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quinta-feira, julho 01, 2004

Inquérito sobre o Fascismo (III) 

Conclui-se hoje a publicação do ensaio de Maurice Bardèche, dado a conhecer em Portugal na revista "Tempo Presente", há 44 anos. Chama-se a atenção, consequentemente, para o enquadramento temporal dos raciocínios e das referências.

Abandonemos os excessos, os quais, como em todas as religiões ameaçadas de morte, são inspirados pelo desespero; que eles nos previnam, unicamente, de um perigo, grave e permanente, do Fascismo, muitas vezes ligado à saúde de um homem, ao seu equilíbrio intelectual, à segurança do seu julgamento. Os cérebros mais bem formados entorpecem; os nervos mais firmes podem ceder. Já que, em todas as crises agudas, as nações estão sempre à mercê de um homem, outra coisa se não deseja além de que esse homem saiba dividir o mando e pedir conselho: tudo isto vale o que valer o homem. Gamelin era um óptimo funcionário; há alturas em que é preciso aceitar os inconvenientes do génio.
O Fascismo será eternamente um jogo. Mas a virtude do Fascismo está na confiança de toda a nação num homem em que se reconhece. Longe de lamentar ou renegar o princípio de disciplina do Fascismo, devemos, pelo contrário, proclamá-lo como uma das normas mais urgentes dos tempos modernos. As nações europeias estão vitimadas pela doença da discussão e da desconfiança, e morrem às mãos do espírito de descrédito que se instalou na vida parlamentar. Perante isso, o civismo não passa de reticente obediência, muitas vezes puramente formal, à vontade provisória de uma frágil maioria. Estes regimes, onde toda a gente passa de largo, onde todos evitam responsabilidades, onde cada um escuta a sua lei e a sua consciência, onde todos se insinuam, especulam e dirigem, mesmo estes regimes sabem, nos momentos de crise, prestar homenagem ao Fascismo, convidando o país a seguir cegamente, durante algum tempo, qualquer providencial salvador.
Qual o toque mágico que transformará um pântano em terreno sólido? O princípio de obediência e o respeito pelo juramento restituem à lealdade o seu lugar natural na cidade. Uma nação só será saudável, quando cada um nela se espelhar e conduzir como um homem, não olhando para trás nem aproveitando o vento, nem transido de medo nem acobardado pela ambição, não se oferecendo à guloseima da traição, mas permanecendo fiel à sua palavra de homem, ao compromisso que lhe comunicou a vida, à promessa que depôs naquele que o guia, e no qual se reconhece, como aos camaradas de trabalho e de combate. Tal é a imagem pela qual o Fascismo entende as relações entre aquele que manda e aquele que obedece. E não há razão para que renunciemos a ela.

Fascismo e Franquismo
Inútil afirmar que a Espanha de Franco seja cara a todos os que se declaram fascistas. Mas esta afeição é puramente sentimental. A Espanha, tendo recebido todos os golpes, não foi apenas uma cartada, e a Guerra foi um drama em que todo o mundo participou.
Os momentos de angústia, os episódios heróicos e as caminhadas atrozes, não só diziam respeito à Espanha, mas pertenciam a todos. A figura mais pura e mais comovente do Fascismo espanhol foi um símbolo, permanece um símbolo, tanto para a Espanha como para a juventude fascista do mundo inteiro. De ambos os lados existiram sacrifícios e em ambos se formou a lenda. As campanhas da Guerra de Espanha, para os próprios adversários do Fascismo, representam tudo, quer na sua ideia, quer através da sua acção na resistência.
Foi, aliás, em função da Guerra de Espanha que nasceu o antifascismo. Nessa altura se formou o mapa político do mundo moderno; daí datam as simpatias, as alianças e as fendas, que os vinte anos seguintes mais acentuaram, sem trazer alguma mudança essencial. A história da Guerra de Espanha desenha nitidamente o prisma das diversas forças que encontrámos no campo fascista, e desdobra, do mesmo modo, o espectro das várias colorações políticas, que constituíram o antifascismo. Lição de anatomia, a Guerra de Espanha foi também, para muitos, uma revelação. Precisamente porque então se abriram os olhos e porque essa guerra foi simplesmente ideológica, os fascistas ficaram com uma ideia bastante mais clara das suas aspirações e dos perigos a que o Fascismo se expõe quando os seus homens saem vencedores.
