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sexta-feira, dezembro 03, 2004

6 de Fevereiro de 1945! 

Somos alguns poucos em Portugal os que não deixam passar um único aniversário desta data sem que se lhes aperte um pouco o coração e sem que na intimidade silenciosa dos seus ânimos não seja evocada com comovida saudade a memória deste poeta fuzilado.
Brasillach representa para nós algo mais que um magnífico talento literário ou um camarada de combate pleno de vigor que nos precedesse na luta. Para nós, acima de tudo, ele é o escritor que melhor soube compreender a beleza e a alegria da juventude e a melancolia dos que a vêem afastar-se irremediavelmente. Por isso, se exaltamos e admiramos outros — pensadores, panfletários, artistas —, é só nalgumas páginas de Brasillach que nós, os da geração que atingiu os trinta, descobrimos aquelas notas profundamente humanas e pessoais capazes de penetrarem em profundidade no nosso espírito e nos nossos sentimentos. E também por isso, se apreciamos, como o merecem, os seus romances, se consideramos as suas críticas modelares, se aderimos inteiramente aos seus mais provocantes artigos atentatórios da tranquilidade das consciências “bem pensantes”, a verdade é que lhe preferimos o livro de imagens e evocações intitulado "Notre Avant Guerre", onde, com uma emoção e uma ternura de que mais ninguém era capaz, ele recorda os tempos que precederam a última conflagração e durante os quais, em companhia dos seus amigos, descobriu, com o ardor dos vinte anos, o mundo, a literatura, o cinema, o Fascismo.
Em "Notre Avant Guerre" está um pouco de todos nós, da nossa mocidade — embora passada sob céu diferente —. Apesar das distâncias, apesar das diferenças de época, algo de comum nos liga a Brasillach como a um irmão mais velho que, antes de nascermos, tivesse abandonado a casa paterna. E, assim, quantas e quantas vezes, ao lermos e relermos as páginas em que, com uma amena e doce calma, nos descreve a sua vida de estudante, as suas amizades, os seus entusiasmos, os seus primeiros triunfos, sentimos em nós o eco das recordações análogas, embora infinitamente mais modestas.
Sim! Também fomos jovens e tivemos camaradas. E se não percorremos as ruas de Paris nem andámos sob os tectos da Escola Normal nem discutimos desde Deus até à "L’Action Française" com Bardèche, Thierry-Maulnier, José Lupin, o certo é, porém, que na fantástica e encantada Coimbra, por noites de inverno e noites de verão, falávamos de omne re scibili e, igualmente, Maurras e os seus estavam presentes nas nossas furiosas controvérsias.
Não conhecemos René Clair, nem vimos "Le Million", e "À Nous la Liberté", e de "Sous les Toits de Paris" unicamente aprendemos de um disco envelhecido a suave melodia que acompanha o filme. Mas não deixou de ser para nós algo de extraordinário a descoberta de "Le Silence est d‘Or" e, mais para diante, de "Les Grandes Manoeuvres" e de "Porte des Lilas", com a sua discreta, sorridente e fina melancolia.
Não assistimos ao Hamlet representado por Georges e Ludmilla Pitoëff. Lembramo-nos, todavia, do momento inolvidável em que nas telas de modestos cinemas de província Lawrence Olivier nos mostrou Hamlet e Henrique V e Ricardo III, abrindo os nossos olhos para a compreensão do milagre shakespeareano.
Não colaborámos num "Je Suis Partout" com Pierre Antoine Cousteau, Lucien Rebatet, Alain Laubreaux, Henri Lèbre, André Algarron, Robert Andriveau, André Nicolas; contudo, alinhávamos prosas em pequenos jornais de polémica e doutrina a que demos o melhor do nosso esforço, do nosso entusiasmo, da nossa fé.
Não convivemos com Charles Maurras ou Henri Massis. No entanto, se não visitámos o autor da "Anthinea" na prisão ouvindo-o discorrer acerca do comunismo, da Provença, da França, e se não percorremos as ruas de Montmartre com o ensaísta da "Défense de l‘Occident" que evocava os pintores barbudos de 1900 e recordava Péguy e Barrès, ali, na Madre de Deus, no poente de algumas tardes de outono, escutámos quem muito bem podia ombrear com eles: Alfredo Pimenta; com frases despretensiosas mas incisivas, expunha-nos o seu próximo comentário político para "A Nação", descrevia-nos a fundação da "Acção Realista", falava-nos da Europa vencida, da destruição do Ocidente, dos culpados de tantas ruínas e iluminava-nos as rotas do pensamento e da acção.
