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domingo, novembro 28, 2004

CARACTERÍSTICAS DO FASCISMO 

Muita coisa se tem escrito nestes últimos dias, na imprensa da capital, a propósito da vitória do Fascismo em Itália. Conta-se a história do Fascismo, recordam-se as lutas dos últimos tempos, diz-se qual será a sua acção política, administrativa, fazem-se previsões, ora tétricas, ora esperançosas, sobre o seu futuro, mas ignora-se ou esquece-se a parte doutrinária e construtiva do seu programa que foi exactamente o que faz reunir em volta do chefe Mussolini o escol dos seus partidários.
Acusa-se o programa fascista de confuso, de incompreensível e até de contraditório, mas, que nos conste, a imprensa portuguesa ainda não apresentou um esboço sequer desse programa.
Áparte a interessante e erudita polémica travada nas colunas de A Época entre o sr. Santa Cruz e dr. Rolão Preto, têm-se escrito verdadeiras barbaridades sobre o que é o Fascismo...
Ora qual é a doutrina fascista?
Abstemo-nos de apreciações, de conjunturas, de fantasias. Vamos determinar as bases dessa doutrina unicamente à face dos textos, dos documentos onde essas bases ficaram consignadas.
Cremos tratar-se duma novidade para os nossos leitores, perdidos no meio de tantas opiniões contrárias e de tantas informações falsas.
As bases doutrinárias do Fascismo foram publicamente expostas pelo seu chefe supremo, hoje presidente do conselho, no Grande Conselho Fascista realizado em Novembro de 1921 no Teatro Augusteo de Roma.
Desse longo discurso que os jornais de toda a Itália reproduziram e comentaram, vamos destacar aquelas inequívocas passagens em que Mussolini definiu o princípio directivo do movimento fascista.
O ponto de partida da doutrina fascista, concretizou-o Mussolini nestas palavras:
«Em política partimos do conceito de Nação, facto inegável e insuperável. Estamos pois em posição de aberta antítese contra todos os internacionalismos.»
O Fascismo é pois inicialmente e dogmaticamente nacionalista. Mas a afirmação que causou maior espanto foi esta:
«Nós somos liberais em economia mas não somos liberais em política. Quanto tivermos conseguido enterrar o liberalismo político, teremos salvo a Nação.»
Daqui se infere que o Fascismo é abertamente contra o liberalismo em política e que é contra o liberalismo porque pretende salvar a nacionalidade.
Continuando:
«Eu penso que ignorar o passado significa em primeiro lugar ignorar a nossa história, que é a história do povo. Mas, se é ridículo abstrair do passado, é, por outro lado, absurdo aferrar-se ao passado e não se mover de posições históricas pretéritas».
Foi por estas palavras que Mussolini começou um dos seus discursos no Congresso de Roma. Vemos pois que o Fascismo, depois de ser anti-liberalista, porque é nacionalista, é tradicionalista porque é italiano, é tradicionalista porque é popular. Tradicionalismo saudosista? Não, evidentemente, mas entendendo a tradição como a de Bourget: «A permanência na continuidade, porque tudo o que é repousa sobre tudo o que foi». Expresso por outras palavras, é este o pensamento de Mussolini.
É certo que o Fascismo, sendo tradicionalista, inicialmente não era monárquico, mostrava-se independente de formas de governo. Mas é preciso notar que a tradição italiana não é monárquica, que a monarquia unitária em Itália tem apenas cinquenta anos e que o Fascismo, tal como o nacionalismo integral francês, veio concluir pela Monarquia por razões históricas e teóricas que Benito Mussolini invocou no seu famoso discurso pronunciado em Udine em Setembro deste ano. O Duce fascista acusou a monarquia italiana de não ser «uma monarquia bem monárquica» e disse ser necessário conservar o trono da casa de Saboia como «um ponto firme» em volta do qual se fariam as várias transformações preconizadas no programa fascista.
No recente Congresso de Nápoles, Mussolini afirmou ser necessário «libertar o trono de todas as sobreposições que asfixiam a função histórica desse instituto».
Anti-democrático o Fascismo? Sem dúvida. Além de aparecer na imprensa do partido consignada várias vezes essa afirmação, o seu chefe deu-o a entender claramente nestas palavras proferidas no congresso de Nápoles:
«Ao contrário do que afirmam os demagogos do socialismo, com as massas trabalhadoras não se pode contar para criar alguma coisa verdadeiramente grande e duradoura na história dum país».
Mas é anti-parlamentarista o Fascismo? É este um ponto obscuro do programa de Mussolini e aquele que afasta o grande partido nacionalista italiano do nacionalismo integral da Action Française. Na imprensa fascista aparecem doutrinas divergentes e no congresso de Nápoles Mussolini disse apenas isto:
«O parlamento, senhores, é o grande armário da democracia que nada tem e vive à custa do instituto monárquico. Mas nós não queremos privar o povo desse brinquedo. Chamo-lhe brinquedo porque a maior parte do povo italiano o toma como tal. Não acabaremos com ele. No fundo, o que nos separa da democracia é a nossa mentalidade e os nossos meios de acção.»
Onde o Fascismo tem uma doutrina definida é no campo económico. Mussolini definiu-a em Novembro de 1921 por estas palavras:
«Somos hoje declaradamente anti-socialistas... Somos anti-socialistas, mas não anti-proletários.» E depois de se manifestar contra os monopólios continuou:
«Proletariado e burguesia são nominalismos não existentes historicamente. Não existem só duas classes, existem duzentas.»
Esta frase ficou célebre e foi firmados nela que os sindicatos nacionalistas, reunidos em Milão no começo deste ano, deliberaram ingressar em massa no Fascismo, dando-lhe um total de 700.000 proletários filiados.
Os sindicatos nacionalistas, constituídos como os preconiza Georges Valois, é que deram ao Fascismo a grande vitória da última greve geral.
Economistas nacionalistas propõem uma legislação severa que proíbe a constituição de sindicatos políticos, regulando a formação dos sindicatos profissionais e sua representação no parlamento.
Esta é a mais curiosa experiência que o Fascismo deve realizar.
Para terminar digamos que Mussolini, que nos conste, nunca se referiu às relações do Fascismo com a Santa Sé. No entanto, somos levados a crer que, sendo o Partido Fascista tradicionalista e anti-democrático, não pode implicitamente ser contra a Igreja.
Periódicos fascistas como Il Giornale di Roma revelam-se abertamente católicos. Os senadores católicos firmaram, em Setembro último, um importante documento em que manifestaram a necessidade do partido popular se aproximar das facções nacionalistas. E por último a entrada de políticos populares na constituição do actual gabinete fascista é prova de que o Fascismo não pode hostilizar os sentimentos católicos da Itália, antes se alia e se confunde com eles.
Oxalá o triunfo retumbante do Fascismo — que é um grande triunfo do nacionalismo e do conservantismo sobre as várias cambiantes da fauna democrática, desde os mansos partidos constitucionais até aos bravos comunistas — possa resolver o grave conflito travado há mais de 40 anos entre a Santa Sé e o Estado italiano, conflito que tem enclausurado no seio de Roma, o Representante da instituição que o Fascismo é o primeiro a reconhecer ser «a maior potência espiritual do mundo.»
Caetano Beirão
In A Época, n.º 1188, pág. 1, 04.11.1922
(repare-se que o presente artigo foi escrito poucos dias após a chegada ao poder de Benito Mussolini. Com uma extraordinária precisão, o autor desenhou logo o que viria a ser a evolução política da incógnita fascista. Até o Tratado de Latrão ele viu ao longe!)

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