O campo fascista abrangia, em Espanha, muita gente que, na realidade, não era de modo algum fascista. Os requetés de Navarra, que forneceram, nos primeiros tempos, as tropas mais sólidas da sublevação, eram carlistas, isto é, essencialmente, monárquicos tradicionalistas. O exército que desencadeou o golpe de Estado não tinha pensamento político definido: tomou o Poder para impedir a instalação do Comunismo em Espanha, quer dizer, para enfrentar um perigo iminente; não tinha, sequer, um chefe previamente designado: o comandante do movimento insurreccional era Sanjurjo, que se matou, ou foi morto, algumas horas antes da sublevação. Franco foi colocado à cabeça das forças nacionalistas, vários dias depois da insurreição, no decurso de um conselho sustentado pelos outros generais. Calvo Sotelo, chefe da oposição, era um teórico da direita, de tendências monárquicas, que não corresponde, de maneira nenhuma, à ideia que fazemos de um agitador fascista; os homens agrupados à volta do seu nome pertenciam a uma direita tradicional, oposta à anarquia da Frente Popular e às perspectivas de ditadura comunista.
Os senhores, fuzilados a torto e a direito, sem qualquer julgamento, nas regiões que se encontravam debaixo da fiscalização vermelha, foram massacrados porque tinham contraído o mau hábito de fumar charuto, a partir das cinco horas da tarde, sentados em poltronas do melhor café da cidade, afirmando assim, com insolência, que pertenciam a uma classe privilegiada. Esta linha de costumes, que muitas vezes tomava o lugar de qualquer ideia política, não os aproxima particularmente dos S.A. de Roehm ou dos combatentes da marcha sobre Roma. Os padres e as freiras, que foram também prontamente expedidos, não sabiam mais do que eles sobre o Fascismo. Os massacres dos primeiros tempos decidiram, no entanto, a composição das tropas franquistas. A burguesia e o clero não tinham por onde escolher: foram para o campo fascista, porque isso era melhor do que ser preso ou estripado. Por outro lado, os bispos e os dignitários do clero jogaram a combinação, assaz conhecida, do sabre e do hissope, que nos transporta, politicamente, à época do Presidente Loubet e à juventude de Afonso XIII - e não podemos considerá-los, tão pouco, um elemento tipicamente fascista. Sublinhemos que também eles não tinham por onde escolher; a crise de consciência dos católicos só começou meses depois, entre cristãos nitidamente distanciados dos grupos de pistoleros.
Os únicos fascistas verdadeiros, durante a Guerra de Espanha, foram os falangistas. E - resultado que evidencia o carácter simbólico desta guerra - o único doutrinador, cujas ideias os fascistas de hoje aceitam quase sem restrições, não foi Hitler, nem Mussolini, mas o jovem chefe da Falange que o trágico destino afastou da amargura do Poder e dos compromissos da guerra. A escolha deste herói não é meramente sentimental: revela quanto há de idealista no mito fascista e contém, outrossim, uma confissão, segundo a qual os fascistas preferem os seus mártires aos seus ministros. Como toda a gente.
Esta escolha comporta uma outra originalidade, geralmente pouco conhecida. É que José António Primo de Rivera não perdeu uma única ocasião para afirmar que não era fascista, no sentido que Italianos e Alemães dão a esta palavra. Ele via no Falangismo um movimento característico da Espanha, que tinha certos princípios comuns ao Fascismo italiano e ao Nacional Socialismo alemão, mas que não possuía nem os seus métodos nem o seu espírito. Apesar de tudo, foi ele quem definiu com maior energia essa plataforma comum, que as outras experiências alteraram, a qual constitui a essência daquilo a que os sobreviventes do Fascismo chamaram o Fascismo.
O Falangismo tem como ponto de partida um protesto contra a crueldade e a hipocrisia do mundo moderno. É claro que esta verificação se não aplica aos metalurgistas e aos operários qualificados da região de Paris. Mas nem toda a gente é metalurgista ou operário qualificado, e todos precisam de ganhar a vida, o que submete cada um à implacável lei da oferta e da procura, êmbolo essencial da economia capitalista, reforçado pela democracia, quando lhe reconhece um carácter intangível e sagrado.
O operário e o pequeno assalariado - pensava a Falange - tornaram-se párias: a sua existência, desprovida de ideal e de fé, consiste em repetir quotidianamente a mesma tarefa, em proveito dos outros, como o rodado anónimo de uma enorme máquina. Dizem-lhes que são livres, mas a sua liberdade não tem algum efeito senão conduzi-los a aceitar contratos de aluguer que outros homens, mais ricos do que eles, são igualmente livres de lhes propor, sem que alguém se preocupe em saber se esses contratos são justos e humanos.
