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sábado, agosto 07, 2004

ANTÓNIO SARDINHA - PENSADOR E CRÍTICO 

As palavras apostas por António Sardinha ao volume Ao Ritmo da Ampulheta, significativa colectânea de estudos dedicados aos mais variados assuntos, dão-nos, na confissão ardente do seu entusiasmo de combatente, a trajectória ideológica e espiritual do ensaísta de À lareira de Castela e Da Hera nas Colunas. As suas páginas, tão comunicativas e vibrantes, que estremecem ao menor contacto com a realidade dos acontecimentos e dos homens, foram, nos anos intranquilos das primeiras décadas da nossa centúria,o roteiro político das gerações epocais envenenadas pela doutrinação liberalista e revolucionária. A acção e o exemplo de António Sardinha, secundados pelos seus pares, vigorosos polemistas acusando os desmandos e as tragédias da República nascente, que, no entanto, perante o espectáculo actual,mantinham uma dignidade nacionalista que se deve salientar, foram o breviário esclarecedor de tantas consciências ainda adormecidas ou enganadas pela euforia do tempo.
Na sensibilidade de António Sardinha, na qual se projectava, como num rio de águas sussurantes, o drama da pátria, abatida e descrente dos seus destinos históricos, cantava porém a certeza da ressurreição da nacionalidade; é que ele, como afirma algures, sentia em si próprio o sentimento de que nascera para construir e edificar. Não era daqueles que, contemplando os horizontes, se ensimesmavam na adoração dos poentes nostálgicos, cantando-os em lânguidas endechas musicais. A alma vibrava-lhe de contentamento diante das paisagens natais porque as compreendia na beleza eterna que delas irradiava; por isso, os seus poemas são, na evocação do passado elegíaco ou heróico, a voz do homem pensante e do artista enamorado das coisas e dos seres.
Se o poeta soube encontrar o acento certo para o seu poemário, rico de conteúdo psicológico e humano, fixando-nos as ansiedades espirituais em admiráveis versos em que perpassa vago simbolismo, o pensador e o ensaísta, ambos voltados para os grandes e profundos problemas pátrios, eivados de perplexidades dramáticas, souberam, em momento de crise e decadência, desbravar o caminho de dúvidas e incertezas, apontando-nos o verdadeiro destino do ressurgimento. Através desses livros de estudos, embora fragmentários, porque a hora assim o exigia, desdobra-se todo um tratado de nacionalismo, de fé e esperança no Portugal redimido, "... restituído... à integridade, como ele escreverá, da sua consciência histórica,...", e para o qual trabalhou incansavelmente.
As suas batalhas nacionalistas não se confinaram simplesmente à Política; pelo contrário, alargaram-se às letras e às Ideias, debatendo temas, investigando factos esquecidos ou ignorados, denunciando erros tidos como verdades, ilibando figuras históricas deformadas pela paixão sectarista e inventariando os acontecimentos ricos de sentido da sua época conturbada. Nada do interesse nacional lhe escapava; tudo a sua arguta inteligência analisava, procurando, por esse meio, deslindar das teias ocultas a face augusta da Pátria, mostrando-a na sua autenticidade espiritual e histórica. Aqueles que lhe leram os livros ou os que lhe escutaram a palavra inflamada ardendo de chama patriótica sabem perfeitamente que em António Sardinha transluzia a mais severa e exigente crítica, não se deixando arrastar por fáceis demagogias líricas ou sentimentalistas, antes dissecando os problemas, por mais complexos, com uma visão crítica produto de vasta cultura humanista.
Teria exagerado algumas vezes nas apreciações aos homens do tempo? Talvez. Mas o ambiente, como denigridor da História e da Tradição, campo, portanto, aberto ao avanço da subversão, que se fazia sistematicamente em tudo, era de natureza polémico e combativo; e António Sardinha era homem influenciado pelos acontecimentos de que foi espectador e actor, pelo que podia errar; mas acima de tudo atacava ideias, porque eram elas, na sua subtileza tentadora, o veículo transmissor do mal de que adoecia o país. Nos homens via os escritores e os poetas e os políticos, construtores de mitos enganosos, e que era preciso combater para que a Pátria, restabelecida e engrandecida, pudesse de novo ocupar o respectivo lugar no concerto das nações europeias.
Percorram-se as páginas de A Prol do Comum, Purgatório das Ideias, Na Feira dos Mitos, Durante a Fogueira, Ao Princípio era o Verbo, À Sombra dos Pórticos e A Aliança Peninsular e ver-se-á como o crítico e o pensador discerniram, no amontoado das questões políticas, literárias, sociológicas e polémicas, qual o verdadeiro itinerário ideológico da nacionalidade: A Monarquia. Nela consubstancia o autor de De Vita et Moribus a regeneração da terra portuguesa na sua expressão mais alta e significante, qual seja o regresso à Tradição como continuidade do Presente e garantia do Futuro. E o Presente, na trágica realidade de um quotidiano macabro, dá-lhe razão. Portugal e a Europa sofrem hoje a dramaticidade das ideias subversivas e demolidoras, que, provindo em linha recta da Reforma e do Humanismo pagão, tudo transformam no caos em que nada subsistirá porque lhes está já faltando a fé que animava os espíritos da Contra-Reforma.
Português e europeu, consciente das responsabilidades espirituais de que era herdeiro, tendo batalhado por elas como um cruzado que só a morte derrota, António Sardinha previu com a sagacidade do historiador o destino e o fim da Europa pervertida pelas doutrinas antieuropeias. É que, como ele escreveu, "Ameaçada de novo a Europa de cair, de mergulhar, e talvez irreparavelmente, numa como que "anarquia mongol" (...), que resta, pois, à velha Europa católica e secular?" No poema Roubo de Europa, prefaciado por Luis de Almeida Braga, companheiro de sempre, António Sardinha afirma (Europa! Europa! "E já não te avisto!"/ Não ouves esta voz que por ti chama?!/ Onde ficou o lábaro de Cristo?/ Onde deixaste, Europa, a tua flama?/ Ó madre antiga, embora no Calvário,/ não passes o teu facho a mãos alheias!), profetizando a tragédia contemporânea da Europa, dividida espiritualmente, e, por isso, presa fácil das hordas orientais...
Nesta hora de inquietude e confusão,embaladas as almas pela música insidiosa das falsas ideologias, António Sardinha merece ser lido e meditado porque a sua obra encerra uma lição de portuguesismo nacionalista e renovador em que muitas problemáticas contemporâneas são focadas com realismo construtivo.
Falecido a 10 de Janeiro de 1925, apenas com 36 anos de idade, porquanto nascera em Setembro de 1888, pertence à geração de 910, mas o seu espírito e a sua sensibilidade estão com as ideias tradicionalistas e monárquicas destruidas pelo constitucionalismo revoucionário estrangeirado. E é contra esse sistema que António Sardinha e seus amigos do primeiro instante, infelizmente quase todos dormindo o sono da morte, reagem, procurando reencontrar a autêntica fisionomia da nacionalidade desfigurada petos sofismas democráticos e socializantes na moda. Não ganharam a batalha, mas as suas palavras alcançam agora perspectiva profética e leccionadora de que é preciso extrair a necessária conclusão. E ninguém melhor no-la oferece do que as páginas tão vivas e oportunas de António Sardinha. Eis a grande homenagem ao intelectual e pensador.
António de Oliveira Coelho

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