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terça-feira, junho 29, 2004

Inquérito sobre o Fascismo 

Como contributo para a biblioteca básica do jovem intelectual fascista, reproduzo aqui o texto do célebre "Enquête..." de Maurice Bardèche, que agitou a França de 1960 e que foi então publicado em Portugal na magnífica revista "Tempo Presente". Publico apenas a primeira parte, para mais fácil consulta e impressão. Saliento, como nota de leitura, que o autor escreve na França gaullista, quinze anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, e faz já quarenta e quatro anos. Importa não esquecer isto, para melhor compreensão do texto e do contexto. Aqui fica a primeira parte do "Inquérito sobre o Fascismo".

INQUÉRITO SOBRE O FASCISMO, por Maurice Bardèche
Sou um escritor fascista. Deveriam agradecer-me por reconhecê-lo: porque isso é, pelo menos, ponto estabelecido num debate cujos elementos se furtam.
Ninguém, com efeito, consente em ser fascista. A Rússia soviética, que vive sob o regime do partido único e da ditadura policial, não é um país fascista. O Governo húngaro, que manda lançar os tanques contra os operários e submete os grevistas à justiça marcial, também não é um governo fascista - defende simplesmente o poder do povo. Um governo provisório, que se serve do terrorismo para impor a vontade de uma fracção activista a um país inteiro, não é ainda uma organização fascista - é um movimento de libertação nacional. Não é, portanto, a forma das instituições que caracteriza o Fascismo, mas sim outra coisa.
A unanimidade não se encontra tanto nos objectivos como nos métodos. Se alguém defender o capitalismo será, necessariamente, fascista - dizem os comunistas. Mas a opinião geral não os segue. Os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha de Adenauer, não são fascistas senão para os delegados soviéticos e seus auxiliares. Mesmo em França, onde as crises políticas conduziram ao Poder uma espécie de regime presidencialista, o homem da rua sacode a cabeça com cepticismo quando lhe dizem que vive sob uma ditadura fascista.
Não basta, pois, escutar respeitosamente os directores-gerais dos bancos e dos grandes trusts, para se ficar convencido do Fascismo, sem mais discussão.
Sentimos, no entanto, por alguns exemplos, que este critério não será válido eternamente em toda a parte com uma consciência resoluta. “Há países fascistas - exclama a consciência resoluta -, e sabeis quais. As ditaduras militares da América Latina, os países cujos homens políticos não são mais do que dirigentes dos mercados de fruta, o regime de Franco em Espanha, eis aquilo a que se chama Fascismo. A definição que procuramos, tirá-la-emos da nossa própria análise: um regime fascista é aquele que recusa a liberdade ao povo para perpetuar os privilégios duma minoria abastada. Não vale a pena brincar com as palavras. O Fascismo é a união de um método e de um objectivo: suprime a liberdade, o que não é censurável em si, mas suprime-a para assegurar a desigualdade social e a miséria, e é nisso que o reconhecemos.”
Há somente uma objecção a esta definição, mas embaraçadora. É que não é um fascista quem aceita reconhecer o Fascismo nas ditaduras militares da América Latina, nos directores de mercados de fruta, e mesmo na Espanha de Franco, que é, aliás, pouco honesto assimilar aos exemplos precedentes. Naquilo a que os intelectuais, os jornais e os partidos chamam Fascismo, os fascistas recusam reconhecer-se. Vão mais longe: condenam, como os seus adversários, os exemplos que lhes são opostos. Que é então o Fascismo, no qual vemos muita coisa para além da imprensa, da rádio e dos doutores do nosso tempo?
Se eu fosse único na minha espécie, este esclarecimento não mereceria comentários. Mas passa-se um estranho prodígio: o escritor fascista, o intelectual fascista, é caça rara; regime que aceite ser taxado de Fascismo não existe senão nos antípodas e é tão arcaico como um rei negro. Em oposição, há grupos fascistas que o não escondem, jovens fascistas que o proclamam, há oficiais fascistas - e treme-se perante tal descoberta; enfim, há um espírito fascista e há, sobretudo, milhares de Homens que são fascistas sem o saberem, debaixo de um outro gorro que usam e para o qual olham com suspeição, para quem o Fascismo, tal como nós o conhecemos e não como o descrevem, seria toda a esperança se lhes explicassem o que é. Eis o espelho onde se reflectem os nossos corações: quero que esses homens aí se reconheçam, ou que saibam, pelo menos, aquilo em que não são nossos irmãos. Embora sendo nossos inimigos, é preciso que saibam de que é que são inimigos.