Algumas das condenações, que vamos expor, podem hoje parecer exageradas. Não o eram, contudo, há vinte e cinco anos, num país pobre, e são ainda procedentes em muitos países. Sobretudo, permanecem verdadeiras na medida em que denunciam uma situação, ocultada pela prosperidade material sem a fazer desaparecer, um egoísmo e uma indiferença, que continuam a ser próprios da democracia capitalista. Eis o que dizia, nas vésperas da Guerra Civil de Espanha, José António Primo de Rivera.
O Estado assiste, impotente, a esta exploração dos fracos pelos mais fortes, que conduz ao aviltamento da nação: pois que o Estado democrático não tem outra função senão a de assistir ao que se passa e contar os golpes, assegurando-se apenas de que são jogados de acordo com uma certa regra. O Estado não dirige o destino da nação; contempla o desenvolvimento das forças destruidoras e espera placidamente que tenham acabado de aniquilar a nação e a própria democracia, unicamente satisfeito por verificar que tudo se passa em conformidade com um processo regulamentar.
É esta forma de destruição que o Falangismo quer impedir, ao confiar um outro papel ao Estado e ao procurar outro destino para o indivíduo. Para o Falangismo, a pátria define-se como o conjunto de homens que têm, pelo nascimento, igual destino. Cada pátria possui, assim, uma missão histórica ou moral a cumprir, e a finalidade do Estado está em realizar esse destino nacional. Tal é a sua justificação, e mais nenhuma. Todo o Estado tem alguma coisa a realizar e alguma coisa em que acredita; não lhe é concedido o direito de exigir sacrifícios do povo, ou a simples obediência, senão em nome deste princípio que encarna, semelhante a um ponto de fé, e em nome da missão a que se votou. Todo o Estado que não se identifica com o destino da nação, e não se realiza na missão que a própria pátria significa, é apenas Estado tirânico, e nunca o representante e guia da nação.
Este sentimento absoluto é a consciência da nação, e é também o que une o povo e cada indivíduo: “este sentimento absoluto, claramente surpreendido na alma, diz-nos, a toda a hora, o que devemos fazer e o que devemos preferir.” Dá um sentido à vida individual: cada homem realiza o seu próprio destino, participando no destino da nação; a sua tarefa é transformada, porque ele está ao serviço da nação, como o soldado ao serviço da pátria ou o padre ao serviço da religião. A vontade de servir modifica não só a essência do trabalho cumprido diariamente, mas também o próprio homem porque o senhor é precisamente aquele que é capaz de renunciar para servir.
Quem subordina a vida a esta vocação de serviço pertence, por isso mesmo, à nobreza do seu tempo - e a nobreza, ao longo dos séculos, nunca foi senão a ordem daqueles que aceitam as sujeições e as exigências da vocação de servir. Esta noção fundamental, portanto, não se limita a resolver o antagonismo que opõe o indivíduo ao Estado, mas dá um conteúdo a cada vida humana, semelhante ao sentido da vida do soldado e do padre, a que José António chamava “o sentido ascético e militar da vida”.
É evidente que o Estado, ao aceitar uma tão elevada missão, não pode jamais tolerar que, sob o nome de liberalismo, se perpetue o desenvolvimento do egoísmo e da cobiça, a exploração do trabalhador pelo capitalismo. As páginas doutrinárias de José António são categóricas a este respeito, condenando simultaneamente, como males inseparáveis, ou, antes, como as duas faces da mesma moeda falsa, o liberalismo e o capitalismo. “O liberalismo, ao redigir, no papel, maravilhosas declarações de direitos, que ninguém lia – entre outras razões, porque não ensinava o povo a ler -, o liberalismo convidava-nos a assistir ao espectáculo mais desumano de todos os tempos: nas mais belas cidades da Europa, nas capitais de Estados com as mais livres instituições, seres humanos, nossos irmãos, entregues à miséria, à tuberculose, à anemia de crianças esfomeadas, acumulavam-se nas casas negras ou vermelhas, repugnantes, imundas, onde podiam ruminar amargamente o espectáculo de se ouvirem proclamar livres, soberanos até.” José António retoma dezenas de vezes este tema; a injustiça e a indiferença do capitalismo perante o inundo são, para ele, uma perpétua fonte de indignação e de violência. (“Sim, o Socialismo tinha de nascer, e o seu aparecimento justifica-se”) E denuncia aqueles a quem chama parasitas: os banqueiros usurários, os grandes proprietários, os administradores das grandes companhias, os portadores de acções isentas, bafejados largamente pelas suas intrigas e pelas suas negociatas. “Os trabalhadores são o sangue e a terra de Espanha. Fazem parte de nós. Todos os que vos olham com desconfiança, enquanto ledes o jornal, são parte integrante da nossa Falange.”
