sábado, novembro 27, 2004
LIBELO CONTRA A DIREITA CONSERVADORA
Não se trata de defender uma atitude de pura destruição, nem de anarquismo, nem de futurismo desgarrado, nem de progressismo utópico ou que vai sumir-se no ventre da esquerda, nem de revolução total e cega. Existem valores permanentes, realidades a conservar, naturezas a assumir, existem coisas que se transmitem, com justiça, através dos tempos e no concreto.
O que eu combato é a posição de rotina e o materialismo prático. Insurjo-me contra a mediocridade (quer seja dourada e espampanante, quer seja frugal e austera), a mediocridade esperta ou burra, a mediocridade sentada, a mediocridade de pedra e cal. O conservador lembra comida de conserva, enlatada; e intoxica. O conservador possui uma boa escrita, contabiliza; muito previdente, não se arrisca a perder nem se vota a sonhos e grandes empreendimentos de alma. O conservador pensa na arca e na barriga. O conservador opõe-se, no fundo, ao espírito, ao espírito ilimitado e viajeiro; de espírito, só admite um grão de sal, para não parecer animal de todo, mas a vasta substância é matéria, grave, pesada, a suar e resfolegar experiência. Tem pé de chumbo, pupilinha acesa, abundosa nádega roçando na lareira ou encaixada na poltrona dum conselho de administração.
O conservador, como o porco, defende a gamela e, se tem ambições, é a de uma gamela maior. Burocrata, administrador, tecnocrata, aí o vemos sempre sensato. Detesta qualquer espécie de loucura. Teme, despreza, censura e combate os apaixonados, os idealistas, os desmedidos. Não percebe a raça de gente como Afonso Henriques, Nun`Álvares, os descobridores, os bandeirantes, Afonso de Albuquerque, os conjurados de 1640, Mouzinho de Albuquerque, Camões. Engalinha especialmente com os poetas, com os artistas, lunáticos inveterados, quando a conservação está em refocilar bem os pés na terra. Aí, sim!
Dizem que o conservador pertence às direitas. Talvez, mas então será a sua degradação e caricatura, a sua doença e o criminoso da família. Porque nem toda a direita é aquilo. Aliás, eu não me interessa que nos coloquemos simplesmente nas direitas. O fascista real — e não aquele que pintam — situa-se para além de direitas e esquerdas. Em primeiro lugar, porque as não reconhece legítimas; em segundo lugar, porque descende de umas e outras; em terceiro lugar, porque alcançou uma posição mais avançada.
A direita conservadora quer a tranquilidade e a segurança — e para isso venderá a alma ao diabo e acabará enterrando na adega quantos ideais houver. Não admite é sobressaltos, violências, extremismos. Tem um arrepio e lança uns protestos indignados, quando conspurcam as glórias pátrias, atacam a nossa herança ultramarina, fazem a demolição ciclónica da religião, ameaçam frontalmente dissolver a família, ou clamorosamente, em regabofe, praticam e trombeteiam o amor livre. Mas se a coisa vier docemente, empantufada, com flores e por aliciantes arroios — com boas maneiras, sim! —, já o caso muda de figura. A direita conservadora fica a escutar violinos, ao canto da lareira, a ver televisão ou ronronando, tolera, fecha os olhos, abranda, deglute o bolo às migalhas e acaba por ser habituar. Sobressaltos, violências, extremismos é que não!
A direita conservadora é moderada. Claro que existem coisas más, feias, indignantes. Mas não é preciso reagir de dentuça arreganhada, ao tabefe e com pulso de ferro, ou de arma aperrada e fulgurante. Claro que o espírito e o ideal são precisos e bons; mas não exageremos, nem vamos perder o sossego e o bem estar, em aventuras, perigos e aflições, por causa das ideias, de espiritualismos e quejandos enxoframentos de adolescente cabeça ardorosa.
A direita conservadora não quer pensar muito; nem sentir muito. Disso, um condimentozinho, apenas; q. b. Livra, que doses altas podem tirar o sono ou dificultar a digestão! Portanto, adoram um governante que pense por ela, como ela sensatamente, tolerante, de fino trato, prático, livre da terrível praga da ideologia; e que sinta? Também sim, que sinta que ela, direita conservadora, não quer sobressaltos e que não se importa de deslizar para qualquer banda, no caso de ser sem prejuízos materiais e sem violências. A direita conservadora é centrista e, assim, voga, beatamente, se preciso, segundo os ventos da História — mas sem o dizer.