O tempo, que enfunou as nossas velas, fez-nos dobrar o cabo das mentiras. A terra das mentiras afasta-se por entre a bruma, e os olhos dos vinte anos já a não vêem. E agora, no vento que se levanta, é preciso não mais ter medo das palavras.
*
Para começar, abramos as janelas do castelo assombrado no qual vagueiam os espectros do passado. Expulsemos os fantasmas da sua mesa de mármore. Profanemos as grandes salas silenciosas da nossa história para nelas encontrarmos o que o tempo deixou intacto, o que a jovem aurora faz brilhar.
Nos dias seguintes à derrota, era preciso suster o pavor diante da mentira, o salve-se-quem-puder debaixo do fogo rolante da propaganda. De joelhos esfacelados como os andrajosos de Rabelais, eis o que éramos todos. Bastava então um único grito, um grito de reunião, uma fogueira numa colina, para mostrar que nesse local havia gente que ainda se defendia. Porque a calúnia tinha confundido tudo, nós recolhemos tudo; porque se destruía sem discernimento, nós tratámos todos os ferimentos, enterrámos juntamente todos os mortos. Eu defendi, com mais alguns, o regime de Vichy, e, todavia, eu rejeitava secretamente três quartos do que Vichy tinha feito. Defendi os acusados de Nuremberga, e entre eles havia alguns que, no fundo da minha consciência, eu teria, talvez, condenado. Não era altura de fazer uma escolha. A injustiça era indivisível, a resposta devia sê-lo também. Mas, hoje, podemos, sem cobardia, dizer a verdade. Devemos dizê-la: há aspectos daquilo que foi o Fascismo com os quais o Fascismo actual se recusa a ser solidário.
Este esclarecimento, que nunca foi feito publicamente, não seria talvez absolutamente desprovido de interesse mesmo se não fosse nada mais do que uma destas confissões que se fazem por vezes diante da comunidade dos fiéis. Mas tal esclarecimento não é somente um testemunho. Creio conhecer suficientemente aqueles que a si mesmos se denominam fascistas, para afirmar que posso falar em nome deles. Ainda que nem todos sejam tão severos como eu vou ser, todos sentem de modo confuso que têm o dever de se explicar neste assunto e de começar o seu Credo dizendo aquilo que não são. Que aceitem com orgulho a sua herança, mas que saibam que não farão dela uma morada se não lhe arrancarem os espinhos e os troncos mortos que a obstruem.
A primeira versão do Fascismo, que nos apresenta a história contemporânea, é o Fascismo italiano. Na sua origem, foi um movimento de militantes socialistas e de antigos combatentes, que salvou a Itália do Bolchevismo. Mussolini é filho de uma professora primária e de um ferreiro, militante da Internacional. Prendem-no aos vinte anos por ter fomentado uma greve geral. Insubmisso ao princípio, exila se na Suíça, traduz Kropotkine. A primeira revista que fundou chamava-se A Luta de Classes; o primeiro jornal que dirige é um jornal socialista. Os primórdios do Fascismo não desmentem esta origem. O discurso de San Sepolcro, que é o acto de nascença do fáscio, reclama a confiscação dos bens dos novos ricos, a dissolução das grandes sociedades anónimas, a distribuição das terras, a participação dos trabalhadores na gestão das empresas, a supressão dos títulos nobiliárquicos.
Em vinte anos, que realizou o Fascismo deste programa? O que podemos dizer, o que devemos acentuar, é que ele foi outra coisa. Em breve o Fascismo esqueceu uma grande parte do seu programa revolucionário para levar a cabo uma tarefa de eficácia prática e de união. Tinha subido ao poder para evitar a anarquia, o caos, a guerra civil. Andou o mais depressa possível, restabeleceu a ordem, o trabalho, a paz. Depois organizou e construiu. A Itália voltou a ser a nação dos construtores. A seiva romana voltou a circular no velho tronco.
