quarta-feira, dezembro 29, 2004
BRASILLACH AL PAREDÓN
— UM IRREMÍVEL PECADO DA FRANÇA —
Se datas há que não podem deixar de ser lembradas por nós anualmente sob pena de incorrermos num imperdoável pecado de omissão para com elas e para com aquilo, sobretudo, que representam, o 6 de Fevereiro de 1945 é incontestavelmente uma dessas datas.
Faz anos que a França se desembaraçou pela lei da bala de um dos seus filhos mais incómodos, mais exemplares — e mais dotados —. Faz anos que caiu, de pé, no fosso de Montrouge, varado pela salva de um pelotão de fuzilamento, um dos maiores artistas literários europeus de todos os tempos. Concretamente. Faz anos que De Gaulle caprichou em mandar abater a tiro de rajada Robert Brasillach. (Parece que é sina dos grandes poetas morrerem às mãos dos maus prosadores de patente militar...)
Estava-se numa França de hetacombe e mais “ocupada” (a matar-se...) do que nunca.
Com o pesadelo da chamada “Libertação” — há-de notar lapidarmente Maurice Bardèche — a nação gaulesa tinha contraído o mau (o péssimo) hábito de mandar passar pelas armas os seus escritores ou de pregar com eles na “choça”, congratulando-se com essa forma expedita e pouco dispendiosa de resolver as suas crises de consciência colectiva.
Na eventualidade, está escrito que Brasillach venha a ser um dos intelectuais expiatoriamente sacrificados desde logo — e um dos cem mil e tal franceses sumariamente chacinados de caminho —.
Condenado à morte mal e porcamente depois de um julgamento político clamoroso que figura na História dos processos de acusação como modelo acabado de farsa judiciária, o poeta de Fresnes cada vez avulta mais como legenda de batalhas que tiveram talvez de se perder para poderem vir a ser ganhas.
Os seus crimes?
Tanto quanto se sabe, respondeu por um único: o crime de ter amado a França e sonhado a Europa sem conta, peso e medida!
Por outras palavras e abreviando razões: Brasillach cometeu tão-somente a injúria e apenas reivindicou para si o direito de pensar as circunstâncias ao invés do que mandavam as boas normas da intelligentzia demo-marxista de antanho. E bastou isso para o liquidarem.
De onde se segue que meia-dúzia de opções cardiais assumidas com toda a galhardia e firmadas com inteira verticalidade no campo de batalha das ideias por homens de uma só convicção — como ele era — já então se pagavam caro. A pretexto delas, conferia-se foros de justiça aos morticínios, força de lei à iniquidade, e tudo era pesadinho na balança de uma justiça que funcionava avec un seul plateau.
Promoviam-se torneios de tiro ao homem a torto e a direito por todo o território e, por sistema, confiava-se o destino de seres tortuosamente incriminados ao cuidado e à pontaria (sempre certeira, sempre infalível) de pelotões de execução.
“O nível da magistratura chegou a revelar-se, de uma maneira geral, francamente inferior ao dos próprios presos de delito comum”, comentará sardònicamente Marcel Aymé, visando esses baixos tempos, e muito justa e justiceiramente invectivando o despudor da jurisprudência depuradora levada a cabo na sua pátria após a chegada dos respectivos “libertadores”.
Na barra dos tribunais contavam-se entretanto pelos dedos da mão de um maneta as vozes verdadeiramente insubornáveis e realmente susceptíveis de se atreverem a erguer num levantamento de razões mais ou menos cerrado contra tanto desatino e desaforo juntos.
Brasillach veio a ter uma dessas vozes pelo lado dele, já que pôde encomendar à eloquência de fogo de Maître Isorni o encargo de o defender.
Mas nenhum resultado (prático) deram, nem qualquer efeito surtiram as imparáveis alegações e o verbo incontestado do grande causídico; como também de coisíssima nenhuma valeu ao poeta a petição de indulto que foi subscrita a favor dele por um sem-número de artistas e homens de letras seus compatriotas (e todos, por sinal, de altíssima craveira).
É que a sorte de Brasillach já estava traçada e ditadinha de antemão e o poeta previamente condenado a acabar como acabou: amarrado ao poste da pena capital, na força dos seus trinta e cinco anos, o corpo crivado de balas.
