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quinta-feira, novembro 25, 2004

EU, SS TINTIM 

Segue-se um trabalho da jornalista Sara Adamopoulos publicado há anos n'O Independente: uma entrevista com Léon Degrelle, o modelo que inspirou Tintim.

Com Hergé morto e Tintim imortal, eis que o antigo general das SS, Léon Degrelle, tem a ousadia de escrever: «Tintim sou eu». E assim, o último oficial nazi que assume o seu uniforme, que aplaudiu Hitler e ajudou à ocupação nazi da Bélgica, deixa ficar mal o seu eterno amigo Hergé. E, ainda em pior estado, o herói da B.D. mais lido do mundo.
A Associação dos Amigos de Tintim, em representação dos seus muitos associados espalhados por esse Mundo fora, protesta. O antigo general das Waffen SS, Léon Degrelle, fundador do Partido Rexista belga, tem a ousadia de afirmar nas suas memórias: «Tintim sou eu». E a verdade é que, fisionomicamente, a semelhança tem cabimento, para além mesmo do pormenor das calças de golfe que Degrelle reclama suas. Se o Tintim envelhecesse poderia muito bem ser assim. Eis a história de uma saga que começa e acaba com o século: a de dois homens unidos pelo único adversário que De Gaulle encontrou à sua altura: Tintim.
Que Hergé foi óbvia e inevitavelmente influenciado pelos tempos que corriam, tal facto é natural à luz do mero senso-comum. Diz-se de Hergé que foi anticomunista (Tintim no País dos Sovietes), antiamericano (Tintim na América), colonialista (Tintim no Congo). Terá o criador de Tintim sido ou não colaboracionista, that`s the question.
É um velho colosso, este filho pródigo de Marte, hoje com 86 anos. Vive em Puerto Banus, cerca de Málaga, num 8.º andar, rodeado de medalhas e fotografias do Fuehrer. Os espanhóis, que o acolheram em Dezembro de 1944, chamam-lhe D. José Ramirez Reyna. Nos anos 30, na Bélgica, jovem natural de Bouillon que após ter chumbado três vezes no último ano de Direito na Universidade de Lovaina se convertera aos seus dotes de orador e iniciara uma carreira política prometedora. Primeiro como jornalista, depois como editor e, finalmente, como fundador do Partido Rexista, em 1934. Aos 86 anos de idade, Degrelle é o último chefe nazi vivo. Que é um louco desvairado, não há dúvidas. Mas a perturbação de que padece é a mesma de todos os seguidores de Hitler. A senilidade não se lhe adivinha ao telefone. Do outro lado do fio é um velho senhor educado e charmeur que me atende. Um ancião com um passado nazi exemplar.
Após várias apologias do nazismo e relatos de guerra publicados pela controversa editora Ogmios em França, o antigo Volksführer belga prepara-se para publicar uma nova versão das suas memórias. Versão que está a dar muitas dores de cabeça à Associação dos Amigos de Tintim. O livro chama-se Tintim, Mon Copain e estará à venda no final deste mês. São mais de duzentas páginas em que Degrelle conta como serve de modelo a Hergé para que este criasse Tintim.
A outra personagem desta história chama-se Stéphane Steeman e é o presidente da Associação dos Amigos de Hergé. Vive em Bruxelas numa casa que se metamorfoseou com o decorrer do tempo num museu de Hergé, onde se empilham centenas de originais, documentos e todo o tipo de objectos relativos a Tintim.
No Verão do ano passado, Degrelle telefonou a Steeman indagando sobre o seu interesse em ler um certo e determinado manuscrito sobre Tintim. O que Steeman fez, tendo logo depois seguido para Espanha, em virtude das alterações que ele, Steeman, julgava necessárias para que o livro de Degrelle não manchasse a memória de Hergé.
Com efeito, muitos dos passos do manuscrito de Degrelle sujavam a memória e a reputação do repórter do Petit Vingtième. Ali se descobre um Milu interessado na política e um primeiro capítulo que relata o encontro de Degrelle com o Fuehrer, intitulado Tintin Chez Hitler. Steeman está decidido: é preciso convencer o velho a renunciar à ideia.
E é assim que no princípio do mês de Outubro de 91 se iniciam as negociações entre as duas partes. Steeman exige modificações, Degrelle insiste em manter o texto, zanga-se, depois aceita, recusando contudo a maior parte. Estamos a 3 de Outubro de 91. Após um dia e meio de acesa discussão, os dois vão beber um copo. Eis senão quando dois turistas belgas reconhecem Steeman e abordam os homens. Degrelle, visivelmente vexado por os turistas não o terem reconhecido, apresenta-se, para grande estupefacção dos mesmos. Alguns dias mais tarde, o semanário satírico belga Pan publica a informação.
O encontro entre os dois homens é primeira página em muitos jornais belgas. Steeman é apelidado de colaboracionista e de traidor. E, como se não bastasse, a investigação feita sobre o seu passado leva os jornalistas a escreverem sobre o pai de Steeman, o escritor S. A. Steeman, autor do Quai des Orfèvres e de L`Assassin Habite au 21, que publicara ainda antes da guerra vários trabalhos na editora Rex, a editora fundada por Degrelle.
Este episódio teve o condão de reavivar suspeitas sobre Hergé. Se o presidente da Associação dos Amigos de Hergé vai para os copos com o fundador do Rexismo, então Hergé era mesmo colaboracionista e Tintim uma personagem fascizante.
Independente — Tintim, mon Copain é a verdadeira história do jovem repórter do Petit Vingtième ou a sua?
