quarta-feira, setembro 15, 2004
NICOLAU BERDIAEF E A LIBERDADE
A promulgação dos direitos do homem e do cidadão preocupou-se, para dizer a verdade, pouquíssimo com o homem: a imagem deste foi empanada pela do cidadão. E quanto a este último, foi também considerado como ser político, e os seus direitos como direitos formais. De modo que a promulgação dos direitos degenerou facilmente em protecção a interesses burgueses e do regime capitalista. Além disso, na corrupção burguesa e liberal do mundo, aos direitos se ligaram múltiplos deveres e foram a expressão de interesses e reivindicações. Na realidade, o direito não pode separar-se do dever, porque um corresponde ao outro e porque, em certo sentido, formam um todo. 0 conceito do direito que não corresponde a um dever é um direito burguês, por detrás do qual se esconde alguma astúcia de classe.
Para a consciência cristã, a declaração dos direitos do homem adquire um sentido completamente distinto daquele que lhe atribui a ideologia burguesa, liberal e democrática. Segundo o cristão, não é o cidadão que goza de plenos direitos, mas o homem, como ser espiritual, como espírito livre. Os seus direitos estão, além disso, indissoluvelmente ligados aos seus deveres. A sua liberdade não é apenas uma reivindicação, mas obrigação, que implica menos o que ele próprio exige do que o que se exige dele. O homem deve ser livre; Deus assim o quer e assim o exige. Deve suportar o peso da liberdade como um ser que tivesse chegado à sua maioridade. O centro da gravidade repousa aqui sobre o homem, não sobre o cidadão.
A noção de cidadão é subordinada e secundária; pertence à sociedade politica, na qual as realidades estão tão bem mascaradas que é difícil reconhecê-las. A concepção do homem, pelo contrário, pertence ao círculo espiritual. Os seus direitos, absolutos e inegáveis, estão enraízados no mundo do espírito e não no civil e político, sempre transitório, instável e efémero. Porém, as declarações do direito não podem unicamente enunciar os direitos do homem como ser espiritual: devem aprofundar até às esferas inferiores e às mais recônditas do ser.
E é aqui que a realidade da vida económica sucede à realidade da vida espiritual.
Nesta esfera, a declaração permuta-se: na declaração dos direitos do produtor, do trabalhador, cuja noção pertence à sociedade económica e não política. É a esfera das realidades graves e austeras, nas quais se plasma a vida do homem no plano terrestre. Saint-Simon e depois Proudhon propuseram - ainda que de distinta maneira -que se substituíssem os direitos do homem pelos direitos do produtor; e que a sociedade o considerasse antes de tudo como ser laborioso. E, na verdade, o produtor é um ser mais real que o cidadão. Passamos assim à esfera do trabalho considerado em todos os seus escalões hierárquicos, o que os socialistas se negam a fazer a maioria das vezes.
Nicolau Berdiaef
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Para a consciência cristã, a declaração dos direitos do homem adquire um sentido completamente distinto daquele que lhe atribui a ideologia burguesa, liberal e democrática. Segundo o cristão, não é o cidadão que goza de plenos direitos, mas o homem, como ser espiritual, como espírito livre. Os seus direitos estão, além disso, indissoluvelmente ligados aos seus deveres. A sua liberdade não é apenas uma reivindicação, mas obrigação, que implica menos o que ele próprio exige do que o que se exige dele. O homem deve ser livre; Deus assim o quer e assim o exige. Deve suportar o peso da liberdade como um ser que tivesse chegado à sua maioridade. O centro da gravidade repousa aqui sobre o homem, não sobre o cidadão.
A noção de cidadão é subordinada e secundária; pertence à sociedade politica, na qual as realidades estão tão bem mascaradas que é difícil reconhecê-las. A concepção do homem, pelo contrário, pertence ao círculo espiritual. Os seus direitos, absolutos e inegáveis, estão enraízados no mundo do espírito e não no civil e político, sempre transitório, instável e efémero. Porém, as declarações do direito não podem unicamente enunciar os direitos do homem como ser espiritual: devem aprofundar até às esferas inferiores e às mais recônditas do ser.
E é aqui que a realidade da vida económica sucede à realidade da vida espiritual.
Nesta esfera, a declaração permuta-se: na declaração dos direitos do produtor, do trabalhador, cuja noção pertence à sociedade económica e não política. É a esfera das realidades graves e austeras, nas quais se plasma a vida do homem no plano terrestre. Saint-Simon e depois Proudhon propuseram - ainda que de distinta maneira -que se substituíssem os direitos do homem pelos direitos do produtor; e que a sociedade o considerasse antes de tudo como ser laborioso. E, na verdade, o produtor é um ser mais real que o cidadão. Passamos assim à esfera do trabalho considerado em todos os seus escalões hierárquicos, o que os socialistas se negam a fazer a maioria das vezes.
Nicolau Berdiaef
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