Uma consolação entretanto nos resta, mormente se admitirmos — como Céline — que “o mais terrível dos juízes é o condenado à morte”: a de sabermos que Robert Brasillach ao cabo de tantas e tão longas horas de calvário e paixão celular e de mortificação judiciária, observará até ao fim uma conduta exemplar, toda ela pautada por um estoicismo supremo, por uma coerência indefectível, por uma coragem inabalável; a consolação de tão-pouco ignorarmos que, chegado à hora da verdade, saberá ele, como poucos mais, encarar e receber a morte de frente!, sem pestanejar.
Daí, que o seu luminoso exemplo nos contemple e que a sua lição de sangue ainda agora nos norteie. Daí, que a sua morte seja em nós uma chaga em carne viva, uma ferida sempre aberta — e que não fecha, nem mesmo à vista da estuante vitalidade que de todos e de cada um dos seus livros se desprende, se liberta e evade, sem cessar —.
E a atestar de forma concludente aquilo que afirmo, nós aí temos em curso de impressão regular e sistemática a edição integral das suas obras, que vai de vento em popa num empreendimento da Plon.
O descerramento das mesmas tem-nos reservado inclusivamente de tempos a tempos a grata surpresa de entrar em contacto com títulos e textos novinhos em folha devidos ao punho (ainda agora fecundo!) do fabuloso polígrafo.
Foi esse o caso, relativamente recente ainda, do aparecimento de outro romance seu intitulado Les Captifs: um original inebriante (apesar de inacabado), até agora rigorosamente inédito, e que a Plon em boa hora declarou a público.
Acima de tudo, porém, dá gosto ver como os livros daquele que foi indubitavelmente o maior mago da ficção da Europa literária de 40, já agora vão deixando de ser raridades inobtíveis para andarem numa roda viva de reedições que a cada passo se esgotam (ao nível, designadamente, das consagratórias colecções de poche).
O significado de que se reveste semelhante fenómeno assinala assim o regresso mesmo do poeta fuzilado para junto daqueles, como nós, que sempre se recusaram a acatar ou a aceitar como terminante o veredicto da sua morte e muito menos ainda o do seu esquecimento.
De uma vez por todas, ei-lo que volta realmente ao convívio fraterno de quantos não tendo deixado nunca de o frequentar, saúdam e entrevêm neste retorno como que a prova provada e o testemunho indesmentível da eterna jovialidade de Robert Brasillach.
Rodrigo Emílio
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Se datas há que não podem deixar de ser lembradas por nós anualmente sob pena de incorrermos num imperdoável pecado de omissão para com elas e para com aquilo, sobretudo, que representam, o 6 de Fevereiro de 1945 é incontestavelmente uma dessas datas.
Faz anos que a França se desembaraçou pela lei da bala de um dos seus filhos mais incómodos, mais exemplares — e mais dotados —. Faz anos que caiu, de pé, no fosso de Montrouge, varado pela salva de um pelotão de fuzilamento, um dos maiores artistas literários europeus de todos os tempos. Concretamente. Faz anos que De Gaulle caprichou em mandar abater a tiro de rajada Robert Brasillach. (Parece que é sina dos grandes poetas morrerem às mãos dos maus prosadores de patente militar...)
Estava-se numa França de hetacombe e mais “ocupada” (a matar-se...) do que nunca.
Com o pesadelo da chamada “Libertação” — há-de notar lapidarmente Maurice Bardèche — a nação gaulesa tinha contraído o mau (o péssimo) hábito de mandar passar pelas armas os seus escritores ou de pregar com eles na “choça”, congratulando-se com essa forma expedita e pouco dispendiosa de resolver as suas crises de consciência colectiva.
Na eventualidade, está escrito que Brasillach venha a ser um dos intelectuais expiatoriamente sacrificados desde logo — e um dos cem mil e tal franceses sumariamente chacinados de caminho —.
Condenado à morte mal e porcamente depois de um julgamento político clamoroso que figura na História dos processos de acusação como modelo acabado de farsa judiciária, o poeta de Fresnes cada vez avulta mais como legenda de batalhas que tiveram talvez de se perder para poderem vir a ser ganhas.
Os seus crimes?
Tanto quanto se sabe, respondeu por um único: o crime de ter amado a França e sonhado a Europa sem conta, peso e medida!
Por outras palavras e abreviando razões: Brasillach cometeu tão-somente a injúria e apenas reivindicou para si o direito de pensar as circunstâncias ao invés do que mandavam as boas normas da intelligentzia demo-marxista de antanho. E bastou isso para o liquidarem.