Léon Degrelle — O meu livro Tintim, mon Copain vai tornar pública não só a verdadeira história de Hergé e a minha mas as duas, pois as nossas vidas coincidiram fraternalmente, fraternalmente reencontrando-se sempre, quer na imensidão das Américas, ao longo dos milhares de quilómetros da frente russa ou no amargo exílio espanhol. Não se trata pois da vida de um dos dois comparsas, mas sim da vida de dois cúmplices, um deles criando a partir do imaginário e o outro construindo a partir da realidade, movidos através das circunstâncias mais imprevistas por entusiasmos e reacções idênticas.
Independente — Você foi levado a fazer algumas modificações no manuscrito original do seu livro. Quais foram e porque é que aceitou fazê-lo?
L. D. — É normal para um escritor retomar vezes sem conta o seu texto, corrigindo expressões menos hábeis, acrescentando episódios esquecidos. Boileau explicou este processo com grande mestria: «Ao longo da vossa tarefa questionem vinte vezes a vossa obra, se necessário; limem-lhe e relimem-lhe as arestas tantas vezes quantas as necessárias.» você quer fazer crer que me obrigaram a fazer modificações no meu livro. Aqui entre nós, não é de todo o meu género deixar-me intimidar. Mas tenho, em contrapartida, o gosto pela exactidão. Antes de remeter o meu manuscrito ao meu editor, reli-o e melhorei-o cerca de meia-dúzia de vezes. Quis depois submetê-lo ao maior conhecedor de Hergé e Tintim sobre a Terra, o senhor Stéphane Steeman. Não nos conhecíamos. Mas Steeman é uma criatura encantadora. Fez de avião (coisa que ele detesta!) a viagem Bruxelas-Málaga com o objectivo de reler comigo o meu rascunho. Passámos três dias absolutamente encantadores, pois Steeman é divertido, tem humor e um coração do tamanho do Mundo. É certo, ele assinalou uma ou outra incorrecção na récita, uma ou outra data inexacta, uma ou outra interpretação duvidosa sobre os acontecimentos. Coisas pequenas. Um dos títulos de um capítulo do meu livro incomodava-o, não logo no começo (ou seja, em 1929) mas mais ou menos a meio da minha prosa, no momento em que Hitler ocupa a Bélgica. Quando intitulei o capítulo Tintim em casa de Hitler, não queria de modo algum dizer que Hergé se havia deslocado para se encontrar com o Fuehrer (ele nunca o viu na vida, nem de longe nem de perto). O capítulo intitulou-se assim porque se passava durante a ocupação da Bélgica pelos alemães. Para ser mais preciso, e para agradar a Steeman, meu maravilhoso convidado, substituí o meu Tintin em casa de Hitler por Tintim no tempo de Hitler. O que não impediu os mais importantes pontífices da grande imprensa de esquerda (que não leram uma linha do meu livro, desconhecido de toda a gente, menos de Steeman!) de alardearem modificações supostamente feitas sob ameaça! Você própria, que também não conhece a obra que vou publicar, insistiu nesta questãozinha pérfida. Francamente, é mesmo a sério? Eu próprio consultei Steeman para que não fossem publicadas incorrecções, por mínimas que pudessem ser. Burilámos juntos o meu texto, no meu terraço ensolarado frente ao grandioso mar. Saboreámos juntos, em clima de grande jovialidade, as iguarias finas e os vinhos velhos da minha despensa. A que se deve pois esta mania de querer sempre que os interlocutores se afrontem, se confrontem, lutem com unhas e dentes? Uma conversa é antes de tudo um prazer e não uma batalha. Tenho para mim que os adversários mais acalorados, desde que sejam honestos, são sempre bem-vindos. Seria obra do diabo se entre convivas com ideias divergentes não houvesse um único ponto em comum — a pintura, a música, a poesia ou a filosofia. Foi precisamente o que aconteceu comigo. E isso acontece com certeza consigo também. Quando se é vertical e bem formado não se convertem as libélulas em aviões de caça e qualquer contacto humano é possível, na maior parte das vezes interessante e sempre enriquecedor.
Independente — Tintim é um jovem aventureiro, determinado, audaz e muito charmoso. Reconhece-se nestes traços da sua personalidade?
L. D. — Não me arriscaria a auto-atribuir-me o qualificativo de «muito charmoso». Seria necessário perguntar à minha mulher. Conhece com certeza o provérbio que diz que quem se assemelha faz parelha. Logo desde o início da nossa juventude, Hergé e eu «emparelhámos». Mesmo no exílio, como poderá ver no meu livro. Hergé foi um companheiro admirável, não só meu mas de todos os nossos compatriotas perseguidos depois de 1945. Teve mesmo a coragem de afirmar muito claramente à imprensa: «Degrelle foi um herói.» Ora, nestes tempos de ódio quase demoníaco, era virtualmente obrigatório afirmar pública e caluniosamente que eu havia sido um «criminoso de guerra»! Hergé teve a extrema coragem de enfrentar os mais baixos insultos proferidos a meu respeito..
Independente — Existe ou não uma moral no Tintim? Qual?
L. D. — Bem entendido que sim. Tintim é o símbolo da coragem, da bravura, do desenrascanço, mas também da lealdade, da fidelidade e, sobretudo, da generosidade, da entrega, da boa acção quotidiana. Sempre generoso. Sempre vertical. Muitos jovens de hoje só teriam a ganhar se seguissem o seu exemplo, em vez de se amontoarem nas discotecas ou de arrancarem as malinhas-de-mão das velhinhas indefesas lá do alto dos seus bólides barulhentos.
Independente — Se você é Tintim, quem é Haddock?