A direita conservadora é um molusco. E no entanto, resulta num penhasco gigantesco e obstrutor para o movimento revolucionário de Justiça e Ideal.
Goulart Nogueira
In «Política», n.º 19, pág. 6, 30.09.1970
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O que eu combato é a posição de rotina e o materialismo prático. Insurjo-me contra a mediocridade (quer seja dourada e espampanante, quer seja frugal e austera), a mediocridade esperta ou burra, a mediocridade sentada, a mediocridade de pedra e cal. O conservador lembra comida de conserva, enlatada; e intoxica. O conservador possui uma boa escrita, contabiliza; muito previdente, não se arrisca a perder nem se vota a sonhos e grandes empreendimentos de alma. O conservador pensa na arca e na barriga. O conservador opõe-se, no fundo, ao espírito, ao espírito ilimitado e viajeiro; de espírito, só admite um grão de sal, para não parecer animal de todo, mas a vasta substância é matéria, grave, pesada, a suar e resfolegar experiência. Tem pé de chumbo, pupilinha acesa, abundosa nádega roçando na lareira ou encaixada na poltrona dum conselho de administração.
O conservador, como o porco, defende a gamela e, se tem ambições, é a de uma gamela maior. Burocrata, administrador, tecnocrata, aí o vemos sempre sensato. Detesta qualquer espécie de loucura. Teme, despreza, censura e combate os apaixonados, os idealistas, os desmedidos. Não percebe a raça de gente como Afonso Henriques, Nun`Álvares, os descobridores, os bandeirantes, Afonso de Albuquerque, os conjurados de 1640, Mouzinho de Albuquerque, Camões. Engalinha especialmente com os poetas, com os artistas, lunáticos inveterados, quando a conservação está em refocilar bem os pés na terra. Aí, sim!
Dizem que o conservador pertence às direitas. Talvez, mas então será a sua degradação e caricatura, a sua doença e o criminoso da família. Porque nem toda a direita é aquilo. Aliás, eu não me interessa que nos coloquemos simplesmente nas direitas. O fascista real — e não aquele que pintam — situa-se para além de direitas e esquerdas. Em primeiro lugar, porque as não reconhece legítimas; em segundo lugar, porque descende de umas e outras; em terceiro lugar, porque alcançou uma posição mais avançada.
A direita conservadora quer a tranquilidade e a segurança — e para isso venderá a alma ao diabo e acabará enterrando na adega quantos ideais houver. Não admite é sobressaltos, violências, extremismos. Tem um arrepio e lança uns protestos indignados, quando conspurcam as glórias pátrias, atacam a nossa herança ultramarina, fazem a demolição ciclónica da religião, ameaçam frontalmente dissolver a família, ou clamorosamente, em regabofe, praticam e trombeteiam o amor livre. Mas se a coisa vier docemente, empantufada, com flores e por aliciantes arroios — com boas maneiras, sim! —, já o caso muda de figura. A direita conservadora fica a escutar violinos, ao canto da lareira, a ver televisão ou ronronando, tolera, fecha os olhos, abranda, deglute o bolo às migalhas e acaba por ser habituar. Sobressaltos, violências, extremismos é que não!
A direita conservadora é moderada. Claro que existem coisas más, feias, indignantes. Mas não é preciso reagir de dentuça arreganhada, ao tabefe e com pulso de ferro, ou de arma aperrada e fulgurante. Claro que o espírito e o ideal são precisos e bons; mas não exageremos, nem vamos perder o sossego e o bem estar, em aventuras, perigos e aflições, por causa das ideias, de espiritualismos e quejandos enxoframentos de adolescente cabeça ardorosa.
A direita conservadora não quer pensar muito; nem sentir muito. Disso, um condimentozinho, apenas; q. b. Livra, que doses altas podem tirar o sono ou dificultar a digestão! Portanto, adoram um governante que pense por ela, como ela sensatamente, tolerante, de fino trato, prático, livre da terrível praga da ideologia; e que sinta? Também sim, que sinta que ela, direita conservadora, não quer sobressaltos e que não se importa de deslizar para qualquer banda, no caso de ser sem prejuízos materiais e sem violências. A direita conservadora é centrista e, assim, voga, beatamente, se preciso, segundo os ventos da História — mas sem o dizer.
A direita conservadora é um molusco. E no entanto, resulta num penhasco gigantesco e obstrutor para o movimento revolucionário de Justiça e Ideal.
Goulart Nogueira
In «Política», n.º 19, pág. 6, 30.09.1970
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