domingo, agosto 08, 2004
FAZER O QUÊ?...
Numa sociedade industrial ou pré-industrial, onde os meios de comunicação social atingiram determinados níveis de produção e influência, que fazem deles veículos de valores e ideias que vão atingir e ser partilhados pelos seus concidadãos, a Cultura deixa de ser, necessariamente, um terreno fechado de eleitos ou nefelibatas, para se transformar, ou ser também, um campo de luta, logo, de risco e de responsabilidade.
Não tanto já na acepção romântica, de se morrer na barricada por ter lido Proudhon ou Marx, ou ser educado nas "Mémoires d'Outre-Tombe" e a lembrança de avós guilhotinados. Ou no acaso de encontrar Brasillach antes de Malraux ou o Che primeiro que José António, de preferir a OAS à ETA ou os Centuriões aos Danados de Franz Fanon. As terras prometidas da Revolução, neste recanto ocidental da Ásia chamado Europa livre, são muito do arbítrio duma leitura de adolescência ou duma camaradagem de liceu ou faculdade e não há muito mais a fazer para as encontrar. Mas na perspectiva mais geral de assumir fidelidades e bandeiras, de dar testemunho e militância, de levar apostolado sem perder a lucidez, de jogar pele e entranhas sem sacrificar ao fanatismo ou pôr de parte a realidade.
Disto tudo, me parecer esta a hora própria dum exame de consciência e duma tentativa de situação, dos portugueses que querem e podem pensar Portugal. Pensá-lo de olhos abertos, sem procurar iludir o quadro presente, tão-pouco deixando que as suas cores, quase fúnebres, lhes paralisem a razão e a vontade.
Esta é, ainda, um tempo de Palavra. O tempo da Acção encerrou-se, para nós, no dia 11 de Novembro de 1975, ao terminar o desmembramento territorial do País, com a entrega de Angola ao MPLA. Esse tempo que, para muitos epígonos de classe política foi um tempo de palavras, passaram-no os nossos na prisão, no exílio, na resistência interior ou exterior - batendo-se. Ao concluírem-se oficialmente os objectivos político-militares do partido da União Soviética e dos seus cúmplices conscientes e inconscientes, Portugal ficava reduzido, vencido, condenado ao rectângulo. Fechava-se, vergonhosamente, o tempo da grandeza. Entrava-se no ciclo da pequenez e da mediocridade, sob o signo de homens pequenos e medíocres; perdida a batalha, travada aliás em condições desiguais depois de Setembro de 1968 e, sobretudo, de Abril de 1974, impunha-se uma revisão profunda, o valer ou não a pena de continuar, e, sobretudo, adoptando a segunda hipótese, saber como, porquê, para quê e até para quem.
Era, de certo modo, repensar Portugal. Reduzida a testa de ponta para a conquista do Ultramar pela União Soviética, a Metrópole perdia o seu significado na estratégia imperial estrangeira uma vez terminada essa conquista. Na febre de manterem o poder no rectângulo, os agentes locais, militares e civis, da Task Force russa tinham praticado uma política de terra queimada. Concluída a missão, tornava-se insustentável manter a pressão exercida. Deste modo, aproveitando a febre do poder de comparsas da véspera, não foi difícil passar-lhes a batata quente. O que se deu no dia 25 de Novembro, não foi mais do que isso; porque, cautelosamente, este foi "recuperado" a tempo e elementos do establishment se encarregaram de assegurar a transição.
Isto é história sabida, ainda que não se costume contar assim. Mas vamos ao que fica, isto é, ao que importa.
Com o abandono do Ultramar, o País perdeu os grandes suportes da sua independência: quer pelo que respeita a factores materiais - território, população, posições estratégicas, recursos económicos - quer um sentido de projecto nacional. Regressando aos limites pré-expansionistas, esta involução histórica terá consequências imprevisíveis, que se adivinham catastróficas no futuro.
A ruína da economia nacional derivada das sequelas do abandono e da política da terra queimada no rectângulo traduz-se não só na destruição duma parte considerável das estruturas produtivas e circuitos comerciais, como na degradação do trabalho como fonte de riqueza e na hipoteca progressiva das reserva e recursos do País, a troco de empréstimos ou subsídios que permitiram aos responsáveis ocultar o caos que implantaram, pelo menos nas suas consequências mais dramáticas.
À actual classe política dirigente faltam a competência, a autoridade, a capacidade moral e a convicção necessárias para desenvolver o esforço gigantesco que seria necessário para encontrar uma plataforma de recuperação. Além do mais os seus elementos são em grande parte cúmplices activos ou passivos dos eventos que conduziram à situação presente, faltando-lhes pois qualquer espécie de idoneidade para pedir sacrifícios ao Povo, que eles mesmos levaram à ruína.