Mussolini foi primeiro um procônsul. O Fascismo construiu estradas, hospitais, escolas, aquedutos, secou os pântanos, aumentou as colheitas. “Asfaltar no es gubernar” respondiam-lhe. Mas ele também governava. Introduzia o corporativismo, realização mais delicada que a de uma auto estrada. A Carta do Trabalho não era seguramente o eco do discurso de San Sepolcro; restabelecia com realismo os fundamentos de uma cidade socialista que o futuro podia alargar: a substituição das assembleias parlamentares por instâncias sindicais, a representação operária, os contratos colectivos, a previdência social, a organização dos ócios, eram outras tantas bases de partida que uma vontade de gestão socialista podia desenvolver e transformar. Uma condição era, todavia, essencial: já que o Fascismo queria manter a propriedade privada, impondo a sua vontade ao egoísta capitalismo liberal, era preciso saber que o Estado fascista se encontraria em presença de uma luta dissimulada a todo o momento e que ele se comprometia a uma perpétua vigilância.
Foi então a juventude do Fascismo, e confesso que não posso pensar nela sem saudade. Havia camisas negras e botas, lictores e braços estendidos, mas sem nada de rouco ou de gigantesco. Mussolini mal estava protegido. Ele amava o povo, as crianças, a familiaridade. O acesso até ele era fácil. De vez em quando, metia-se no seu carro vermelho - que conduzia bastante mal, segundo dizem - e partia só, em passeio pela sua província de Itália, com mais simplicidade do que o teriam feito um Lélio ou um Cipião.
Era amado. “Tu és nós todos” - diziam-lhe. Os slogans não apareciam nas paredes e não era artigo de fé que Mussolini tivesse sempre razão. Era uma “ditadura popular” - diziam os próprios fascistas, frase que soa hoje de maneira um tanto estranha. Era o tempo em que Mussolini usava polainas brancas e um chapéu de coco. Gosto bastante deste período comovente.
O estilo fascista só veio depois, com os seus uniformes, seus emblemas, suas inscrições, seus bateres de tacões e seu chefe de punho no quadril e queixo levantado. Estas formas militares da disciplina simbolizam a unidade da nação. Fazem-lhe sentir a sua força, embriagam-na de eficácia, de energia; prometem-lhe uma acção viril, falam-lhe de honra e de sacrifício. Através delas, o homem foge a uma vida medíocre e rotineira, à profissão sem alegria, que cumpre humildemente na cidade; torna-se um soldado no seu posto, a sua vida tem um sentido; está unido aos outros Homens da nação como o soldado está unido aos seus camaradas. O Fascismo tradicional reconhece-se nos desfiles destes jovens heróis bem duros, fortemente intransigentes, e que podem fornecer, conforme a cegueira do destino, simultaneamente mártires ou assassinos, brutos ou santos. O combate contra o poder, o combate para impedir a morte das nações, não pode passar destas falanges - sei-o bem. O homem, como o toureiro, precisa de morrer com o traje de luces.
Mas este civismo militar, mesmo se a vida da nação repousa sobre ele, acaba por ser perigoso. Mussolini, tornado duce, proclamado infalível, não aparecendo senão à varanda como um papa, rodeado de dignitários que se imobilizam diante dele à distância de seis passos, perde, a meus olhos, todo o encanto do pequeno mestre socialista conduzido à chefia do seu povo. E, sobretudo, ele já não é o condutor do povo que tinha sido. O brilho da majestade, o hábito da representação, afastam-no dos homens. Já não conhece a Itália senão pelos passeios espectaculares e através de relatórios dos prefeitos. Este cônsul, no meio das ovações, condena-se a não ser mais do que um burocrata. Os dignitários do Fascismo são os seus olhos, sua mão, seus lictores. E se estes são uns imbecis? Se a distância se torna cada vez maior, entre o país real e a ideia que sustenta, no espírito do ditador, o exército de capacetes desfilando a cantar debaixo das suas janelas?
Talvez tenha sido esta a única origem da catástrofe do Fascismo italiano. Mussolini, revoltado contra as sanções, sonhava com uma Itália militar, romana, couraçada, invencível. Ouvia os passos das legiões. E o passo das legiões soava, com efeito, debaixo das suas janelas. Os pretores mostravam-lhe nos mapas a colocação dos campos de acção. Falava da “nação guerreira” e, à força de falar nela, acreditou na “nação guerreira”. Esquecia o encantador povo italiano e os bandolins de Nápoles, os laboriosos operários da Itália e as imensas terras pobres, a sopa fumegante na mesa da família que espera, à noite, as crianças. Seguia um sonho de ditador, em vez de olhar a face da Itália. E esquecia também que a justiça social é uma batalha que se ganha todos os dias e exige um grande amor e uma atenção infinita, esquecia que é necessária uma vigilância de cada instante para defender aquele que trabalha contra aquele que é rico, e que não nos podemos contentar com relatórios de prefeitos.