L. D. — O capitão Haddock era uma das vinte personagens que Hergé introduziu com o decorrer do tempo na sua panóplia. Haddock era, toda a gente sabe, um tipo firme e inabalável até na bebida. Personagem imaginária, não sei lá muito bem a quem poderia assemelhar-se. Talvez a Churchill, verdadeira esponja de champanhe e de wiskhy. De blusão curto, com o seu posterior reluzente e alvo, de taça Dom Pérignon em riste, Churchill bebia abundantemente desde o nascer do dia. Conheci-o pessoalmente, convidou-me aliás um dia para jantar com ele no restaurante da Câmara dos Comuns. Dessa vez, posso assegurar-lhe que estava em mangas de camisa e que o álcool não parava. Queria num paralelo, ei-lo. Espero que se considere satisfeita.
Independente — Hergé afirmou nunca ter sido na sua vida rexista e acrescentou mesmo que tinha uma profunda aversão pelo partido que você fundou. Queira comentar.
L. D. — Aonde é que você foi desencantar tamanho disparate? Pode submeter-me cinco linhas assinadas por ele que contenham tal afirmação? Histórias miseráveis que os jornalistas contam. No meu livro encontrará, muito pelo contrário, testemunhos muitíssimo comoventes sobre sentimentos que o uniam a mim, mesmo dezenas de anos passados sobre 1945, quando apodrecia no fundo do meu exílio. Aí, mais uma vez, trago a verdade, directa e escrita, e não sensacionalismos de imprensa, simplesmente lançados tal e qual, sem escrúpulos de qualquer espécie, no meio da grande salada jornalística.
Independente — Quais foram as suas relações com Hergé quando este se recusou a colaborar na qualidade de ilustrador para a propaganda do Fuehrer na Bélgica?
L. D. — Mais uma vez, como é possível sair-se de novo com uma tal enormidade? Após a desfeita na Bélgica na Primavera de 1940, quando Hergé retomou a publicação das suas pranchas, não tinha qualquer tipo de contacto com ele pela simples razão de que toda a gente me julgava morto desde o dia 21 de Maio de 1940! Nesse dia, com efeito, crime de guerra de que nunca se fala, 21 dos meus pobres companheiros de camião celular, unicamente culpados de terem, tal como eu próprio, defendido a neutralidade belga, foram entregues pelos polícia belgas aos desvairados franceses e assassinados com grande crueldade, nomeadamente com baionetas, perto de um quiosque da cidade francesa de Abbeville. Entre os cadáveres irreconhecíveis julgaram reconhecer o meu. A notícia foi primeira página de toda a imprensa. Que tipo de relação poderia ter tido Hergé com aquele cadáver tão prontamente reconhecido? Quanto à pretensa colaboração de Hergé «na qualidade de ilustrador da propaganda do Fuehrer na Bélgica», ultrapassa as raias do disparate. Hergé nunca foi propagandista, sob qualquer forma, de Adolfo, «o Vencedor». Nunca tal lhe foi sequer proposto, nem a ele nem a qualquer outro cidadão belga. Hitler não precisava de propagandistas naqueles países: as suas vitórias, fabulosas, conseguidas num estalar de dedos, na Polónia, na Dinamarca, na Noruega, na Holanda, na Bélgica e em França, em 1939 e em 1940, dispensavam-no de ter recorrer a Tintim para assegurar a sua propaganda. Aliás, quem era nessa altura Tintim, praticamente desconhecido, para pretender fazer papel de flautista de Hitler, num momento em que a imensa vaga dos seus exércitos acabava de inundar todo o Ocidente?!
Independente — Você foi, quando jovem, jornalista. Em 1940, sob a ocupação, na qualidade de líder do Partido Rexista, você controlou a totalidade da imprensa belga. Quais eram as virtudes que encontra nesse tipo de imprensa?
L. D. — Permita-me dizer que aqui você bate todos os records de efabulação. A Bélgica inteira, relembro-lhe, julgava-me morto. E isto semanas depois de a totalidade da imprensa belga ter reaparecido. E mesmo quando dois meses mais tarde o morto que eu era desde Maio de 40 ressuscitou, não exerci qualquer tipo de controlo sobre a imprensa belga, nem mesmo sobre a minha imprensa, que essa nem sequer tinha reaparecido! Enquanto «líder do Partido Rexista» não tinha, morto ou vivo, qualquer tipo de controlo a exercer. Em nome de quem? Com que virtude? Parece-me que você ignora que o movimento rexista (nunca fomos um partido) foi um partidário absoluto da neutralidade. Uma guerra, qualquer que fosse, não poderia nunca valer a infelicidade e a morte de milhares de belgas, esmagados entre os dois pólos do conflito. Contrariamente aos alemães e franceses, que esses, no meio de grande confusão, podiam em caso de vitória arrecadar territórios e granjear lucros. A nossa atitude neutral valeu-nos aliás muitos conflitos com os dois lados: do lado da polícia francesa, que se precipitou sobre nós a 10 de Maio de 40, torturando e mesmo, em 21 casos assassinando; e do lado alemão, que então nos havia considerado como um impedimento para atacar todo o Ocidente! Isto para dizer que éramos quase considerados pelo Reich como indesejáveis. A tal ponto, que as autoridades alemãs fizeram calar a imprensa belga. A situação da Bélgica em Agosto de 1940 permanecia incerta, apesar dos 90 por cento de belgas que se precipitaram aos pés dos alemães, na esperança de obter favores! Abstive-me, pois, de qualquer tipo de intervenção desse género. Abstive-me, inclusive, de qualquer contacto com o comando alemão na Bélgica, do general von Falkenhauser. Nunca o vi uma única vez na minha vida, mesmo quando fui combater para a frente russa, no mês de Agosto de 1941. Para mim, nenhuma solução para o caso belga poderia ser tomada antes de falar pessoalmente com Hitler. Foi para isso que me voluntarizei como simples soldado contra o comunismo, a fim de poder um dia conversar, de guerreiro a guerreiro, com o Fuehrer. Foi o que aconteceu, após inúmeros combates e ferimentos, quando Hitler me colocou ao pescoço o colar da Ritterkreuz. Nesse dia, obtive do chefe do III Reich, um destino digno na Europa do futuro, fosse na Bélgica ou no Ocidente inteiro! Mas em 1940 era demasiado cedo. Limitei-me a publicar o meu diário Le Pays Réel, após ter solicitado e recebido autorização do rei Leopold III. E, mesmo assim, fui muito cuidadoso: não me queria comprometer na qualidade de director do meu jornal. O meu nome limitar-se-ia aliás a aparecer como Léon Degrelle, Fundador.
