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domingo, setembro 19, 2004

Não somos os últimos de ontem, somos os primeiros de amanhã 

O semanário "A Rua" no seu número de 1 de Fevereiro de 1978 publicou uma entrevista com dois dirigentes do Movimento Nacionalista que a meu ver constitui um importante documento para a história desse movimento juvenil que num período de cerca de dez anos protagonizou a mais espontânea e autêntica reacção da juventude portuguesa ao sistema e às ideias que convergiam na ameaça à própria existência da nação como unidade de destino com nome e projecto próprios.
Reproduzo aqui a entrevista, que foi conduzida por Miguel Alvarenga, também ele activíssimo militante nacionalista como bem se recordarão os que andaram no Liceu Rainha D. Leonor por esses anos do pós-74, com as respostas de Vítor Luís e Nuno Rogeiro, também elas cruciais para se compreender um pensamento e uma estratégia situadas nesse contexto do imediato pós-revolução, mas com fortes raízes na situação anterior e na vivência dos grupos nacional-revolucionários portugueses na fase marcelista.

“A Rua” – Como e quando surgiu o Movimento Nacionalista ?
V.L. ‑ O Movimento Na­cionalista surgiu, em Lisboa, no ano lectivo de 72/73 através da reunião de grupos de jovens universitários e pré‑universitá­rios para agir entre a juventude portuguesa de modo a mobili­zá‑la para enfrentar a grande crise que começava a despontar no país. Tratava‑se de uma con­sequência do desenvolvimento relativamente silencioso que as nossas ideias e organizações vinham experimentando desde o princípio dos anos 60.
"A Rua" ‑ E, quanto a vós, que problemas se punham ao país nessa altura?
V. L. ‑ Portugal começava a enfrentar os resultados das con­tradições existentes entre os desafios históricos que a situa­ção nos punha e uma estrutura política, económica e social que já se revelava incapaz de vencer convenientemente esses desafios.
“A Rua" ‑ A vossa acção re­sultou então da consciência de que algo de grave se produzia já bastante antes de 1974, não é verdade ?
V. L. ‑ Certamente. Para nós, a questão essencial que então se punha à nação era a de triunfar sobre os seus inimigos internos e externos, reforçando a unidade de todo o espaço nacional euro‑africano e defen­dendo a unidade de todas as parcelas como um imperativo de sobrevivência do conjunto. Paralelamente, era necessária a efectiva integração de todos os portugueses nesse projecto na­cional, realizando uma efectiva política de justiça social contra os privilégios de grupo e de cor­recta canalização de todas as energias nacionais.
"A Rua" ‑ Gostava agora que se referisse, em traços gerais, à situação da juventude nessa altura.
V. L. ‑ A juventude estava a ser deliberadamente despoliti­zada e isso era apenas um dos reflexos da ambiguidade do re­gime. Incapaz de formular com clareza os grandes objectivos nacionais, traindo o sangue e o esforço de várias gerações de combatentes, preparando a entrega pretensamente pacífica do Ultramar, cobrindo politica­mente uma sociedade apodreci­da na recusa do sacrifício, no comodismo burguês, nas espe­culações da Bolsa, ao regime in­teressava tão‑só uma geração de acéfalos "tecnocratas", indife­rentes e facilmente manipulá­veis, cuja ignorância viria, afi­nal, a revelar‑se um inestimável factor do crescimento dos gru­pos comunistas.
"A Rua" ‑ Então, a prática política dos últimos anos do regime aproximava‑o fortemente das “democracias” parlamentares europeias?
N. R. - Sim. Mas o Maio de 68, apesar dos seus desvarios anarquizantes, representou uma grande viragem no pensamento da juventude europeia, face à desagregação do estado demoliberal. Em Portugal, uma parte da geração de 60 contrapôs à "angústia existencial"' de certos "círculos bem pensantes", um optimismo revolucionário na apresentação de soluções novas. Assim, os núcleos mais politizados aperceberam-se do real alcance do problema ultramarino, que se enquadrava no aspecto mais vasto de resistência aos imperialismos e de construção de uma nova ordem social que superasse a injustiça, quer do capitalismo burguês, quer do marxismo concentracionário. Esta questão, que, por falta de informação, seria apresentada de forma deturpada à larga massa estudantil, ofuscada por um certo bem-estar e paz social, era, afinal, o ponto base da nossa luta. O M.N. e os movimentos que despontavam na altura deram um safanão no conformismo reinante. O desenvolvimento da consciência política da juventude, aliada à sua natural aversão por formas de poder asfixiantes, possibilitou a actual situação em que as formas de resistência na nível de escolas superiores e secundárias são cada vez mais expressivas.
"A Rua" - Qual a prioridade dada à vossa luta nesses primeiros anos do M.N. ?
V. L. - O esclarecimento político da juventude, não só quanto às questões essenciais como também a desmistificação da posição governamental e do falso apoliticismo com que se vestiam as organizações comunistas de massa, constituíam os eixos das nossas iniciativas. Paralelamente, lançavam-se as bases de uma organização juvenil empenhada na resolução dos problemas concretos que o sistema nos punha. Face à política derrotista dos sectores que baixavam os braços, o M.N. surgia como uma alternativa de luta realista e coerente.
