era exactamente o contrário que se devia ter feito. A história do Nacional-Socialismo ensina-nos que os cargos e as insígnias de um escol não se distribuem como impressos fiscais, porque o depósito assim consignado é demasiado precioso para que caia em quaisquer mãos, e concede-nos igualmente este grave aviso, mais grave ainda para os que se dizem fascistas do que para os outros: a nação deve conservar sempre as mãos limpas ao escol que um país elege, sejam quais forem as circunstâncias. Sei bem que este dever expõe os grupos escolhidos para essa tarefa, mas eles não foram criados para outra coisa. Se os representantes do escol, quando são cobardemente atacados pelas costas, tivessem a coragem cívica de não responder por meio de execuções e de represálias, que imagem não deixariam da sua guerra e do seu dever de soldados ...
O partido único e a instituição dos S. S. foram peças muito importantes do mecanismo nacional-socialista, mas são apenas peças, que podem substituir-se por outras, mais ou menos equivalentes. Em contrapartida, o führer-prinzip é o próprio motor do regime, a fonte, o fundamento de toda a estrutura nacional-socialista, e, a este título, tem sido censurado por uma reprovação oficial que vamos igualmente analisar.
Admiremo-nos, em primeiro lugar, de que um simples princípio espalhe à sua volta tanto terror: convenhamos que isso é tomar a filosofia muito a sério. Depois, realizemos a medição de uma tão espantosa amplitude.
Se o führer-prinzip é a afirmação de uma unidade directiva, qual o homem de Estado que o pode reprovar? Trata-se de um princípio que exprime a evidência, regra de uma salutar gestão de negócios, públicos ou privados, de todos os tempos. Quando afirma que o subordinado deve obedecer à ordem, perinde ac cadaver, constitui o princípio de disciplina, que tanto se encontra nas ordens religiosas como nos exércitos em campanha, e, neste sentido, não é apenas expressão de Fascismo, mas a regra de todo o estado de crise e de toda a empresa difícil, lei de pioneiros, de homens em perigo, de estado de sítio. Quando por outro lado, o führer-prinzip diz que só o chefe decide e que obediência lhe é devida, não será uma expressão do que se passa em toda a parte? A direcção colectiva apenas se distingue do poder pessoal por entregar a decisão à maioria de um organismo, depois do que a discussão deve cessar. E, com efeito, ela depõe quase sempre nas mãos de um só homem, que tem, a confiança dos outros, os poderes necessários para o cumprimento da decisão, como é o caso dos países comunistas.
“Não só isso - replicam os sábios, irritados -, e você bem sabe onde está a abominação.” Esta gente apresenta-nos um índice muito grave: há o juramento, o juramento pelo qual se abdica de toda a vontade e de toda a consciência, perante a ordem do fiihrer, esse juramento duplamente decisivo, que faz um autocrata de quem o recebe, e um escravo de quem o presta. Eis o que ofende a dignidade humana, eis a própria fisionomia da Besta, porque não parece mais razoável exigir uma obediência sem condições do que suportá-la. Aqui, os nossos doutores arranjam uma vozinha contristada: “Que um povo seja louco a ponto de renunciar à liberdade para se entregar a um chefe, enfim, a história mostra que isso não é impossível. Mas, você compreende, o que é intolerável e revoltante, o que se deve acusar é que os homens se separem da consciência; é a extorsão da própria consciência, que os reduz a simples eunucos da vida moral, janízaros desprovidos de sensibilidade; é o facto de o regime lhes impor tudo isto como um dever.”
A indignação dos sábios só apresenta um ponto fraco: é que nunca um fascista teve do führer-prinzip esta concepção extravagante. O Fascismo não se funda no constrangimento, como pensa a maior parte dos seus adversários: tem por finalidade a constituição de uma vontade colectiva de disciplina, cujo mecanismo não é mais do que um estilo, variável de país para país. O juramento, no Fascismo, não é uma prisão, e muito menos uma abdicação da consciência; estabelece simplesmente um acordo, afirma solenemente a vontade de serviço e dedicação - é a sua consagração, por assim dizer, ritual. Pelo juramento, o responsável fascista, como o militante, declara a sua dependência em relação a uma comunidade que trabalha para ele, e exprime, em compensação, o desejo de lhe consagrar toda a sua força e toda a sua lealdade.
Os limites do juramento são fixados pela consciência individual, e sómente a lealdade é imprescritível. Ninguém é obrigado a ser fascista num país fascista. Àqueles que têm a infelicidade de sentir-se fora da comunidade nacional, apenas se pede que não embaracem nem tomem parte; estão desligados do juramento, como estão fora do regime; com a sua vida particular, seguem, no próprio passo e de acordo com o gosto pessoal, a marcha de um exército a que não pertencem.
A perseguição sistemática dos Judeus foi, neste aspecto, um erro de Hitler, porque se trata de uma disposição situada fora dos limites do contrato fascista. Há indivíduos sem partido no regime fascista, como há espectadores ao longo de um desfile. Se eles se conservam tranquilos, para quê importuná-los? Numa nação que é fundada, sobretudo, no juramento livremente prestado, a objecção de consciência deve ter o seu estatuto. Em qualquer país fascista, existirá sempre uma minoria que não é fascista; um dos objectivos do Fascismo consiste em reconciliar esta minoria, mostrando-lhe os resultados do regime, mas, se a junção não se verifica, uma das preocupações do Estado fascista deve ser o estabelecimento de relações, normais e estáveis, entre os que desejam participar no progresso da comunidade nacional e os que ficam de parte.
