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quarta-feira, julho 28, 2004

A CULTURA NA LUTA POLÍTICA 

Depois do teórico marxista António Gramsci ter revolucionado a teoria do assalto ao Estado, com a abertura de uma nova frente na Cultura, esta deixou de ser um modo de vida, um en­feite de burgueses, um produto de con­sumo, para se transformar num campo de batalha, um instrumento ao serviço da Revolução Marxista. Ao atacar num ponto inesperado da sociedade global, o aparelho marxista ocupa uma zona sem significado em termos militares, mas decisiva em termos antropológicos e sociológicos. Na verdade, é na Cul­tura que enraíza a estrutura dos valores, o carácter nacional, os gostos e as ten­dências, o modo de conceber o mundo e a vida. É uma herança cumulativa, como a caracterizou Lorenz, formada por todo o equipamento material e es­piritual que a sociedade possui, e com o qual responde aos desafios internos (crises) e externos (naturais e sociais).
A Cultura é, por conseguinte, aquilo que de mais precioso tem um Povo ou uma Etnia. É, por um lado, o traço que o distingue dos outros povos, com cos­tumes e mundividências distintas, e, por outro, a característica do processo de hominização. Embora os animais tenham tradições, inventem técnicas e comuniquem processos por mecanis­mos de difusão social, não possuem uma tradição cumulativa, quer dizer, as invenções e os conhecimentos não se conservam porque não há possi­bilidade de os acumular.
Ora, o que Gramsci faz é inovar no leninismo, ao introduzir a possibilidade de controlar o Estado a partir da Cul­tura. No reducionismo marxista, cul­tura é uma superestrutura gerada pela infra‑estrutura económica. As relações de produção, de exploração, isto é, o sistema económico, determinam um supersistema de justificação, que está ao serviço do explorador e serve para dominar intelectualmente o explorado. A esse sistema, integrado pela religião, educação, arte, meios de comunica­ção, etc., chamam os marxistas Cul­tura.
Na tradição leninista derrubava‑se o Estado a partir da Economia, e assim se punha fim à Cultura, que não passava de um gigantesco sistema de justifi­cação ideológica. Com Gramsci al­tera‑se o esquema revolucionário. Para ele é fundamental dominar primeiro a Cultura "burguesa" e substituí-la progressivamente por uma "cultura proletária". As transformações e subs­tituições operadas, assim, na "cultura burguesa", irão influenciar a infra‑es­trutura económica, as relações de produção, o sistema social, mudando a mentalidade dos cidadãos. Só depois desta operação é que se deve conquistar politicamente o Estado, vis­to que este se encontra desarmado. A resistência, sempre baseada nas es­truturas culturais de valores, nos con­ceitos internos da Cultura, sem esse suporte, nem sequer poderia existir. Daqui que o caminho para o poder nos Estados burgueses, desde há muito, seja este: assalto à Cultura, abastardamento de todas as características positivas do carácter e imagem na­cionais, substituição de padrões na­cionais por elementos culturais impor­tados, enfraquecimento e eliminação da resistência dos intelectuais patriotas e, finalmente, domínio das principais alavancas da Cultura: meios de comunicação, universidades, institutos e instituições, editoras, escolas, arte, etc.

PORTUGAL - UMA CULTURA IGNORADA
A tarefa de conquista da "cultura burguesa" é cometida por Gramsci aos "intelectuais orgânicos". Materialistas que, cumprindo os objectivos estra­tégicos do partido comunista, paulatinamente conquistam posições no establishment cultural, e programam a substituição da cultura burguesa pela nunca demasiado falada "cultura proletária".
Em Portugal esta estratégia teve uma aplicação exemplar. Iniciada em tem­pos de Salazar teve os seus frutos maduros ainda antes de Abril de 1974. A Direita portuguesa, bem se queixava da "ditadura intelectual da esquerda", mas infelizmente ignorava a concep­ção geral da manobra e não possuía capacidade para responder a um ataque concertado num domínio que não entendia.
Com a notável excepção de uns quantos antropólogos portugueses (Jorge Dias ‑ vergonhosamente silen­ciado ‑, António Carreira), filósofos (Álvaro Ribeiro, José Marinho, Pi­nharanda Gomes e Orlando Vitorino) e historiadores, que conformaram uma linha de resposta ao desmantelamento cultural português, respondendo no campo da Cultura ao assalto na Cul­tura, ninguém mais se opôs correc­tamente a essa Mafia de "intelectuais orgânicos", autênticas prostitutas, adoradoras de tiranos, como lhes chama Jean Cau. A Cultura portuguesa morria nos seus elementos caracterís­ticos e só um aviso aqui e ali alertava para o perigo.
Com o 25 de Abril, que completa o domínio marxista do Estado, os intelec­tuais orgânicos transferem‑se da Cul­tura para a Administração. Com o seu trabalho bem programado, o Povo envergonhava‑se de tudo quanto é mar­cadamente seu: a sua história, os seus heróis, os seus poetas, e passa a ad­mirar e a aderir a valores que não são seus, a elementos culturais abastardados, que lhe vêm de Moscovo, de Washington, com a marca da novi­dade, da "libertação" e do progresso.
A Cultura foi um campo de luta e o Povo perdeu. O escol que a devia defender, como património material e espiritual da comunidade, não o soube fazer: foi derrotado.

QUE FAZER?
Ao domínio da Cultura, entendida como "cultura burguesa" por ignorân­cia e reducionismo, há que responder com um ataque no campo da Cultura, entendida em toda a sua amplitude.
Para isso há que concentrar esforços, criar uma corrente de pensamento, iniciar o desbloqueamento interno, denunciando o trabalho dos "intelec­tuais orgânicos" e a sua sistemática prostituição. Assim, é urgente avançar com o planeamento do Instituto Padre António Vieira, como centro de inves­tigação para a Cultura Portuguesa, bem como centro de difusão e educação. Aí se devem integrar os intelectuais ainda vivos e interessados em desbloquear e revigorar a cultura nacional. A me­todologia pode variar (seminários, palestras, cursos, aulas, grupos de trabalho), mas o que deve estar presen­te no espírito de todos é que o assalto à cultura não se detém com balas de G3.
Além do Instituto, é indispensável uma associação político‑cultural, que utilize os resultados da investigação e difunda uma prática necessária e de­salienante. Uma revista de estudos e uma editora são dois instrumentos necessários, que se podem inserir quer no instituto, quer na Associação.
Para lá disso, devia constituir objec­tivo a largo prazo a organização de uma Universidade Livre, primeiro com os professores disponíveis funcionando experimentalmente em regime de cur­sos supletivos, e depois abarcando as disciplinas sociais. Garantir‑se‑ia deste modo um alto nível didáctico num país que não o possui e, fundamentalmente, tinha‑se a possibilidade de preparar as bases de um autêntico combate pela Cultura Portuguesa.
No ano zero do nosso país, o mais importante é, além de poder comer, poder pensar. E para isso é indispen­sável libertar a Cultura dos bloquea­mentos e implantações que a abastar­dam. Aí, bem como na Economia (uma parte da Cultura), está a grande aven­tura dos patriotas: voltar a entregar Portugal aos portugueses.
ANTÓNIO MARQUES BESSA 

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