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segunda-feira, junho 21, 2004

Um partido nacional e identitário? 

Por vezes interrogo-me sobre quais as particularidades do modelo organizativo que deve seguir um partido que pretenda assumir-se como um verdadeiro partido nacional e identitário.
A primeira ideia que me vem à cabeça é simples: um partido nacional deve ser a expressão política das comunidades que compõem a vasta comunidade de destino que é a nação; um partido identitário deve ser capaz de identificar-se com as gentes e as realidades colectivas que integram essa realidade orgânica, e fazer com que essas pessoas sintam essa identificação.
Quem conseguir criar raízes nas comunidades, numa base local e regional, que é onde as pessoas vivem, conseguirá alcançar verdadeira implantação nacional. Como existem aliás exemplos na Europa.
Este conceito implica combater a tendência monocórdica para a abstracção e os grandes princípios, que muitas vezes se torna a afirmação única das forças nacionais. Ora as pessoas no dia a dia não vivem dos princípios, nem comem com isso.
É preciso cultivar o concreto, dar efectiva prioridade ao real e à nossa gente (que é preciso sentir realmente como nossa, e fazer com que ela nos veja como tal).
Ou seja: desde logo, a nossa identidade é com a Dona Micas cabeleireira que vive num primeiro andar na Graça, com o Ti'Pedro que é pescador na Afurada, com a menina Vanessa que é caixa no Continente, com o Sr. Gonçalves que é lavrador em Sendim, com o Silva que é bancário em Ponte de Sor. A nossa identificação não se pode fazer a partir do visual e da cultura de uns adolescentes americanos ou uma qualquer tribo urbana mais ou menos rockeira, que hoje é moda e amanhã já passou.
No concreto: seria muito importante que um partido nacional, sem prejuízo da sua necessária unidade orgânica, assegurada por uma direcção nacional que definisse e coordenasse a orientação geral e enfrentasse os grandes temas de dimensão nacional, vivesse no dia a dia empenhado em círculos mais restritos e dedicados à vida local e regional; por exemplo um PNR-Algarve que prestasse atenção aos problemas especificamente algarvios, conhecesse o espaço físico e as pessoas, concentrasse o seu trabalho por exemplo em intervir na opinião pública local, através dos jornais, das rádios, da páginas internet, dos blogues de temática algarvia, a quem poderia enviar permanentemente os seus comunicados e opiniões, de forma a tornar-se uma presença habitual e natural, de maneira a viver e a integrar-se e a ser conhecido entre os portugueses cuja identidade é marcada logo no imediato por essa circunstância de serem algarvios. Repare-se que falar sobre a barra da Fuzeta, a poluição da ria de Alvor, ou a desertificação da Serra de Monchique, ou as curvas do IP2, não são tema para a direcção de um partido nacional: mas esses assuntos, ou as festas de Silves ou a falta de água em Tavira, já seriam de modo normal objecto da atenção de um PNR-Algarve, que quatro ou cinco militantes podiam pôr a funcionar eficazmente.
E o mesmo raciocínio podia fazer-se para um PNR-Trás-os-Montes, ou um PNR-Alentejo, ou um PNR-Porto, ou um PNR-Lisboa.
Quatro ou cinco pessoas, centrando o seu trabalho na cobertura continuada e sistemática dos problemas da sua área, urbana ou rural; e conseguir que nos sítios locais, internet ou imprensa escrita ou falada, fosse conhecida e ouvida pelo povo a opinião e a intervenção do Partido Nacional, sobre a limpeza das praias de Gaia ou sobre incidentes na lota de Matosinhos, sobre segurança na Baixa do Porto ou sobre a preservação do parque de Monsanto, sobre a construção da cidade judiciária em Caxias ou sobre os problemas da Ponte Europa, sobre a barragem do Sabor ou sobre a construção nas margens de Alqueva, sobre os incêndios na Zona do Pinhal ou sobre a caça em Monfortinho. Quando um partido conseguisse viver assim, no local e no quotidiano, onde estão as pessoas, seria verdadeiramente nacional e identitário. Criar raízes, identificar-se, o que passa por ouvir e conhecer as pessoas reais no mundo real, isto é o decisivo.
No resto, e regressando à orgânica, que um partido tenha uma ala juvenil ou uma ala senil, um sector feminino e um outro assim-assim, são temas banais: todos os partidos, cópias uns dos outros, têm mais ou menos essa institucionalização.
Onde creio que existiria vantagem era efectivamente nesse trabalho em círculos regionais ou locais, os quais até pela sua concentração nos problemas concretos em vez do abstraccionismo ideológico teriam a virtude de potenciar a unidade na acção de muita gente de formações e ideias diversas (sem que no partido, necessariamente frentista, alguma vez se institucionalizasse uma espécie de direito de tendência, o que seria desastroso - um movimento frentista não é uma coligação).
E fico por aqui. O problema mais difícil, pelos vistos, está em fugir à tendência para viver com a cabeça nas nuvens, ou entrar decididamente em órbita, lá no infinito do espaço sideral, em vez de dar atenção ao solo e firmar bem os pés no chão. Há ardorosos militantes que perdem tempo infindo a debater assuntos próprios de seitas esotéricas - capazes de entusiasmar no máximo cinco amigos que já são amigos (e fazer com que todo o cidadão comum os encare definitivamente como malucos irrecuperáveis a carecer de internamento). Lembram-me constantemente de uma caricatura célebre do teatro grego, em que o filósofo marcha concentrado com o pensamento nas alturas, onde o seu espírito paira, sem olhar para o chão que pisa - e afunda-se de repente no primeiro poço que lhe surge sob os pés distraídos.

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