Quanto à questão sobre «as virtudes que encontro nesse tipo de imprensa», que você me coloca com um jeitinho irritado, eis a minha resposta. Recriada a partir dos conselhos do rei dos belgas, essa imprensa — foi de uma dignidade exemplar. Foi conduzida por jornalistas dotados de um patriotismo impecável. Mantiveram o melhor que podiam o moral dos seus compatriotas. Deveriam, aliás, ter sido, após Setembro de 44, honrados e condecorados, por terem cumprido dignamente o seu dever em circunstâncias quase impossíveis. O próprio Churchill, nas ilhas anglo-normandas uma vez libertadas, remeteu ordens nacionais aos ex-colaboradores e enobreceu mesmo alguns deles, em vez de os fuzilar como aconteceu na Bélgica, por culpa de um bando de pequenos criminosos, cheios de ódio, que se quiseram vingar dos seus quatro anos de inacção.
Independente — Você criou o movimento rexista para limpar a Igreja Católica de toda a contaminação política. Não concorda que a Igreja é desde sempre a primeira e grande fomentadora deste tipo de doença?
L. D. — Você está a ir um pouco longe de mais. Quem a ouvir falar, pode até pensar que foi você que criou o Rexismo e que, como tal, tudo sabe sobre o assunto! O Movimento Rexista foi criado para limpar a podridão, não da Igreja Católica, mas de todos os partidos políticos. Católico fervoroso, comecei, por honestidade, por fazer contas com os políticos que se abrigavam sob a etiqueta do catolicismo. Uma vez cumprida esta primeira fase, lancei-me com a mesma violência, sobre os políticos dos outros partidos belgas, liberais ou socialistas, que pilhavam o público e a nação. Se pudesse, voltaria a fazer o mesmo, e com forças redobradas, para desmascarar todos aqueles que sob uma máscara democrática, se entregam, hoje ainda mais do que então, às piores negociatas político-financeiras por toda essa Europa. Que seja em Itália, e especialmente em Milão, a golpes de milhares de liras exigidas aos industriais, sob a forma de pagamento obrigatório, e arrecadadas, indistintamente, por todos os partidos. Ou em França, onde políticos de todas as facções fazem razias incrivelmente lucrativas no momento das grandes adjudicações municipais ou das concessões de grande contratos, que se apressam logo a manter reservadas ao pessoal político! Ou ainda em Inglaterra, onde um gangster como o judeu Maxwell pôde arrecadar impunemente somas impensáveis retiradas da caixa de pensões dos trabalhadores! Ou, para abreviar, mesmo em Portugal, onde, logo que Salazar desapareceu, o açúcar democrático encontrou rapidamente amadores gulosos. O gangsterismo político-financeiro é o fruto directo do sistema democrático, onde o risco de não reeleito é constante e leva os sobreviventes do regime a querer o mais rapidamente possível a um devir financeiro confortável.
A Europa está hoje apodrecida por essas pilhagens, perpetuadas em grande em todos os países sem excepção. Colocar, como você faz, essa doença nos ombros da Igreja Católica, releva de um anti-clericalismo quase insólito, nesta hora em que a Igreja Católica está praticamente despolitizada, seja na Alemanha ou em França, países onde as lutas anti-clericais foram especialmente vivas. Você diz com muita audácia que a Igreja é a culpada por este estado de coisas. Qual terá a sido a mosquinha sectária que a picou? A única e toda poderosa corrupção — mas isso você nunca o aceitará — é aquela que nasce desde sempre no seio dos regimes podres, saída como uma larva da irresponsabilidade democrática que hoje se arrasta e baba por essa Europa inteira. Misturar a Igreja com tudo isso é incorrecto. Esta Igreja, onde abundaram os Apóstolos, os Santos e os milhares de fiéis que votaram vidas inteiras aos deserdados, Igreja, hoje um pouco por todo o lado, apolítica. Ela arrisca-se mesmo, hélas, a tornar-se cada vez menos existente em termos de instituição, num momento em que as últimas questões espirituais e morais que subsistem no mundo deveriam, pelo contrário, levantar-se, com um vigor tornado santo, para desmascarar o gangsterismo das falsas democracias de hoje.
Independente — Franco, Mussolini, Salazar. Pensa que poderiam ter um lugar na Europa dos nossos dias?