"A Rua" - Entretanto surge o 25 de Abril...
V. L. - Sim. Surgiu num momento em que nos desenvolvíamos plenamente, à margem do poder. Não fomos apanhados de surpresa e a nossa resposta foi a adesão imediata ao Movimento Federalista Português, mais tarde Partido do Progresso, cujas formações juvenis constituímos em grande parte.
"A Rua" - A adesão ao P.P. e a vossa integração na estraté­gia partidária foram resultado da pressão das circunstâncias de então. Não é ?
V. L. ‑ Certo. Tornava‑se, então, necessário lutar pelo essencial, que continuava a ser a defesa possível de todo o terri­tório euro‑africano. Tão essen­cial que tinham sido, precisa­mente, as áreas africanas os ob­jectivos principais das mano­bras americanas e soviéticas contra Portugal, de que o 25 de Abril constituiu mero instru­mento.
Uma parte dos nossos qua­dros e militantes forjou‑se nos anos de 74 e 75 e todos nós reforçámos as nossas convicções e o espírito de luta no combate diário, nas prisões, no exílio. Criámos um estilo e uma implantação que sobrevi­veram ao Partido do Progresso e que hoje alastra entre as no­vas gerações.
"A Rua" ‑ Actualmente, qual a posição do M.N. face ao contexto partidário?
N. R. ‑ Somos, por forma­ção e convicção política, nacionalistas, isto é, concebemos uma realidade tridimensional, a Nação portuguesa, alicerçada nas gerações passadas, conti­nuada na geração presente, dada de herança à geração futura. Por isso, entendemos Portugal superior ao egoísmo de classes, grupos, partidos ou personali­dades, e por isso também te­mos uma visão social da reali­dade portuguesa. Face à proli­feração partidária e ao despo­tismo parlamentar, contrapo­mos algo de radicalmente dife­rente. Para nós é o "país real" que deve estar representado no poder, através das suas entida­des mais representativas (sindi­catos, municípios, escolas, etc.). Defendemos, para além disso, uma estrutura económica que não se baseie no domínio dos "trusts" multinacionais e que assegure o eficaz mecanis­mo de distribuição de rendi­mentos, apontando para uma política avançada de justiça so­cial. Defendemos, ainda, o ver­dadeiro sindicalismo, liberto da intromissão partidária. Face aos que nos apelidam de "es­querdistas", por lutarmos por tudo isto, dizemos claramente que nunca fomos capazes de pensar a nação separada do po­vo que a constitui. Àqueles que nos apodam de "fascistas", pensando insultar‑nos, lançamos, para além do nosso des­prezo, a firme determinação de nunca ceder perante a traição, a ignorância e a opressão.
De tudo isto deriva a nossa discordância em relação ao ac­tual espectro político, reflexo de um sistema injusto que se prende nas construções formais e não liga à realidade nacional. Não somos um partido nem as nossas ideias são partidarizá­veis.
"A Rua" ‑ Não se inserem, então, no esquema partidário da "direita"?
N. R. ‑ Evidentemente que não. Temos um estilo, uma éti­ca e uma atitude ideológica que nos afastam do espírito mera­mente reaccionário, meramente anticomunista, e do fulanismo tão próprios às seitas "direitis­tas" hoje muito em voga.
"A Rua" ‑ Presentemente, como orientam a vossa acção ?
V. L. ‑ Vamos prosseguir a luta de libertação das escolas, lutar pela melhoria da qualida­de de ensino, pela revogação de programas que enfermam do erro comum à grande utopia marxista e demoliberal, organizando a juventude fora dos quadros partidários, constituin­do uma grande frente de acção nacionalista independente. No campo ideológico, constituímos, precisamente, uma alter­nativa ao sistema; os seus fun­damentos têm sido desmistifi­cados pelas modernas vanguar­das da investigação científica que apresentam conclusões de grande interesse para as nossas perspectivas.
"A Rua" ‑ E, nesse campo, que contam fazer?
N. R. ‑ Contamos incre­mentar a divulgação destas ideias e operar o ressurgimento do pensamento tradicional português. O sistema que ideologi­camente se afunda mantém‑se provisoriamente vivo pela inér­cia. Está já a entrar em colapso material e a nossa tarefa é, entre as ruínas, revolucionar toda uma visão que se provou erra­da.
"A Rua" ‑ Certo. Para ter­minar, gostava de saber qual a vossa atitude política em rela­ção à actual situação...
V. L. ‑ Não nos comprome­temos nem nos comprometere­mos em objectivos imediatos que passem pela colaboração com as forças políticas domi­nantes. As manifestações dos dois últimos "10 de Junho" e a nossa participação activa na grande manifestação do 1º de Dezembro, representam o nos­so encontro com o desconten­tamento e a revolta nacional, ultrapassando os partidos e os políticos volúveis e oportunis­tas. De certo modo, somos uma voz do povo revoltado que quer uma vida melhor sem, pa­ra isso, se vender nem trair a História nacional.
Há forças suficientes para reconstruir a nação. Há que reuni-las num grande projecto nacional e patriótico. Tudo faremos por isso. Não somos os últimos de ontem, somos os primeiros de amanhã.


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