De onde se segue que meia-dúzia de opções cardiais assumidas com toda a galhardia e firmadas com inteira verticalidade no campo de batalha das ideias por homens de uma só convicção — como ele era — já então se pagavam caro. A pretexto delas, conferia-se foros de justiça aos morticínios, força de lei à iniquidade, e tudo era pesadinho na balança de uma justiça que funcionava avec un seul plateau.
Promoviam-se torneios de tiro ao homem a torto e a direito por todo o território e, por sistema, confiava-se o destino de seres tortuosamente incriminados ao cuidado e à pontaria (sempre certeira, sempre infalível) de pelotões de execução.
“O nível da magistratura chegou a revelar-se, de uma maneira geral, francamente inferior ao dos próprios presos de delito comum”, comentará sardònicamente Marcel Aymé, visando esses baixos tempos, e muito justa e justiceiramente invectivando o despudor da jurisprudência depuradora levada a cabo na sua pátria após a chegada dos respectivos “libertadores”.
Na barra dos tribunais contavam-se entretanto pelos dedos da mão de um maneta as vozes verdadeiramente insubornáveis e realmente susceptíveis de se atreverem a erguer num levantamento de razões mais ou menos cerrado contra tanto desatino e desaforo juntos.
Brasillach veio a ter uma dessas vozes pelo lado dele, já que pôde encomendar à eloquência de fogo de Maître Isorni o encargo de o defender.
Mas nenhum resultado (prático) deram, nem qualquer efeito surtiram as imparáveis alegações e o verbo incontestado do grande causídico; como também de coisíssima nenhuma valeu ao poeta a petição de indulto que foi subscrita a favor dele por um sem-número de artistas e homens de letras seus compatriotas (e todos, por sinal, de altíssima craveira).
É que a sorte de Brasillach já estava traçada e ditadinha de antemão e o poeta previamente condenado a acabar como acabou: amarrado ao poste da pena capital, na força dos seus trinta e cinco anos, o corpo crivado de balas.
Uma consolação entretanto nos resta, mormente se admitirmos — como Céline — que “o mais terrível dos juízes é o condenado à morte”: a de sabermos que Robert Brasillach ao cabo de tantas e tão longas horas de calvário e paixão celular e de mortificação judiciária, observará até ao fim uma conduta exemplar, toda ela pautada por um estoicismo supremo, por uma coerência indefectível, por uma coragem inabalável; a consolação de tão-pouco ignorarmos que, chegado à hora da verdade, saberá ele, como poucos mais, encarar e receber a morte de frente!, sem pestanejar.
Daí, que o seu luminoso exemplo nos contemple e que a sua lição de sangue ainda agora nos norteie. Daí, que a sua morte seja em nós uma chaga em carne viva, uma ferida sempre aberta — e que não fecha, nem mesmo à vista da estuante vitalidade que de todos e de cada um dos seus livros se desprende, se liberta e evade, sem cessar —.
E a atestar de forma concludente aquilo que afirmo, nós aí temos em curso de impressão regular e sistemática a edição integral das suas obras, que vai de vento em popa num empreendimento da Plon.
O descerramento das mesmas tem-nos reservado inclusivamente de tempos a tempos a grata surpresa de entrar em contacto com títulos e textos novinhos em folha devidos ao punho (ainda agora fecundo!) do fabuloso polígrafo.
Foi esse o caso, relativamente recente ainda, do aparecimento de outro romance seu intitulado Les Captifs: um original inebriante (apesar de inacabado), até agora rigorosamente inédito, e que a Plon em boa hora declarou a público.
Acima de tudo, porém, dá gosto ver como os livros daquele que foi indubitavelmente o maior mago da ficção da Europa literária de 40, já agora vão deixando de ser raridades inobtíveis para andarem numa roda viva de reedições que a cada passo se esgotam (ao nível, designadamente, das consagratórias colecções de poche).
O significado de que se reveste semelhante fenómeno assinala assim o regresso mesmo do poeta fuzilado para junto daqueles, como nós, que sempre se recusaram a acatar ou a aceitar como terminante o veredicto da sua morte e muito menos ainda o do seu esquecimento.
De uma vez por todas, ei-lo que volta realmente ao convívio fraterno de quantos não tendo deixado nunca de o frequentar, saúdam e entrevêm neste retorno como que a prova provada e o testemunho indesmentível da eterna jovialidade de Robert Brasillach.
Rodrigo Emílio
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