L. D. — Na «Europa dos nossos dias», como você diz, Hitler teria 102 anos, Franco, 100; Mussolini, 109; e Salazar 103. O que impossibilitaria qualquer lugar, não acha? Esse lugar, se nós tivéssemos ganho a guerra, teriam sido sem sombra de dúvida eles próprios a criá-lo, e depois a legá-lo. No Outono de 1942, quando atingimos o cume do Cáucaso, a Europa estava virtualmente feita. Reunia, dos Pirinéus ao Volga, 450 milhões de habitantes. Em poucos anos, a unidade moral desses povos complementares teria sido realizada. O seu desenvolvimento, estendendo-se por milhares de quilómetros, teria assegurado a todas as energias, a todas as imaginações criativas, possibilidades excepcionais. Teria dado trabalho a 16 milhões de desempregados, que hoje vegetam, miseráveis, por essa Europa dialogada de hoje. Mas, sobretudo, teria animado com uma grande Fé, os 600 mil jovens europeus não-alemães, que enfim se teriam conhecido e compreendido durante os anos de combate na Frente de Leste, os quais, unidos aos seus camaradas alemães, teriam sem dúvida assegurado, na dignidade e no respeito, a grande solidariedade europeia. Mas não. Houve quem preferisse vegetar no universo dos 20 mil funcionários do Mercado Comum (muito comum), líder impassível do materialismo actual. Considera-se satisfeita? Nesse caso deve ter um carácter de ouro e felicito-a.
Independente — Segundo afirmações suas, as câmaras de gás serviram apenas para limpar os judeus das pulgas, piolhos e outras doenças. Será que milhares de indivíduos foram mortos por engano?
L. D. — Até quando continuarão a regressar a este assunto em toda e qualquer entrevista, quando muitos já deram, inclusive, como provável o facto de nenhuma dessas câmaras de gás homicida ter existido em estado de funcionar? Fica-se com a impressão que você nunca deve ter lido uma única linha da obra do americano Leutcher, o grande especialista das câmaras de gás nos Estados Unidos, que se deslocou ele próprio a Auschwitz e a outros campos do ex-III Reich a fim de estudar cientificamente o mui controverso problema. Com a sua equipa de investigadores, examinou com minúcia cada pequeno detalhe das ditas câmaras, cada porta, cada tecto, cada parede, cada junção. Levaram com eles para os Estados Unidos várias amostras dos materiais, submeteram-nos a avançados estudos laboratoriais, para finalmente concluir que nenhuma dessas supostas câmaras de gás havia funcionado um só instante que fosse. Deixo-lhes a responsabilidade deste veredicto. Mas é evidente que qualquer investigador honesto deverá ter isso em conta. Encontro em si, permita-me afirmá-lo, como aliás num grande número de judeófilos acalorados, a vontade, não de saber, mas de Não Saber. Existem pelo menos 100 livros de eminentes especialistas, ditos revisionistas, franceses, italianos, austríacos, alemães, americanos, livros consagrados a este problema. «Não viu o Holocausto?», retorquiu-me um dia um propagandista das câmaras de gás, limitando o seu conhecimento da matéria a um amontoado de imagens cinematográficas. Digo-lhe a si, que li toda a obra escrita sobre este assunto pelos propagandistas de Auschwitz. Na minha biblioteca, possuo e consulto, comparo oitenta mil páginas consagradas por eles a esta matéria. Tento ver uma luz na escuridão, tento atingir a verdade. Porque é que os de gás não fazem o mesmo? Porque sabem que seriam confundidos ou invadidos pela dúvida. E receiam de tal modo isso que se protegem com leis de excepção (nomeadamente a Lei Gayssot em França), que interditam, sob pena de prisão e de vultosas multas, a promoção de qualquer dúvida sobre o assunto. A ausência de argumentação por parte daqueles que queiram refutar a ideia é de tal modo propagandeada, que se torna necessário recorrer à chantagem dos tribunais, fundamentalmente anti-democráticos, para evitar que o assunto, francamente duvidoso, seja levado a público.
Há anos que me debruço sobre este melindroso assunto, e digo-lhe que peso sempre as minhas palavras. Mas uma vez que insiste, digo-lhe que sim, que existiram, durante o III Reich, câmaras de gás, que serviram para matar piolhos e pulgas, verdadeira calamidade que infestava, em quantidades fabulosas, milhões de prisioneiros russos. E assumo o risco de blasfémia ao assinalar que tal aconteceu também entre as multidões israelitas. O embaixador francês em Varsóvia, senhor Léon Noel, no seu livro A Agressão Alemã contra a Polónia, descreveu, horrorizado, o espectáculo de milhares de bicharocos daqueles que infestaram os ghettos polacos. Era, pois, do interesse de todos que tais estações de limpeza existissem para libertar os prisioneiros e internados de guerra daquelas horripilantes pragas de bicharocos portadores das piores doenças e epidemias. E, aliás, eles não eram os únicos habitantes dos campos de concentração. Nós, os soldados da Frente de Leste, também lá estávamos e também éramos infestados pela bicharada. A cada regresso da Frente soviética, éramos obrigados a descer do comboio em todos os postos fronteiriços, nomeadamente em Litmanstaat, para nos dirigirmos em colunas para as câmaras de gás, onde éramos abudantemente desinfectados. Só de lá saíamos algumas horas depois para recolher as nossas roupas, também elas por sua vez desinfectadas. Só depois disso, éramos autorizados a partir para os respectivos países, abandonando os piolhos ao triste destino dos outros piolhos de todos os campos do Reich.
Independente — Como é que vê os recentes movimentos nacionalistas de jovens skinheads?
L. D. — Francamente, que espera você que lhe diga? Esses tais jovens skinheads, pelos quais me parece tão interessada, não me interessam de todo a mim. Visivelmente, você gostaria imenso de mos colocar aos ombros! Nunca vi jovens diferentes daqueles que você própria vê, em verdade pouco numerosos, utilizados como out-doors publicitários nalguns jornais provocadores, ou ainda ostentados na televisão para horrorizar os corações impressionáveis no final dos jogos de futebol. Tudo isso é, aqui entre nós, cinema de má qualidade. Esses detentores de crânios rapados a que chama skinheads não se assemelham a nós mais do que nós nos assemelhamos a eles. Quando se vai buscar essas histórias de rapados anónimos, é porque não se tem mais nada de jeito para falar.