Perdido num sonho de grandeza, jogava com a sombra e esquecia o essencial. Imperador de uma nação fantasma, carregava nos botões que nada faziam mover. E, por fim, como o tenente Bonaparte logrou salvar em Montereau e Champaubert a sorte de Napoleão, foi o modesto instituidor socialista que veio, miraculosamente, em socorro do ditador Mussolini.
Nada mais emocionante na história do Fascismo italiano do que o regresso às origens, realizado debaixo do punho de ferro da derrota. Precisamente sobre o programa da república de Salo, de 1944, é que Mussolini deveria ter jogado, vinte anos mais cedo, o poder e a vida. É esta a verdade do Fascismo. Mas, tal como as batalhas da campanha de França, vinha tarde. Há uma altura em que nenhuma sensatez pode já suster as avalanches provocadas pelos erros. Mussolini morreu do seu cesarismo, do isolamento que o cesarismo traz consigo, das quimeras que deixa desenvolver, do optimismo e das satisfações fáceis com que se contenta, do pó que lança aos olhos dos outros e que acaba por cegá-lo. O Fascismo italiano foi enfeitiçado pelo fantasma de Roma: nesta embriaguez histórica perdeu o sentido da realidade. Devemos reconhecer que o Fascismo não se pode contentar em ser um cesarismo.
*
O Nacional-Socialismo alemão prende-se também a uma visão histórica: foi baptizado por fadas não menos ilustres, cuja protecção não foi mais feliz. Totalmente diferente do Fascismo italiano, nasceu da derrota alemã, da humilhação do povo germânico e também do seu orgulho. Vencidos após uma guerra heróica, na qual tinham mostrado a sombria bravura dos soldados de Armínio, os Alemães pediram ao seu passado germânico, simultaneamente, uma justificação para a unidade nacional ameaçada e uma razão para acreditarem em si próprios. Enquanto homens de blusão, debruçados sobre mapas, despedaçavam a Alemanha, um punhado de soldados vencidos sonhava com o cântico de guerra dos pesados quadrados que rodeavam os carros bárbaros, pensava nos seus braços unidos, na sua marcha possante contra a linha de Varo, no império dos chefes de batalha que sucedeu ao de Roma, no tempo de Carlos Magno, o qual é mais belo e mais poético do que o século de Augusto, no grande rio da Idade Média, pai dos nossos campos e das nossas cidades. E esse soldados sentiram enfim o solo firme debaixo dos passos. Tal era a sua verdade. Tal era a sua fé. Foi o limite do desespero e a certeza do que eles eram. Uma nova Jerusalém se ergueu sobre as ruínas da pátria: diferia um pouco do ressurgimento nacional a que Mussolini se dedicava, em 1921.
Uma outra diferença fundamental está em que o Nacional-Socialismo não teve tempo de ser realizado. Hitler chega ao Poder em 1934 e, a partir de 1939, abandona aos seus colaboradores a realização das reformas, para se consagrar inteiramente à preparação de uma guerra que julga inevitável. Estalado o conflito, as necessidades implacáveis da luta contra uma coligação mundial comandam toda a política nacional-socialista e mudam inteiramente o carácter do regime. Poder-se-á julgar definitivamente um regime que apenas desfrutou de quatro anos para modelar uma nação? Se pretendêssemos julgar o regime soviético da Rússia de 1924, qual o comunista que aceitaria este critério e qual o adversário que ousaria mesmo propô-lo? É, contudo, o que fazemos ao julgar sem apelo o Nacional-Socialismo, por um lado no que os seus escassos anos de pleno exercício lhe permitiram fazer, por outro no que as necessidades da guerra o constrangeram a impor.
Desde então, o juízo que se faz habitualmente do Nacional-Socialismo arrisca-se a ser completamente falseado. Acusa-se uma doutrina, e julga-se essa doutrina pelos resultados que produziu num período de exercício anormal. Prosseguindo a discussão neste campo, não se encontram senão paixões e gritos de ódio, enfrentam-se as fortificações intocáveis da propaganda, que só o tempo pode cobrir de névoa e levar ao esquecimento. Esta tarefa só faz ganhar ferimentos gloriosos mas não acalma e, pelo menos para já, não resolve absolutamente nada.
