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quinta-feira, agosto 26, 2004

MODELO PORTUGUÊS 

Haverá um modelo revolucionário português? Quer dizer, a sucessão de episódios trágicos e cómicos, a série das inventonas e contra-inventonas que fazem avançar o processo, a lista interminável de soluções e opções que se experimentaram no País e no Povo e que tiveram, como saldo líquido, aniquilá-los, pô-los na margem da insolvência e da fome, constituem uma trama inteligível, susceptível de ser reduzida à percepção do comum, através da sua integração em categorias mais ou menos abstractas e gerais, ou não passará dum somatório enrodilhado de eventos, uma miscelânia incoerente de acções, tão desconexas e imprevisíveis, como as personalidades que, pelo menos oficialmente, lhes estiveram na origem?
Além deste, outro problema haverá a pôr: admitindo o nexo intrínseco revolucionário, apresentará o caso português características originais, que o autonomizem ou distingam face a outras experiências análogas, ou poderá integrar-se numa "teoria geral da Revolução", com uma ou outra nota diferencial de somenos importância?
Comecemos pela última questão. E, na pista dalguns comentadores destas coisas, vejamos o que Portugal não foi ou não é, a fim de chegarmos a uma aproximação do que tem e pode ter sido.
Os testemunhos dos contemporâneos são sempre suspeitos. Há, neste rectângulo do Sul da Europa, um gosto pelo drama (geralmente restrito à narrativa) que leva o cronista a alegorias e comparações um tanto forçadas, que, entretanto, na medida em que lisonjeiam os actores em cena e seus espectadores, são bem acolhidas pelo comum. Assim, não sei bem quem disse que, com o 25 de Abril, tínhamos tido, ao mesmo tempo, 1789 e 1917, a revolução burguesa e a revolução socialista, a declaração dos direitos do homem e a instauração dos sovietes! O que será de mais.
Então o que foi ou é Portugal, dentro das imagens caras à imaginação de incuráveis e exaltados românticos, que descobriram o mundo no dia 25 de Abril? A França de 89, a Rússia de 17, a Espanha de 36? Cuba, o Chile, a Albânia? A Europa do bem-estar e da democracia com o atraso da ditadura? Olhemos, mais de perto e sem os bons vidros do progressismo, optimista ou pessimista, o quadro destes quase três anos de revolução.
A França de 89-96? A distância, em termos de Antigo Regime, vai dos Bourbons ao Dr. Marcello Caetano, do fanatismo do Incorruptível à paranóia litigante de Vasco Gonçalves, do oportunismo, em grande estilo, dum Talleyrand, à esperteza saloia dum Costa Gomes, do esquerdismo ardente de Saint-Just à megalomania vaudevillesca de Otelo; além disso, não encontro, mesmo no Thermidor, lugar para o inefável Dr. Soares e seus amigos. E muito menos se vislumbra qualquer Napoleão, enquanto que o Império,esse, se foi, por obra e graça da mesma revolução.
A Rússia em 1917? Na Rússia a revolução nasceu da derrota militar; em Portugal, provocou-a. Além disso, Lénine sempre era Lénine (embora o Dr. Alvaro Cunhal tenha prestado enormes serviços à pátria comum) e não tinha, para tomar o Poder, que se preocupar com os interesses estratégicos mundiais da União Soviética. As semelhanças estão nos Kerenskys e nos "militares liberais"... E também não arrumo aqui o Dr. Soares.
A Espanha em 36? Faltaram os Mola, os Queipo de Llano, os Aranda, o Tércio, os requetés, os camisas azuis, um Exército de Africa para salvar a metrópole. Faltou, sobretudo, o senso político e estratégico de Franco, esse, sim, um consumado militar profissional que aproveitava os tempos livres para ler. A Esquerda não está mais bem servida, embora, com alguma imaginação, D.Isabel do Carmo desse uma razoável passionaria e os soldados do cravo au peito, de farrapo e sapatilha, lembrassem milicianos anarquistas da melhor apanha. Mas faltava-lhes o resto...
Também não descubro lugar para o Dr. Soares e sua corte. Indalécio Prieto tinha garra, era gente. E Largo Caballero, lembra, sim, Cunhal. Gente, repito.
Cuba? Houve quem julgasse e quem quisesse que sim. Mas os Portugueses sabiam fazer, em 1974, qualquer coisa mais que cortar cana de açúcar. E peones só os havia no Alentejo. Depois, Fidel tem mais alguma cultura livresca que o ex-encarregado do COPCON, e deixaram-no levar para o Campo Pequeno de La Habana quem lhe apeteceu.
O Chile? É uma imagem cara ao masoquismo da Esquerda e aos sonhos de révanche dalguns direitistas que, a seu tempo, se mostraram menos combativos. Mas não há Pinochet (só pinochachas, como o outro) e apesar de tentar dar ares de vitima propiciatória, não vejo o pacatíssimo Dr. Soares, rodeado por Zenha, Alegre e Rego, de capacete de guerra e canhota, morrendo num S. Bento transformado em bunker da legalidade, face à investida dos tanques facciosos. J'y crois pas. De Allende só a viúva! - parece-me ser o lema dos nossos socialistas, que vão fazendo o pé, as malas e as contas para eventual exílio, preparando alibis de como o socialismo na liberdade se ficou em terras lusas.
Quanto à Albânia era uma ideia, se não me engano, duns grupos revolucionários que costumavam afogar-se mutuamente no Tejo. Embora para lá caminhemos - pelo menos do ponto de vista de alegria de viver perspectivas de futuro - 99% dos Portugueses não deve saber onde está a Albânia.
Então o que fica? Reduzidos à estrita dimensão dos nossos passos e consequências, há que buscar neles o ponto da questão, embora, achado este, não faltem símiles e perspectivas, ainda que não tão grandiosos como pretenderiam alguns aprendizes de letras e feitiços.
Mas,isso, é outra questão.
Jaime Nogueira Pinto

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