Independente — Como é que explica que a raça ariana tenha encontrado o seu líder na pessoa de um indivíduo austríaco (muito provavelmente de origem judia), moreno e pequenote?
L. D. — Então segundo você, o facto de Hitler ser moreno e pequeno impedia-o automaticamente de promover a raça ariana! Fico até consternado por verificar que é tudo o que você acha pertinente sobre a questão das raças. Hitler era pequeno? Hitler só era pequeno segundo os seus critérios, arianos, sem dúvida. Era moreno? Liquidada segunda vez! Milhares de alemães e de austríacos são morenos. Tremo só de pensar na expulsão racial que atingirá aqueles que não são louros, nem morenos, mas carecas...! Para si a questão resume-se a um problema escalpe/cabeleira, à imagem do conselho de revisão e de coloração capilar, como no cabeleireiro! Fico consternado. Na universidade, se você apresentasse argumentos tão pobres como esse numa defesa de tese, teria com certeza um zero e quanto a mim, não poderia oferecer-lhe flores à saída. As flores, são aliás por vezes vasos nas suas palavras.
Quando fala de Hitler, a jovem mulher que você é (Sarah, como a mãe de Abraão) converte-se instantaneamente num touro violento e barulhento! A que se deve esse furor cego? Hitler, que você qualifica amavelmente como um indivíduo, trata-se, se não estou em erro, do mesmo Hitler que em 1933 foi levado democraticamente ao poder pelos seus eleitores alemães e que foi, de ano a ano, plebiscitado pelo Reich por mais de 90% dos habitantes. Por alturas do referendo do Sarre, em 1935, organizado esse sob o estrito controle dos exércitos aliados que ocuparam durante quinze anos aquele território alemão, esse seu indivíduo conseguiu 91% dos sufrágios. Será que o senhor Miterrand conseguiu alguma vez os votos de noventa por cento dos franceses? E o senhor Bush com os eleitores americanos ou o senhor Major na Grã-Bretanha? Conseguiram, quanto muito, um pouco mais de cinquenta por cento dos sufrágios e quantas vezes escamoteando os votos dos trinta ou quarenta por cento de abstencionistas que, fartos daquilo tudo, já nem querem votar. Na realidade são esses mentores eleitos com um terço dos votos que decidem sobre a vida dos dois outros terços. É isso a democracia! Em cinco anos, o seu indivíduo realizou a unificação política, social, moral dos povos alemães, estabeleceu a paz social, a reconciliação das classes, remeteu ao trabalho (o que nunca nenhum democrata conseguiu) seis milhões de desempregados, criou milhares de quilómetros de auto-estradas, fez do seu país a primeira potência económica da Europa. O seu indivíduo conseguiu em cinco anos milagres extraordinários! Se você não o diz, a História encarregar-se-á de o fazer. São milagres sem par numa Europa cansada do século XX que, em 1939, as democracias da luta de classes quiseram estrangular, ridicularizadas que estavam pelo triunfo na Alemanha de uma democracia real. Democracias secundadas pelo hiper-capitalismo, também ele posto em causa pelo sucesso financeiro alemão, libertado por Hitler da ditadura internacional do dinheiro. Democracias, enfim, postas em causa pelo belicismo racial de errantes milenários, furiosos de ver a Europa moderna ser construída sem eles. Decidiram pois eliminar Hitler do planeta.
Que fez então o seu indivíduo? Encarou, com o seu povo, o mundo inteiro durante seis anos. Os polacos do Coronel Beck iam chegar a Berlim em duas ou três semanas? Foram eles que foram literalmente varridos em duas ou três semanas! Os ingleses iam estrangular o norte do Reich conquistando a Noruega? Foi novamente o indivíduo de que gosta tanto que tomou, num estalar de dedos, a Noruega. E também a Dinamarca, uma vez que ficava de caminho. Seria a França que viria a dominar o seu indivíduo? «Venceremos porque somos os mais fortes!», gritava o ministro Reynaud, um nabo, com cabeça de vietnamita achatada por um tractor. O sinistro indivíduo Hitler, que inventara, para vergonha de todos os velhos estrategos anquilosados, uma nova ciência da guerra, juntando à massa de blindados a massa de aviões e varrendo em três dias a armada francesa! Em dez dias chegou ao mar do Norte, em cinco dias entrou em Paris, numa semana chegou aos Pirinéus. O seu indivíduo era pelo menos de uma agilidade fantástica! Em Junho de 41, liquidou em duas semanas os Balcãs, do Danúbio ao Peloponeso e até à Ilha de Creta.
Não restou outra alternativa aos ingleses e americanos do que lançar os sovietes contra Hitler, alinhando nas fronteiras do Reich oriental cinco milhões e meio de homens, preparados para submergir a Europa de um momento a outro. E mais uma vez o seu indivíduo esteve à altura dos acontecimentos. Lançou-se de imediato para Estalinegrado, a Norte, para Smolensk, a Leste, para Dnieper, a Sul, fez milhões de prisioneiros. E no ano seguinte Donetz, Don, e depois do Volga, até ao Cáucaso. Nem mesmo um De Gaulle, no meio das ruínas de Estalinegrado, pôde impedir-se de afirmar a sua admiração, ao ver onde Hitler havia chegado!