Também as instituições vigentes, fruto dum compromisso, ou manta de retalhos negociada peles forças do poder após o golpe militar esquerdista não correspondem ou permitem qualquer tentativa séria e continuada para devolver ao Estado português condições mínimas de viabilidade e funcionamento.
Nessa conjuntura, não faltarão veleidades golpistas, mesmo inspiradas pelas melhores intenções do bem público e salvação nacional ou então vindas de sectores que, com o seu oportunismo e imobilismo, deixaram degradar a situação até ao momento presente e agora intentam, em digressões mais ou menos escusas, arrastar os menos prevenidos para aventuras sem futuro, em que se comprometerão irremediavelmente os poucos trunfos ainda disponíveis para uma solução nacional.
E se por um lado há que levar em conta a um factor tempo, que não considerado pode ser fatal, haverá também que ter presentes as condições internas e externas que sempre limitaram a acção. Senão, vejamos:
Portugal é hoje um pequeno País, pobre, endividado, hipotecado, olhado com comiseração e tolerância pela comunidade internacional. Privados dos factores que nos davam a independência e capacidade de adoptar as soluções que mais nos convinham, estamos profundamente dependentes, subordinados, "colonizados" por uma série de poderes situados fora de fronteiras e que serão sempre os últimos árbitros, se não de toda a evolução política interna, pelo menos de certos limites, mais ou menos rígidos, em que ela pode ocorrer. Mais que a ninguém nos custa reconhecer este facto, que aliás se poderá agradecer ao punhado de energúmenos e ambiciosos que nos foi governando nos últimos anos e que sabia, também, que da sua política de terra queimada ia resultar esta limitação da soberania nacional, graças à qual poderão permanecer à frente do País, por mais algum tempo, até porque são os agentes de confiança das forças internacionais que aproveitaram ou julgaram aproveitar com a nossa ruína.
Internamente, o País acusa as marcas terríveis da catástrofe: agudização de conflitos sociais, alienação política, incompetência e parasitismo da classe partidária, mediocridade de projectos e dirigentes, apatia e desorientação das forças ainda válidas ou conscientes, cuja defesa e protesto, no momento, se traduzem num absentismo crescente da vida institucional, que poderá ser um princípio, mas urge com brevidade ser orientado e convertido em formas eficazes de acção.
As fórmulas paradisíacas da felicidade pela revolução, a que sucederam as manifestações de paranóia no poder da era gonçalvista e do socialismo da miséria da administração soarista, fariam hoje sorrir se não fossem a catástrofe que precederam ou trouxeram. A classe política, saída da Revolução de Abril, há-de, entretanto, continuar a defender os seus interesses com unhas e dentes, inventando novas receitas de sobrevivência e sacrificando até, se tal for necessário, parte dos seus leaders "carismáticos" de ocasião: o que sucedeu ao "inocente útil" Spínola, ao tenebroso "Mr. Cork", ao dementado "companheiro Vasco", ao folclórico Otelo, pode amanhã passar-se com o "burguês satisfeito" Dr. Soares ou o revenant Major Antunes.
Mas será esse o fim dos nossos problemas? Que fazer, mesmo que uma explosão de senso crítico ou justa cólera, neutralizasse tão ubuescos e conselheirais personagens, retirando-lhes a faculdade de continuar a atormentar e mistificar os seus concidadãos?
Não. A herança de miséria e vergonha que vai ficar, da sua passagem pelo poder, é suficientemente larga e negra, para que baste um exorcismo para a afastar. Haverá, para iniciar um trabalho de reconstrução material do Pais, que ter mais qualquer coisa que a legitimidade de o livrar dos seus tiranos ou tartufos, ou motivações de desforço, mesmo compreensíveis.
Há que reencontrar, além dos meios necessários para produzir ou pagar o que comemos, um projecto, um sentido para a Nação, que justifique os sacrifícios que serão necessários nesta batalha pela sobrevivência e a dignidade. Para tal, urge, com humildade mas determinação, com consciência das limitações mas propósito de as superar, com a noção do que somos, mas a memória do que fomos, repensar, reinventar, restaurar o País que podemos ser, numa fórmula genial que não me canso de meditar nestes dias de provação e esperança, aquilo que o poeta-profeta da nossa Grandeza e Morte clamava - "uma grande Ânsia do tamanho exacto do Possível".