Deixemos esta discussão actualmente estéril. No fundo, o que é doloroso, quando se investiga aquilo que uma definição coerente do Fascismo pode conter do Nacional-Socialismo, é a singularidade do Nacional-Socialismo, isto é, o que há de essencialmente germânico, de inadaptável aos outros povos. Ainda que ele não tivesse cometido erros, com os quais, neste caso, não temos qualquer razão para estar solidários, parece tão longe de nós, pela sua inspiração profunda, que é quase inutilizável. O que há de essencial no Fascismo, tal como sobreviveu à guerra, não tem muitos aspectos comuns com o que havia de essencial no Nacional-Socialismo.
Admitir-se-á mais facilmente uma parte, pelo menos, desta afirmação, se verificarmos o seguinte: a maior parte dos capítulos de Mein Kampf é quase desprovida de interesse para o leitor, de 1960, mais guloso de neofascismo que se possa imaginar, porque esses capítulos se referem à situação da Alemanha na Europa de 1935, a qual está tão longe da Europa em que vivemos como a Europa de 1905 em função da qual foram tomadas as disposições de Maurras.
Estes capítulos de Mein Kampf são duplamente inutilizáveis para nós: primeiro, porque se aplicam a um equilíbrio de forças que já não existe; em seguida, porque põem o Nacional-Socialismo ao serviço de um nacionalismo reivindicativo que está tão distante das nossas preocupações como a Europa de Poincaré. Arranquemos assim as páginas de Mein Kampf que se referem ao Tratado de Versalhes e às fronteiras alemãs. Mas tenhamos por suspeitas, também, todas aquelas que têm por finalidade, sobretudo, pôr o povo alemão à altura de sustentar esta reivindicação. Se o Nacional-Socialismo não é mais do que uma doutrina de opositores, nada temos aí que buscar.
Esta nota é feita apenas de passagem; o essencial encontra-se de fora. Ei-lo: a visão germânica ou medieval do mundo deixou de ser tão fundamental para um Fascismo moderno como a visão romana de Mussolini. Entendamo-nos neste ponto: logo que ambas nos falam de trabalho, de coragem, de heroísmo, ou quando nos relembram a nossa origem comum ou a nossa comum vocação, nada é tão essencial como estas imagens do nosso passado, nada alimenta melhor a nossa sensibilidade e o nosso pensamento. Mas estas evocações estimuladoras da imaginação não devem ser transformadas em mitos e, muito menos, confundidas com medicamentos. A Alemanha do Sacro Império, o Império Romano, a França de Luís XIV, não são cavaleiros de pedra que um toque milagroso possa ressuscitar. A sua grandeza contém segredos de vida e de juventude que devemos reencontrar. Essa ressurreição, se acaso fosse possível, não bastaria para salvar o Ocidente. Temos e teremos de nos salvar em cada dia que passa: nisso, os povos são como os cristãos. O histórico sonho hitleriano continha em si a mesma porção de quimera que o sonho maurrasiano ou o sonho de Mussolini; dado que não assentava em nenhuma afirmação universal, não encerrava também qualquer missão comum a todos os homens, não afirmava senão a missão do povo germânico.
Mas ele oferecia algo de mais duvidoso, de infinitamente mais duvidoso do que o sonho de Mussolini: é que engrenava algures com a realidade. A queda de Mussolini foi, de certo modo, uma queda normal, foi uma queda de industrial, de inventor, a queda heróica, a clássica queda de Ícaro, a dos homens que não estão em contacto com a realidade. A queda de Hitler foi terrível, porque ele tinha toda a nação alemã no seu sonho, porque todo o povo alemão foi arrebatado, como o gelo de um rio é prisioneiro do Inverno, e a catástrofe abateu-se, não apenas sobre o sonhador, mas sobre todas as coisas.