E tudo isto, em José António, não é apenas revolta sentimental ou cólera contra os “convivas ociosos da vida”, os “convidados que não pagam”, como ele diz, dos quais não quer a participação na ordem nova que deseja construir; é também ponto de doutrina e princípio do seu sistema nacional. “O capitalismo liberal acaba obrigatoriamente no Comunismo - afirma -, e só há uma forma, profunda e sincera, de evitar a chegada do Comunismo: é ter a coragem de destruir o capitalismo, e destruí-lo mesmo com a ajuda daqueles a quem o capitalismo favorece." Aliás, verificando que o capitalismo não é a propriedade privada, mas precisamente o contrário, e que ele teve como resultado “destruir quase por completo a propriedade privada, nas suas formas tradicionais”, José António caracteriza o capital como um instrumento económico que deve estar ao serviço da nação, e não de uma meia dúzia: “As reservas de capital são como as reservas de água - não foram feitas para que alguns privilegiados organizem regatas na superfície, mas para regularizar o curso dos rios e fazer mover as turbinas das barragens.”
Este socialismo dirigista vai mais longe do que geralmente se imagina. Muitos julgam que José António é violentamente antimarxista. É um erro. A análise económica de Marx parece-lhe, pelo contrário, bastante justa, e crê somente depender de nós que as suas profecias não se realizem: «Uma figura, ao mesmo tempo repugnante e atraente, a de Karl Marx, paira sobre o espectáculo da crise do capitalismo. Por toda a parte, na hora actual, uns se proclamam marxistas e outros antimarxistas. Pergunto-vos (e é um vigoroso exame de consciência que eu formulo): que quer dizer isso de ser antimarxista? Significa que não se deseja o cumprimento das predições de Karl Marx? Então, estamos todos de acordo. Denota que Karl Marx se enganou? Então, enganam-se aqueles que o acusam.”
As objecções de José António contra o Socialismo não se referem à análise dos factos, mas aos princípios filosóficos, estranhos à análise económica. “O Socialismo, que era uma reacção legítima contra a escravatura liberal, extraviou-se, por ter adoptado: primo, a interpretação materialista da vida e da história; secundo, uma atitude de represália; tertio, a proclamação dogmática da luta de classes.” O Socialismo toma consciência exacta da orientação faraónica do liberalismo económico, e justamente a combate na sua crítica, mas, por espírito de vingança, reintroduz essa tendência na sociedade socialista, a qual se transforma numa outra terra de escravatura: “O Socialismo, que representava uma crítica razoável ao liberalismo económico, levou-nos, pelo mesmo caminho, a iguais resultados: a desagregação, o ódio, a separação e o esquecimento de todos os laços de fraternidade e de solidariedade, que unem os homens. (...) Se a revolução socialista não fosse mais do que a implantação de uma nova ordem económica, não ficaríamos atemorizados. Mas a verdade é que a revolução socialista revela alguma coisa de muito mais profundo: é o triunfo do sentido materialista da vida e da história, a substituição violenta da religião pela irreligiosidade, a substituição da pátria por uma classe fechada e odiosa, o agrupamento dos homens em classes, em vez do agrupamento dos homens de todas as classes no seio de uma pátria comum, a supressão da liberdade individual pela sujeição a um Estado de ferro que não só regulamenta o nosso trabalho nos moldes de um formigueiro, mas ainda, e do mesmo modo implacável, o nosso repouso.”
Parece-me menos impressionante uma última citação, característica da posição falangista: “Horroriza-nos, como a qualquer ocidental, a qualquer cristão, a qualquer europeu, patrão ou proletário, não passarmos de seres inferiores dentro de um formigueiro. E horroriza-nos porque conhecemos alguma coisa dessa situação através do capitalismo, que nos converteu também em multidão gregária, e que é, do mesmo modo, internacional e materialista.
