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sexta-feira, agosto 20, 2004

Salazar, visto por Charles Maurras 

Em Maio de 1951, Charles Maurras, velho e doente, escrevia da prisão/hospital onde se encontrava uma carta ao Presidente Salazar, que seria de seguida entregue em mão em Lisboa. É a carta do célebre apelo "Restez! Tenez!".

A Sua Excelência, M. Salazar
Presidente do Governo Português
Lisboa

Sr. Presidente,
O meu querido amigo Marcel Wiriath, que parte para Lisboa, onde terá a honra de cumprimentar Vossa Excelência, propõe-me ser portador de uma mensagem minha. Se bem que Wiriath não tenha metade da minha idade, é já um veterano da Action Francaise. Quando me meteram na prisão e o meu sobrinho e filho adoptivo se tornou meu tutor, Wiriath aceitou servir-me como sub-tutor. Isto é dizer da sua velha amizade, que não pode enganar-se sobre os meus sentimentos: ele adivinhou a satisfação com que eu desejava aproveitar o ensejo para lhe dizer, Senhor Presidente, a admiração entusiástica que me inspiram os seus trabalhos, os seus êxitos, o seu triunfo e, desde há algum tempo, a aguda curiosidade com que é seguida a nova fase (não crítica, certamente, mas grave) da nobilíssima História à qual deu a sua pessoa e o seu nome.
Foi em Vossa Excelência que eu pensei ontem, ao reler, no meu Horácio, a ode XIV do primeiro livro, O navis referent in more te novi-fluctus... Fortiter occupa-portum... interfusa nitentes - vite aequora Cycladas... Não é pedanteria, mas verdade saída do coração. Desde há longos anos, o abrigo de merecida felicidade que desfruta o seu povo, a grande obra de estabilidade e de prosperidade que vos deram o respeito universal, representam tão grandes bens e tão raros hoje, que um certo número de europeus o consideram como seu património, e os seus votos distantes vos acompanham e vos bendizem como parte do seu próprio destino. - Sobretudo, pensam eles, não nos falte! Fique! Aguente! Acaba de perder o soldado firme que, sem ferir golpes, sem verter uma gota de sangue, restabeleceu Portugal e o entregou nas suas fortes mãos. Continue a cuidar do ramo de ouro da ordem, da autoridade e das liberdades. Que ele floresça no vosso país e que aí frutifique, povo irmão, é ainda uma prova ou, pelo menos, um sinal de que algures não murchou definitivamente.
Não creio muito, em sentido físico, numa raça latina. Mas do fundo da minha alma confesso o espírito latino ou, melhor, heleno-latino. Esta última correcção é feita na recordação de uma gramática portuguesa, aberta numa bela manhã da minha adolescência e na qual me apercebi de que o vosso artigo o, a, repete a forma dórica do velho artigo grego: tão fabulosa e fantasista acabou por me aparecer, a derivação encantava-me porque me fazia entrever os compatriotas de Homero povoando a mais longínqua Hispéria, até à beira do mar oceano. Os nossos parentescos de línguas, de espírito, de religião, de costumes, não são menos palpáveis. Não lhe parecem um tanto esquecidos pelos nossos tempos de internacionalismo unifícador mais ou menos federal, ou confederal? Tudo deveria fazer pensar nisso: o poder dos outros; o pouco poder que nos resta. E eu sonho, não sem melancólica firmeza, na vossa Goa, na vossa Macau, como na nossa Pondichèry... Estamos ali ainda, em suma, quando os mais poderosos tiveram de abandonar toda a Índia e já estão a fazer as malas na China! Sem jactâncias de superioridade e de comparação, que seriam ocas, os nossos domínios e os deles não se distinguem, estes pela tomada terrestre, horizontal, aqueles por um sentido vertical na direcção do espírito? Não haverá ali, sem dúvida, mais do que um passado talvez resolvido, que já não pode contar nas figuras do porvir. Mas, quem sabe? Quem pode saber? Quando os vossos navegadores seguiam o Sol-poente, para descobrir mundos e fundar impérios, o seu sangue e o seu pensamento não prepararam esplêndidas e sólidas ressurreições?
Multa renascentur. Mobilizou a sua nação no caminho deste renascimento. Possa ela aí continuar e prosseguir, e, na corrente, levar-nos também. Sou homem de Esperança.
Queira Vossa Execcelência perdoar a extensão desta, talvez, divagadora. O meu amigo Henri Massis, que teve a honra de ser recebido em Lisboa, falou-me abertamente da largueza de coração e lucidez de pensamento com que Vossa Excelência segue as coisas de França. Foi o que me forçou a ser indiscreto.
Com as minhas desculpas, peço a Vossa Excelência queira receber os meus fervorosos votos pela sua felicidade e pela da sua nobilíssima Pátria.

CHARLES MAURRAS
8321
Claraval, 31 de Maio de 1951.

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