Na verdade, este facto, sem relação com o Fascismo, consistiu em jogar a cartada germânica isoladamente e, sobretudo, em jogar o Homem germânico isolado, com exclusão dos outros homens. O Fascismo nunca disse nada sobre o Homem germânico somente. O Fascismo, longe de lhe ser adverso, ama o homem germânico. Não lhe reconhece, contudo, nenhum exclusivismo - reconhece-lhe qualidades, o que não é o mesmo - e não há razão, isto é, não há qualquer razão universal, qualquer razão de sabedoria e justiça, que lhe confira, com efeito, um exclusivismo. A Europa não é apenas o Sacro Império - é também a Europa de César e a França de Luís XIV. E a Alemanha sucumbiu perante este erro enorme e mais nenhum: o de ter desejado realizar a sua quimera histórica, de ter acreditado, sobretudo, que poderia realizá-la, de ter acreditado que o homem germânico isolado, como Josué, podia fazer parar o Sol.
Daí nasceu tudo. “Os Alemães perderão a guerra - dizia-me alguém em 1942 - porque são uma nação pequena.” Creio realmente que não é necessário procurar noutro sítio a causa da derrota alemã. Uma nação pequena, um ponto cor de rosa, uma pequena mancha rosada num universo inteiro contra ela, com as suas forjas, esquadras, aviões, seus batalhões inesgotáveis. O Homem germânico desejara ser digno dos companheiros de Armínio: e foi. Mas não podia vencer isolado, não podia fazer parar o Sol, não podia impor ao mundo a paz germânica, a grande paz silenciosa do Sacro Império.
E os erros nasceram daí também. Havia em Berlim, em 1934, 42 % de médicos judeus, 48 % de advogados, 56 % de notários, 72 % de agentes de câmbio; 70 % das propriedades de raiz pertenciam aos Judeus. Teria parecido exorbitante que o Governo alemão pretendesse introduzir alguns alemães nestes empregos reservados? Uma política de deslastre, conduzida com prudência, teria exposto a Alemanha à conjura internacional do ódio, cuja força o próprio Hitler tinha mostrado conhecer? Mas tudo foi passional e, o que é pior ainda, científico. Em vez das normas habituais da política - o que é útil e possível e necessário -, apareceu um factor inesperado, a Biologia, que é tão estranha ao verdadeiro Fascismo como ao nacionalismo alemão.
O homem germânico não se contentou em ser a magnífica besta humana que era, com as suas admiráveis qualidades; não se contentou em aperfeiçoar, cultivar, melhorar racionalmente, como forma de educação, essa besta humana, corajosa e séria, que tinha crescido no seu próprio solo. Experimentou a necessidade de inventar o contrário do homem germânico, de personalizar o antialemão como tinha personalizado o alemão, e de o extrair cientificamente por meio de uma análise espectral tão infalível como as da indústria química. A metafísica encarnou ainda outra vez, e com o cruel automatismo da ciência. Uma visão sistemática do mundo bateu o ar como uma máquina de separar o trigo do joio. E era preciso separar o trigo do joio, mas não com uma máquina cega, que esmagava milhares de hilotas inofensivos; não com um sistema absoluto, rígido, mecânico, como todos os sistemas. Mas a separadora científica, niquelada, insensível, automática, ensacava os homens, semeadora cega de desolação e de ódio. E o homem germânico saía dessa maquinaria implacável bem só, desta vez, estátua sem mistura, deus incorruptível, brilhante como um jovem ariano, mas ameaçador como um deus desconhecido, como o habitante de uma outra Terra.
Porque a separadora era um pouco discreta para nós, homens de Auvergne. E pensávamos, bem no fundo, admirando a coragem dos grandes bárbaros loiros, que a energia, a lealdade, o sacrifício, a paciência, também se podem encontrar num trabalhador da Roménia, num rude camponês da velha Castela e mesmo no Homem de Auvergne.
Esta análise deixa, todavia, um ponto capital na obscuridade, de que tenho perfeita consciência. Porque, mesmo se o Fascismo não é o nacionalismo germânico, e a selecção biológica muito menos, esta concepção aberrante do Fascismo foi e continua a ser, não somente para os adversários do Fascismo mas para os próprios fascistas, a imagem mais forte, mais empolgante, mais heróica, do Fascismo e, por conseguinte, o próprio Fascismo. Porque, no fundo, o partido único, os seus S. S., o führer prinzip, o governo autoritário e, até um certo ponto, o próprio racismo, acabaram por se tornar os atributos característicos do Fascismo e, por assim dizer, os caracteres zoológicos que permitem identificá-lo.
Tomemos, pois, as mandíbulas do monstro, suas antenas, suas garras, e analisemo-lo.
(continua)
Maurice Bardèche

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