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terça-feira, novembro 30, 2004

ELE, O TEMPO E A JUVENTUDE 

No prefácio que escreveu para o Tomo IV da edição das Obras Completas de Robert Brasillach, do Club de L'Honnête Homme, nota Jean Anouilh que ao poeta de Fresnes se podem aplicar aqueles versos de Péguy que falam do jeune homme bonheur qui voulait danser e do jeune homme honneur qui voulait passer.
Esta observação do autor das "Nouvelles Pièces Noires" sintetiza admiravelmente as facetas de Brasillach, as linhas essenciais do seu pensamento e da sua obra, os dois ciclos em que se divide a sua existência, as constantes que desde o pátio de recreio do Louis-le-Grand ao fosso de Montrouge, não deixam de o acompanhar, temperando-se, estreitando-se, fundindo-se tantas vezes...
Jeune homme bonheur empreende a aventura de toda a Juventude, a sua própria descoberta. Ser jovem requer aprendizagem, combate, conquista. O encontro com a Juventude, entrevista naqueles lugares comuns que constituem a tipologia sentimental dos 18 anos, as tardes de Abril, a cor dos olhos da colegial que acedeu ao convite para um passeio na cidade velha, o momento em que por um imperativo consuetudinário se chega à conclusão da identidade de gostos, creio que tudo isto ele conheceu e viveu...
Com a irmã Suzanne e os amigos Maurice Bardèche, José Lupin, Thierry Maulnier, Roger Vailland, calcorreou Paris dos romances populistas e dos filmes de René Clair, frequentou o teatro dos Pittoëff, pesquisou nas margens do Sena os escaparates dos bouquinistes. É a época de Fulgur, essa mirabolante novela a quatro mãos, cada um escrevendo um capítulo, no qual Thierry Maulnier, hoje membro da Academia, narrava num “estilo imitado de Hugo e Flaubert, uma grande batalha naval em que a frota afegã batia a Home Fleet inglesa”, das partidas de bridge disputadas num quarto em “desordem repugnante” das conferências a favor dos Poldevos, esse imaginário povo oprimido, vítima do amor acrisolado que devotava à democracia, das intermináveis discussões onde, com o tranquilo dogmatismo da mocidade, se escalpelavam celebridades e arrumavam bolinhas de papel aos bustos dos antigos. Florence tem 15 anos, René chegou a Paris, a tempestade ainda vem muito longe.
Mas os anos fáceis da douceur de vivre, cuja recordação ficou em "Notre Avant-Guerre", passam depressa. A partir dum certo momento o mundo separa-se em dois campos. Brasillach escolhe: “Víamos um imenso movimento de renovação que se tornava a religião de milhões de homens que acreditavam na sua Pátria”. Como ficar indiferente à magia que daqui se desprendia, quando hoje, mau grado as brumas de esquecimento e os ensinamentos dos vencedores, sentimos o mesmo fluxo de entusiasmo percorrer-nos as artérias, o orgulho acicatar-nos a vontade, a fé invadir-nos o espírito ao recordarmos esses tempos em que a Europa desperta de um letargo de séculos, os homens eram capazes de combater e de morrer de sorriso nos lábios, sem ódio simplesmente...
O estilo é talvez outro. Agora fazemo-nos adultos mais depressa e os nossos heróis são mais obscuros. Os soldados tombados em Angola ou na Guiné, na Indochina ou na Argélia, são combatentes anónimos, ignorados pelas multidões, o seu epitáfio só poderá ser aquela divisa dos Requetés que diz que Deus vê o sacrifício de todos, mesmo o dos mais humildes... Seria muito exigir-se romantismo à nossa geração, contemporânea de tantas humilhações e transigências do Ocidente. Os que vivem no exílio sem terem conhecido o reino, ou se refugiam em sonhos e abdicam, ou endurecem nas intempéries e vão até ao fim.
Jeune homme honneur Brasillach escolhe um caminho e segue-o sem pestanejar, sem hesitar, jusqu‘au bout. Chefe da redacção de "Je Suis Partout", faz a reportagem da guerra civil em Espanha, “lugar de todas as audácias, de todas as grandezas, de todas as esperanças”... Tem 30 anos, a idade da razão, da lucidez: “le seul mot qui puisse resumer cet âge, sa seule raison d‘être, en amour comme en politique, c‘est donc la lucidité. Si elle ne sait pas qui elle est, si elle ne sait pas ce qu‘elle veut, la trentièmme année n‘a pas raison d‘être. A d‘autres l‘enthousiasme de l‘illusion, la certitude qui n‘a jamais doute d‘elle même. Pour nous, notre seul mérite dans tous les domaines est de nous être acceptés et d‘avoir choisi”.
Depois tudo é vertiginosamente rápido. A guerra, o cativeiro, a ocupação, a libertação, a derrota. Cem mil franceses, como trezentos mil italianos, como um sem-número de homens e povos por toda a Europa, pagam com a liberdade e a vida o crime de terem perdido, de terem escolhido le mauvais cotê.
Brasillach é condenado à morte. O pedido de indulto assinado por dezenas de intelectuais e escritores de esquerda, entre os quais Mauriac, Aragon e Camus, é recusado pelo chefe de Estado. A IV República não precisava de poetas...
Jeune homme honneur aguarda tranquilamente a hora do sacrifício, que chega na manhã do dia 6 de Fevereiro de 1945. São estas as suas últimas palavras: “Diz-se que o sol e a morte não se olham de frente. Porém, eu tentei... Nada tenho de estóico e é duro separarmo-nos do que amamos. Procurei, apesar disso, não deixar uma imagem indigna aos que me viam ou pensavam em mim...
Nas últimas noites reli a narrativa da Paixão em cada um dos Evangelhos. Orava muito e sei que era a oração que me permitia um sono tranquilo. De manhã o capelão veio dar-me a comunhão. Eu pensava com ternura em todos os que amava, em todos os que tinha encontrado no decorrer da existência. Sentia pena pela sua dor. Mas procurava o mais possível aceitar”.
Jaime Nogueira Pinto

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