E a Europa, entretanto? Em três anos, Hitler realizara uma unificação da Europa bastante mais ampla do que aquela que Napoleão tentara criar. 450 milhões de europeus encontravam-se desde 42 reunidos numa mesma unidade territorial, europeus que Hitler deveria aliás alimentar e dirigir até ao fim das hostilidades. E quem asseguraria a união moral para além disso? Na Frente, 600.000 jovens voluntários não-alemães estavam prontos para essa tarefa. Representavam cada nação do continente, alinhados nas 38 divisões das Waffen SS e iam depois da guerra assegurar, nos seus respectivos países, o respeito pela diversidade e a personalidade de cada um destes povos. Em dez anos, harmonizar-se-iam as diferenças. Não teria havido nem um único desempregado na Europa, os países poder-se-iam desenvolver num espaço aberto a todos, de dez mil quilómetros de largura, do Mar do Norte ao Pacífico. Tudo isto foi concebido, preparado e realizado pelo seu indivíduo.
Hitler foi o maior estadista deste século. O que foram, ao lado dele, um velho olheirento como Churchill, que perdeu o Império Britânico, um perturbado mental como Roosevelt ou mesmo um De Gaulle, que nunca ousou ir até ao fim das suas reformas e que, acima de tudo, deixou desvanecer-se em fumo o esplêndido império que levava a glória da França a todo o universo? Hitler foi o génio integral. Você, modesta jornalista, trata-o como indivíduo. Se mais ninguém pudesse dizer enormidades desse tipo, a vida tornar-se monótona.
O mundo moderno, amontoado de impostos, de escândalos, de corrupções e de um materialismo galopante, tem por vezes necessidade de sorrir e de se descontrair. Ríamos, pois, daqueles que sobre esta Terra não são nada, ou quase nada, e que cheios de soberba pretendem espezinhar aqueles que realizaram uma obra grandiosa, sem paralelo na vida do Universo. Para terminar, você diz que o seu indivíduo era muito provavelmente de origem judia. Antes mesmo da guerra, alguns brincalhões reunidos lançaram esse disparate. O Daily Mirror, em 14 de Outubro de 1933, o Paris Soir, a 5 de Agosto de 1939, e, enfim, já depois da guerra, um padre sem calças de nome Jetzinger. Há muito tempo que essa história foi desmascarada. O mais sabedor dos historiadores filo-judeus, Werner Masser, pulverizou a teoria. Diz ele, na sua obra Hitler, Adolf, da maneira mais categórica, que nunca foi estabelecida qualquer afinidade com um procriador judeu.
Mas se isso lhe dá prazer, não hesite. Instale um Hitler judeu entre os profetas hebreus no interior das sinagogas. De qualquer maneira, ele fará melhor papel do que um pequeno Shamir qualquer.
Independente — Qual é a história de Tintim que prefere?
L. D. — É, incontestavelmente, Tintim no País dos Sovietes. Porque Hergé foi muito particularmente com este álbum um precursor, denunciando Estaline como o mais selvagem dos assassinos do século, enquanto alguns o apresentavam como um Messias e que o poeta Aragon proclamava: «Ó grande Estaline, Tu que fazes renascer o homem, Tu que fazer florir a Primavera...» Em 1975, Miterrand cantava ainda a glória da U.R.S.S. «sobretudo porque a sua revolução foi feita a partir de análises que nos são próprias». O Tintim de Hergé, por seu lado, desmascara logo em 1929 a ignomínia comunista, hoje feita em farrapos, mas, infelizmente, liquidada demasiado tarde, uma vez que os prejuízos são hoje irreparáveis.
Foi seguindo o exemplo de Tintim que partimos em 1941 para a U.R.S.S. com o objectivo de aniquilar aquele regime diabólico e de trazer vinte povos admiráveis para uma comunidade europeia. Em 42 tudo era possível. O nosso esforço para libertar aqueles países foi deitado por terra, não por um comunismo, que reduzido a si próprio teria sido inexoravelmente varrido, mas por um fanatismo aberrante de um Roosevelt que foi, logo antes de Estalinegrado, o grande fornecedor de armas e material dos soviéticos. Foram ainda os americanos que levaram Staline a Berlim, entregando-lhe, como escravos, 100 milhões de europeus de Leste. De 1945 a 1990, os americanos pagariam a factura daquela aberração, que lhes custaria centenas de milhares de dólares, em armamento nuclear, antes de terem assistido à queda da U.R.S.S., hoje desfigurada e sem dúvida irrecuperável durante muito tempo.
Independente — Diz-se que Hergé foi colonialista, anti-semita e nazi. Que pensa de tudo isto?
L. D. — Hergé era já colonialista antes de 1940, à semelhança de toda a gente. Ou seja, sensível ao papel da Europa entre povos que tinham necessidade do socorro material, de ordem, de um princípio de cultura. Tudo isto numa atmosfera de jovialidade. Não existe uma só palavra que possa ferir ou menosprezar os povos de cor, nos milhares de desenhos de Hergé. A guerra, aliás, não liquidou o colonialismo. Os americanos vencedores limitaram-se a dar a volta a uma ordem colonial que deveria ter prosseguido a sua acção durante mais cinquenta anos, até poderem ser formadas as elites capazes de lhe suceder. Os americanos arruinaram esta receita mundial, para subtrair a cinquenta países bruscamente tornados acéfalos, grandiosos ganhos económicos, a qualquer preço que fosse, tal como se viu no massacre com napalm de mulheres e crianças do Vietname ou na gigantesca matança dos civis do Iraque, perpretada sob a capa hipócrita da democracia, para assegurar o controle dos petróleos orientais e a manutenção da ditadura mundial dos Estados Unidos, desprezando todas as leis internacionais fundamentais.