Não presenciámos la dure floraison des jeunesses nationalistes, não percorremos a Espanha em guerra, a Itália de Mussolini, nem estivemos no Congresso de Nuremberga, nem na Frente Leste com a Legião de Voluntários Franceses anti-bolchevista; não deparámos com o Fascismo nas suas horas altas de triunfo, imensa maré cheia que invadia o continente com os seus desfiles imensos, as saudações de braço estendido, a oratória inflamada, as milícias armadas, os cânticos e os estandartes multicolores, os campos de trabalho e as viagens, a mística da Nação e do Chefe. De tudo isso só guardamos umas vagas lembranças relativas ao conflito espanhol: os cortejos com donativos para Franco, a notícia de alguns compatriotas que partiam para a luta, o cerco do Alcazar, a criação da Legião e da Mocidade Portuguesa, as atrocidades vermelhas.
De qualquer modo, porém, foi para nós o Fascismo, como o foi para Brasillach, o encontro supremo, a revelação inesquecível da nossa juventude: sim esse Fascismo que víamos caluniado, prostrado, perseguido, difamado, humilhado e não sob o sol exaltante da glória. E que nos importava isso! Vencedor ou vencido, era sempre o mesmo Fascismo, com o seu ethos de camaradagem viril, o seu gosto da grandeza, o seu desdém dos valores burgueses, a sua apologia da coragem e da disciplina, o seu alto idealismo, a sua exaltação do que é sóbrio, sadio, nobre, a sua aspiração à unidade, à totalidade, ao universal.
No Fascismo nos encontramos plenamente com Brasillach ao comungarmos todos, por inteiro, na atmosfera daquela revolução que foi a Revolução do século XX e que, seja o que for que as propagandas digam ou proclamem, representa um dos mais altos momentos da história do espírito humano.
As evocações e imagens de "Notre Avant Guerre" tiveram a sua conclusão brutal com a condenação do seu autor. Sobre a ocupação, sobre a sua prisão, deixou-nos duas obras mestras: "Journal d‘un Homme Occupé" e "Lettres Écrites de Prison". Aí, o drama de Brasillach ergue-se a alturas onde já não é lícito segui-lo senão com uma admiração recolhida e uma veneração sincera.
Brasillach soube ser digno de quantos nele acreditaram, soube ser fiel até ao fim. Fidelidade profunda e íntima a sua, e não apenas ditada pelo pudor de se não renegar perante ameaças; poucos dias antes do seu processo, em carta, escrevia. “Quant a l‘éssentiel, je n‘ai pas changé”. Certo, já não acreditava na eficácia da acção nem na possibilidade de salvar o seu país nem até, talvez, que este merecesse ser salvo. Porém, a devoção pelas suas ideias proscritas e pelos seus camaradas (Le Drapeau Noir et les Copains), essa, mantinha-se intacta. As atitudes que tomou frente aos juízes não foram, pois, uma demonstração apenas de valentia e de panache. Foram a expressão viva do que lhe ditava a consciência.
Destemido, incapaz de aceitar as soluções de menor risco, Brasillach afrontou corajosamente o pelotão de execução. Ao contrário do que tantas vezes acontece, não foi pela sua bela morte que a sua vida tomou significação e nobreza. A morte esplêndida veio tão só coroar uma vida plena de estilo e dignidade. Nunca um tão belo morrer teve um tão belo viver a corresponder-lhe.
Passaram-se, no rodar dos tempos, os aniversários do dia fatídico em que Brasillach deixou de estar entre nós. Jamais esquecemos até agora, e creio bem que jamais esqueceremos no futuro, o valor sem par do seu exemplo e do seu sacrifício.
Desdenhava ele os espessos bens deste mundo mas apreciava com funda estima tudo o que na terra havia de terno e suave. Quando a tragédia se avizinhou, tinha já passado aquela idade juvenil e louca em que a todo o instante se espera e deseja a aventura e o perigo.
Não foi, pois, com o ímpeto cego e temerário da mocidade estreme que Brasillach se precipitou nos braços revoltos dos acontecimentos. Pelo contrário! Muitas coisas guardava no coração que não desejava perder. Todavia, sem que o dissesse com largos e retóricos gestos, sem que o proclamasse atroadoramente, ele, com a sua discreta e ingénita delicadeza, entendia que acima de tudo estava um certo modo de pensar e existir, pelo qual valia a pena até sucumbir e perecer.
Não era um estóico desdenhoso de quanto o circundasse. Sofria ao ter de abandonar os entes que amava. Nada o deteve, contudo, no caminho que traçara a si próprio. Com serenidade grave aceitou o destino cruel que se lhe oferecia, sem um queixume, sem uma fraqueza.
6 de Fevereiro de 1945!
António José de Brito

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