É por isso que não queremos nem um nem outro; é por isso que queremos evitar o cumprimento das profecias de Karl Marx. Mas queremo-lo resolutamente, e não à maneira desses partidos antimarxistas que acreditam poder atenuar-se a realização inexorável das leis económicas distribuindo pelos trabalhadores duas palavras de conforto e uns tantos agasalhos para os filhos.”
Podemos perguntar a nós próprios o que teria sucedido a este anjo da escola, se tivesse vivido na Espanha franquista. Teria conseguido modificar o curso dos acontecimentos? Teria ele aproveitado o vento escaldante do Socialismo como um ciclone regenerador? E com quê? Num país exangue, qual o resultado da operação? Não se imaginam facilmente os heróis transformados em administradores ... Para que José António se mantivesse a figura notável que nos mostra o sonho fascista, foi preciso, sem dúvida, que também ele não entrasse jamais na Terra Prometida, onde começam as partilhas, os regulamentos, as arbitragens e os descontentamentos.
A Espanha de Franco é fascista? Valerá a pena levantar a questão? O Governo espanhol não reivindica este epíteto, e não há razão para lho conferir. A Espanha saiu esvaída da Guerra Civil, e a Guerra Mundial começou logo a seguir. Depois, a Espanha foi posta de quarentena e, durante muito tempo, viveu mergulhada em hábil privação. Só há poucos anos dispõe de meios para se abastecer e equipar. Isolada, surda aos ruídos do mundo, debruçada sobre a sua península, a Espanha passou vinte anos a viver, inclinada sobre si mesma como mendigo sobre o saco. Talvez fossem essas, precisamente, as condições para criar um Socialismo nacional.
A Igreja diz que há uma dignidade eminente nos pobres. Em Política, há também grandeza e força na pobreza. Esparta era terra de pedras. Esta Espanha socialista, esta Espanha pobre, esta Espanha isolada, que lição não teria dado ao mundo! Mas Franco não pertencia àquela raça de profetas tocados pela chama de Deus nos lábios; quis ser apenas o médico sábio e prudente de um povo exausto, utilizando métodos sábios e prudentes, os métodos da Faculdade. E o seu Governo foi uma administração, séria e honesta, do depósito que lhe tinha sido confiado, com o Poder repartido pelos portadores de acções da sublevação nacional: o Exército, o clero, os tradicionalistas, a Falange. A Espanha de hoje é essa sociedade anónima. A Falange não está frustrada, conseguiu realizar reformas e obter resultados, mas só tem a sua parte e não pode usurpar a parte dos outros, que é grande. Esta partilha proíbe todo o Socialismo, porque não há Socialismo parcial, de mesmo modo que não há justiça parcial.
Como não render homenagem, porém, à gerência franquista de Espanha, nos últimos vinte e cinco anos? Manteve o pais à margem das guerras que nos dilaceraram; fez esquecer, pouco a pouco, ódios e sofrimentos da luta fratricida, e deu à Espanha, apesar da força dos seus adversários ideológicos, um lugar, uma autoridade, um rosto de consciência e de calma, uma firmeza na aplicação dos princípios, que há muito lhe não conhecíamos.
Estes regimes de gerência, que se acomodam à marcha dos acontecimentos, contêm uma lição à qual os teóricos não concedem, talvez, grande importância: é o facto de existir um tipo de Governo moderno, que não passa de pura gerência e se espalha cada vez mais. Com maior ou menor hipocrisia democrática, tal é o caso do Governo de Salazar em Portugal, o de Adenauer na Alemanha e o do Governo que De Gaulle queria instituir em França (o qual exige um maior número de qualidades, que se crê não existirem naquele que governa, visto que falhou redondamente). É fácil, aos intelectuais das esquerdas, taxar estes regimes de fascistas; a Imprensa e os políticos esquerdistas querem simplesmente dizer com isso que se trata de Governos inalteráveis por mera crise ministerial, característica em que fazem consistir toda a democracia.
O Fascismo não é só isso, e teremos um dia de recordar os ensinamentos desta falsa definição de Fascismo. Diremos unicamente, por agora, que estes Governos são travões úteis, mas nada mais. Poderiam convir a um mundo estável, porque não lhes faltam, a cada passo, sabedoria e coragem. Porém, no nosso mundo, percorrido por torrentes e agitado por poderosas ondas invisíveis, que opõem eles ao estremecimento subterrâneo? Todos os homens são mortais; mas, se eles não deixam uma mística atrás de si, que será, mais tarde, da sua obra - que será do seu país?

Maurice Bardèche

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