Quanto ao anti-semitismo de Hergé, posso apenas dizer que em toda a sua obra encontramos apenas cinco ou seis narizes em gancho. Há algum tipo de anti-semitismo nisso? Com que então agora é proibido rir dos atributos divertidos? É verdade que Hergé se divertiu uma ou outra vez com o seu Blumenstein. Será que o Judeu se transformou numa criatura sagrada? Intocável? Que se profana, ao cometer-se o crime de rir por causa do nariz? Esta susceptibilidade toca as raias do ridículo. Os judeus deveriam divertir-se com os desenhos de Hergé, em vez de se chocarem dramaticamente. No dia em que o pintor Labisse fez um retrato da minha pessoa particularmente mordaz, apressei-me a conservar uma reprodução na minha colecção. Olho para ela de tempos a tempos, sempre sorridente. Diga pois aos seus israelitas que façam o mesmo.
E, finalmente, Tintim era ou não nazi? Não lhe respondo. Não tem outro remédio senão esperar pelo meu livro. A surpresa, tê-la-á folheando-o. Está decepcionada? Não ficará por muito mais tempo.
Independente — É a favor ou contra a Europa federalista? Que pensa de toda a polémica actual em torno do Tratado de Maastricht?
L. D. — Não acredito na comédia de Maastricht. Há quarenta anos que se cortejam os europeus com a pretensa Europa do Mercado Comum, uma Europa de funcionários, uma Europa materialista de comerciantes de sopa, que não corresponde em nada às aspirações morais dos povos. A esta altura do campeonato, desconhecem-se ainda a composição dos pratos que eles confeccionam nas nossas costas. No que respeita especificamente ao Tratado de Maastricht, diluído em centenas de páginas de erratas, é mais do que nunca a ignorância que reina. Mesmo que o sim aconteça num ou noutro referendo, como por exemplo na Irlanda, é um falso sim que sai das urnas, acordado por 60% de eleitores materialistas, a quem foi dito que o seu país receberia milhares de ecus do Mercado Comum se eles votassem bem. Mas esses mesmos 60% apenas foram conseguidos porque 45% se abstiveram de votar! Mais uma vez, é apenas um terço dos irlandeses que disseram sim. No resto da Europa passa-se o mesmo.
Quando as multidões querem ver aprovado um projecto, devem sentir que há um ideal que o precede e que o projecta vinga, como um geiser, saído direitinho da sua sensibilidade e não de uma passividade morna. Depois da derrota da Europa de Hitler, prometeu-se a todos a lua e as estrelas. As democracias trouxeram-lhe a corrupção, entregando-se à caça do lucro fácil, e expandindo por todo o lado um materialismo desmoralizante. Demoliram famílias, aniquilaram a ideia de solidariedade, liquidaram o respeito por toda a moral. As pessoas aguardam, sem grande fé. Os políticos já não precisam de nada disso, uma vez que deixaram há muito de acreditar. Tacteiam em vão nos seus bolsos esvaziados. Que se vote em 92 a favor de Maastricht ou que se rejeite o tratado, não tem muita importância: de qualquer das maneiras é uma falsa Europa, de onde sairá uma máquina do tipo industrial enferrujada, incapaz de criar o futuro.
Algumas horas antes de morrer, Hitler proferiu esta amarga frase: «Fui a última chance da Europa». Será que é assim? Perante um futuro particularmente armadilhado, a Europa não representará no século XXI mais do que 6 ou 7% da humanidade. Os Estados Unidos, que querem brincar aos fortalhaços, estão minados por problemas económicos, sociais, raciais, e por um materialismo que os devora literalmente. Podem, com efeito, no século XXI, desmoronar-se tão bruscamente como aconteceu com a U.R.S.S. Quanto à África, grangrenada física e moralmente, será aniquilada pelos seus cem milhões de sidosos. Ao inverso, a imensa Ásia, com os seus três biliões de seres inteligentes, sóbrios, trabalhadores, formados na dura e esplêndida escola social do Japão, terá o papel principal no próximo século. Perante eles, que representarão os 20 milhões de peões europeus dos gabinetes de Bruxelas, com as suas lutas intermináveis, que esburacam cada vez mais as reservas de cada país? As perspectivas não são encorajantes. Terá a Europa alguma hipótese de sobreviver e manter-se à tona? É problemático.
A actual fórmula das democracias, com todos os seus homenzinhos irresponsáveis, à mercê dos humores de uma opinião pública desgastada, é portadora de todas estas catástrofes. É preciso ter esperança, claro, mas a Europa está muito longe do objectivo inicial. Para o atingir, tudo tem de mudar. Apenas um chefe, um verdadeiro, escolhido, amado e apoiado pelos povos, poderia, in extremis, salvar a jogada. Mas estamos longe. Não acredite se lhe disserem que na vida tudo se resolve. Às vezes tudo se desmorona. A Grécia desmoronou-se. O grandioso Império Romano desmoronou-se. A Europa, transformar-se-á, ela própria, no próximo século, num pântano onde os povos exaustos e cansados terão perdido tudo?... Tudo depende da vontade dos homens, da aparição de um verdadeiro chefe, e também de Deus, de quem você não parece gostar lá muito e que contudo tudo decide.
O meu livro Tintim, mon copain é a história conjugada do criador duma personalidade imaginária e de um homem de acção, ainda vivo, muito vivo, que juntos quiseram criar esta Europa, que há cinquenta anos poderia ter sido salva. Um dia, talvez nos arrependamos amargamente de, em 1945, as nossas bandeiras não terem triunfado!
(Sarah Adamopoulos, In O Independente, caderno Viver n.º 98, 26 de Junho de 1992, págs. 18 a 22)

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