Quando a redescobrirmos, resta o mais fácil, aquilo que fizemos por causas vencidas, mas que não deixam de ser razão de continuar: batermo-nos. Então será o tempo da Acção.
JAIME NOGUEIRA PINTO
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Não tanto já na acepção romântica, de se morrer na barricada por ter lido Proudhon ou Marx, ou ser educado nas "Mémoires d'Outre-Tombe" e a lembrança de avós guilhotinados. Ou no acaso de encontrar Brasillach antes de Malraux ou o Che primeiro que José António, de preferir a OAS à ETA ou os Centuriões aos Danados de Franz Fanon. As terras prometidas da Revolução, neste recanto ocidental da Ásia chamado Europa livre, são muito do arbítrio duma leitura de adolescência ou duma camaradagem de liceu ou faculdade e não há muito mais a fazer para as encontrar. Mas na perspectiva mais geral de assumir fidelidades e bandeiras, de dar testemunho e militância, de levar apostolado sem perder a lucidez, de jogar pele e entranhas sem sacrificar ao fanatismo ou pôr de parte a realidade.
Disto tudo, me parecer esta a hora própria dum exame de consciência e duma tentativa de situação, dos portugueses que querem e podem pensar Portugal. Pensá-lo de olhos abertos, sem procurar iludir o quadro presente, tão-pouco deixando que as suas cores, quase fúnebres, lhes paralisem a razão e a vontade.
Esta é, ainda, um tempo de Palavra. O tempo da Acção encerrou-se, para nós, no dia 11 de Novembro de 1975, ao terminar o desmembramento territorial do País, com a entrega de Angola ao MPLA. Esse tempo que, para muitos epígonos de classe política foi um tempo de palavras, passaram-no os nossos na prisão, no exílio, na resistência interior ou exterior - batendo-se. Ao concluírem-se oficialmente os objectivos político-militares do partido da União Soviética e dos seus cúmplices conscientes e inconscientes, Portugal ficava reduzido, vencido, condenado ao rectângulo. Fechava-se, vergonhosamente, o tempo da grandeza. Entrava-se no ciclo da pequenez e da mediocridade, sob o signo de homens pequenos e medíocres; perdida a batalha, travada aliás em condições desiguais depois de Setembro de 1968 e, sobretudo, de Abril de 1974, impunha-se uma revisão profunda, o valer ou não a pena de continuar, e, sobretudo, adoptando a segunda hipótese, saber como, porquê, para quê e até para quem.
Era, de certo modo, repensar Portugal. Reduzida a testa de ponta para a conquista do Ultramar pela União Soviética, a Metrópole perdia o seu significado na estratégia imperial estrangeira uma vez terminada essa conquista. Na febre de manterem o poder no rectângulo, os agentes locais, militares e civis, da Task Force russa tinham praticado uma política de terra queimada. Concluída a missão, tornava-se insustentável manter a pressão exercida. Deste modo, aproveitando a febre do poder de comparsas da véspera, não foi difícil passar-lhes a batata quente. O que se deu no dia 25 de Novembro, não foi mais do que isso; porque, cautelosamente, este foi "recuperado" a tempo e elementos do establishment se encarregaram de assegurar a transição.
Isto é história sabida, ainda que não se costume contar assim. Mas vamos ao que fica, isto é, ao que importa.
Com o abandono do Ultramar, o País perdeu os grandes suportes da sua independência: quer pelo que respeita a factores materiais - território, população, posições estratégicas, recursos económicos - quer um sentido de projecto nacional. Regressando aos limites pré-expansionistas, esta involução histórica terá consequências imprevisíveis, que se adivinham catastróficas no futuro.
A ruína da economia nacional derivada das sequelas do abandono e da política da terra queimada no rectângulo traduz-se não só na destruição duma parte considerável das estruturas produtivas e circuitos comerciais, como na degradação do trabalho como fonte de riqueza e na hipoteca progressiva das reserva e recursos do País, a troco de empréstimos ou subsídios que permitiram aos responsáveis ocultar o caos que implantaram, pelo menos nas suas consequências mais dramáticas.
À actual classe política dirigente faltam a competência, a autoridade, a capacidade moral e a convicção necessárias para desenvolver o esforço gigantesco que seria necessário para encontrar uma plataforma de recuperação. Além do mais os seus elementos são em grande parte cúmplices activos ou passivos dos eventos que conduziram à situação presente, faltando-lhes pois qualquer espécie de idoneidade para pedir sacrifícios ao Povo, que eles mesmos levaram à ruína.