É, portanto, falso querer descortinar no führer-prinzip uma nova moral política, que altera as relações tradicionais dos homens entre si. O juramento de serviço leal e desinteressado nada contém que não tenha existido já nas antigas monarquias. O führer-prinzip não traz qualquer inovação doutrinária. Parece, no entanto, inquietante o significado que pode assumir na prática, sob pressão de certas circunstâncias dramáticas, dado que um só homem possa tomar, sem consultar ninguém, graves decisões, por vezes funestas, que comprometem perigosamente o futuro de uma nação.
Duvido que isto se passe assim, na realidade. Presumo que, mesmo na prática do Nacional-Socialismo, a maioria das decisões importantes foi estudada em conselho. Na estreiteza abusiva desse conselho, reside o maior perigo; aí, de facto, tudo está na prática do Poder, e os regimes de direcção colectiva podem facilmente cometer o mesmo erro. É desejável, no exercício de qualquer orientação autoritária, que, dentro dos limites da mesma doutrina e igual vontade, possam confrontar-se tendências diversas. Também não é destituído que personalidades diferentes examinem os aspectos de uma decisão, analisando e criticando segundo uma óptica pessoal, na condição de que, tomada a decisão, todos colaborem, leal e disciplinadamente, na sua aplicação.
Terá o Nacional-Socialismo extraído a sua força do führer-prinzip, ou terá perecido por causa do abuso desse princípio? É difícil responder à pergunta. Os riscos de guerra, sucessivamente tomados, quer com o aspecto de Anschluss, quer em relação aos Sudetas, quer para a Polónia, foram ponderados apenas por Hitler ou por um grupo de dirigentes? Não teria sido mais sensata, neste caso, uma direcção colectiva? A censura capital, que se pode fazer a Hitler, é o facto de ter fornecido ocasião para a guerra. Ter-se-ia evitado a guerra, se a Alemanha fosse dirigida por um politburo? Quem pode sabê-lo?
Quando uma nação se encontra em guerra, e numa guerra tão dramática como difícil, de que modo se há-de julgar o valor de um princípio, desde que tudo está subordinado ao carácter dos executantes? Não há dúvida de que foram espantosas as condições em que Hitler conduziu a guerra, durante os últimos meses da resistência alemã: esse homem exausto, envelhecido, embrutecido por injecções, deslocando, sobre os mapas, com mão trémula, batalhões cuja existência ignora, num terreno cuja constituição desconhece, senhor de tudo, projectando o fluido da sua vontade nos milhares de canais de uma Alemanha em combate, sem que nada lhe assegure que esse corpo imenso obedece ao seu impulso, confiando a um traidor o funcionamento capital dos serviços secretos, entregando cegamente a um lugar tenente a terrível responsabilidade dos campos de concentração, encontrando maneira de tudo governar em pormenor e de simultaneamente abdicar dos sectores enormes do seu enormíssimo poder, será esse homem a imagem do chefe calmo e lúcido, que domina soberanamente o conjunto das missões prementes da guerra? Será apenas a imagem de um general a quem o fantasma da derrota enlouquece e paralisa, e que se não lembra já das leis de comando?
Nessa altura, o führer-prinzip reduz-se a coisa nenhuma, devora tudo, e não passa de um motor avariado. É justamente isso que lhe censuramos: a facilidade com que se deixa avariar. E se a loucura envolve, nos seus mantos negros, esse imperador desvairado; se as ordens são aberrantes, de execução impossível; se ele ataca alucinadamente, sem ver nem ouvir, o nariz ensanguentado de uma nação esgotada?
Não posso recordar, sem um estremecimento de piedade, as imagens das últimas semanas deste Hitler macilento, retesado, ansioso, de olhar ainda iluminado, dissimulando, com a mão válida, a outra mão trémula, a mão de velho que o traía. Que loucura esta corrida para o desespero, que condenação de um sistema de governo este suicídio para o qual arrastou a Alemanha!
O heroísmo é a vocação de um homem ou de um grupo de homens. Mas quem tem o direito de impor esta coragem de guerreiros às mães, às crianças, aos velhos, aos enfermos nascidos na guerra,a todos os fracos que também são o povo? Com que direito se diz que não merecem sobreviver, dado que não foram capazes de vencer? Dou-vos a minha palavra de intelectual, que é um aviso de tragédia: um condutor do povo deve ver esse povo, que conduz, como se fora a sua própria carne. A aplicação do führer-prinzip coloca, debaixo de um jorro de luz bárbara, uma das dificuldades mais graves do Poder. Comandar é, antes de mais, escutar; é, mesmo, auscultar. Não se pode governar sem tomar consciência das forças próprias, como o cérebro quando comanda o corpo, ainda que se queira ultrapassá-las.
O chefe de um Estado deve receber, constantemente, o sopro da nação. Toda a arte de governar consiste em permitir a livre respiração da própria nação, e, por conseguinte, em dar atenção a refreamentos e oposições que assim se exprimem, sem que estas possam, alguma vez, transformar-se em ameaça para o Poder. 0 führer-prinzip parece não tomar em conta este princípio, e, conjugado com o partido único, forma uma realidade que chama a si o funcionamento da máquina. A partir daí, não se ouve mais nada e nada se sente; acaba-se por, no vácuo, dar ordens à um país que, efectivamente, obedece apenas como uma máquina. Não mais se escutam as pulsações e a euforia, as quebras, a fadiga, a vida da nação, enfim, transmitida àquele que a conduz.
(continua)
Maurice Bardèche
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