Também as instituições vigentes, fruto dum compromisso, ou manta de retalhos negociada peles forças do poder após o golpe militar esquerdista não correspondem ou permitem qualquer tentativa séria e continuada para devolver ao Estado português condições mínimas de viabilidade e funcionamento.
Nessa conjuntura, não faltarão veleidades golpistas, mesmo inspiradas pelas melhores intenções do bem público e salvação nacional ou então vindas de sectores que, com o seu oportunismo e imobilismo, deixaram degradar a situação até ao momento presente e agora intentam, em digressões mais ou menos escusas, arrastar os menos prevenidos para aventuras sem futuro, em que se comprometerão irremediavelmente os poucos trunfos ainda disponíveis para uma solução nacional.
E se por um lado há que levar em conta a um factor tempo, que não considerado pode ser fatal, haverá também que ter presentes as condições internas e externas que sempre limitaram a acção. Senão, vejamos:
Portugal é hoje um pequeno País, pobre, endividado, hipotecado, olhado com comiseração e tolerância pela comunidade internacional. Privados dos factores que nos davam a independência e capacidade de adoptar as soluções que mais nos convinham, estamos profundamente dependentes, subordinados, "colonizados" por uma série de poderes situados fora de fronteiras e que serão sempre os últimos árbitros, se não de toda a evolução política interna, pelo menos de certos limites, mais ou menos rígidos, em que ela pode ocorrer. Mais que a ninguém nos custa reconhecer este facto, que aliás se poderá agradecer ao punhado de energúmenos e ambiciosos que nos foi governando nos últimos anos e que sabia, também, que da sua política de terra queimada ia resultar esta limitação da soberania nacional, graças à qual poderão permanecer à frente do País, por mais algum tempo, até porque são os agentes de confiança das forças internacionais que aproveitaram ou julgaram aproveitar com a nossa ruína.
Internamente, o País acusa as marcas terríveis da catástrofe: agudização de conflitos sociais, alienação política, incompetência e parasitismo da classe partidária, mediocridade de projectos e dirigentes, apatia e desorientação das forças ainda válidas ou conscientes, cuja defesa e protesto, no momento, se traduzem num absentismo crescente da vida institucional, que poderá ser um princípio, mas urge com brevidade ser orientado e convertido em formas eficazes de acção.
As fórmulas paradisíacas da felicidade pela revolução, a que sucederam as manifestações de paranóia no poder da era gonçalvista e do socialismo da miséria da administração soarista, fariam hoje sorrir se não fossem a catástrofe que precederam ou trouxeram. A classe política, saída da Revolução de Abril, há-de, entretanto, continuar a defender os seus interesses com unhas e dentes, inventando novas receitas de sobrevivência e sacrificando até, se tal for necessário, parte dos seus leaders "carismáticos" de ocasião: o que sucedeu ao "inocente útil" Spínola, ao tenebroso "Mr. Cork", ao dementado "companheiro Vasco", ao folclórico Otelo, pode amanhã passar-se com o "burguês satisfeito" Dr. Soares ou o revenant Major Antunes.
Mas será esse o fim dos nossos problemas? Que fazer, mesmo que uma explosão de senso crítico ou justa cólera, neutralizasse tão ubuescos e conselheirais personagens, retirando-lhes a faculdade de continuar a atormentar e mistificar os seus concidadãos?
Não. A herança de miséria e vergonha que vai ficar, da sua passagem pelo poder, é suficientemente larga e negra, para que baste um exorcismo para a afastar. Haverá, para iniciar um trabalho de reconstrução material do Pais, que ter mais qualquer coisa que a legitimidade de o livrar dos seus tiranos ou tartufos, ou motivações de desforço, mesmo compreensíveis.
Há que reencontrar, além dos meios necessários para produzir ou pagar o que comemos, um projecto, um sentido para a Nação, que justifique os sacrifícios que serão necessários nesta batalha pela sobrevivência e a dignidade. Para tal, urge, com humildade mas determinação, com consciência das limitações mas propósito de as superar, com a noção do que somos, mas a memória do que fomos, repensar, reinventar, restaurar o País que podemos ser, numa fórmula genial que não me canso de meditar nestes dias de provação e esperança, aquilo que o poeta-profeta da nossa Grandeza e Morte clamava - "uma grande Ânsia do tamanho exacto do Possível".
Quando a redescobrirmos, resta o mais fácil, aquilo que fizemos por causas vencidas, mas que não deixam de ser razão de continuar: batermo-nos. Então será o tempo da Acção.
JAIME NOGUEIRA PINTO
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