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sexta-feira, dezembro 03, 2004

BRASILLACH E A SUA OBRA 

Henry Clouard na sua Histoire de la Littérature Française — Du symbolisme à nous jours, II volume, no qual estuda os movimentos literários de França de 1915 a 1940 — tem este parecer sobre Robert Brasillach que me parece oportuno transcrever pois que, embora discutível pela severidade, tem um raro poder de sintetização de uma obra longa e diversa:
Les dons de Robert Brasillach furent tout d‘abord d‘un chroniquer fin, curieux, ingénieux et frais; ils triomphent dans les mémoires qu‘il a laissés de sa jeunesse d‘étudiant et d‘écrivain débutant, cabri gambadant à travers Paris sur lequel régnait Ludmilla Pitoëff (Notre Avant-Guerre,1941). Ils se sont durcis vers la fin, dans une presse controlée par les Allemands: alors se sentit chez Brasillach une force surprenante et mal employée d‘écrivan de combat. Il ne fallait pourtant pas condamner à mort ce garçon d‘avenir. Quels sont ceux que son visage ne revient pas obséder? Il était en progrès dans le roman, de Voleur d‘Etincelles à Comme le Temps Passe (1937), quoique n‘arrivant pas encore à se dégager de la chronique ou du tohu-bohu d‘intentions. S´il avait la poésie trop facile et si ses poèmes de prison n‘en font qu‘un faux Chénier, qu‘il a été brillant en critique! Certes, Présence de Virgile (1931), Portraits (1935), Corneille (1938), veulent trop tirer l‘oeil et abusent de l‘anachronisme un étonnant brio, mais ses recueils de chroniques littéraires Les Quatre Jeudis, montent au niveau de ses recueils de souvenirs. Une culture extraordinairement nuancée les porte, une curiosité les anime qui a l‘ivresse du départ en vacances. Il ne leur manque qu‘une parfait maturité. Et tout cela est a redire des études sur Les Animateurs de Théatre (1936)”.
Nem tudo será de aceitar sem discussão neste juízo que, no entanto, se me afigura isento de paixões. Mas ocorre-me dizer que o autor em questão — ainda que prestando justiça à presença de Brasillach na literatura francesa dos nossos dias — teve em conta uma obra terminada quando Brasillach foi obrigado a terminá-la sem revisões de maior diante de um pelotão de execução. E isso torna as coisas bastante diferentes se tivermos em conta que o inacabado ou o não revisto nasceram fora do escritor, mas atingiram-no e à sua obra passada. De qualquer forma, serve para revelar o interesse — não despido de riscos — perante um escritor maldito, isto para não me servir do denominador comum de Saint-Paulien. Devo acrescentar ainda que me pareceu curta a citação à obra do romancista, que na bibliografia de Robert Brasillach ocupa um lugar destacado e que mereceu outras referências mais largas exactamente por causa da originalidade que a sua obra romanesca comportava. Essa obra começara em 1932 com Voleur d´Étincelles e prolongar-se-ia, seguindo o curso da vida e da história do seu tempo, até Six Heures à Perdre, romance póstumo que apareceu em 1953. Neste espaço de tempo, Robert Brasillach escreveu mais cinco romances que são tão importantes na definição de uma arte literária como ainda num debate de ideias a que o autor nunca se recusou. Eis porque a quinze anos de distância do seu fuzilamento venho ocupar-me dessa obra de romancista, certo de que ela é quase desconhecida entre nós, se exceptuarmos o círculo de amigos portugueses que o leram, o admiraram e que por isso seguiram o seu calvário até ao fim. O grande público nacional deu — se é que deu — pela sua Histoire de la Guerre d‘Espagne escrita de parceria com Maurice Bardèche e traduzida por Ferreira da Costa; ou então, pelo seu romance Comme le Temps Passe aparecido há uma escassa meia dúzia de meses na versão nem sempre brilhante de Paulo Santa Rita. Ora, o que interessa é falar-se verdade, apenas verdade, sobre este romancista, pois isso basta também para o Brasillach crítico e literário, estudioso dos clássicos ou historiador do cinema, poeta ou jornalista. Em todos estes sectores ele se realizou e cada um deles pode dar margem a ensaio substancial, tanto mais necessário quanto é certo que nos abafam debaixo de infravalores — atitude muito de ter em consideração quando se usa e abusa da espantosa incultura das gerações mais jovens —. Ora, Brasillach foi um escritor para a juventude. Ele próprio morreu jovem após uma luta que sustentou sem desfalecimentos contra as forças secretas ou não secretas, mas sempre revolucionárias, que o haviam de levar até ao poste da execução, forma única de calar a sua voz, o seu exemplo, a sua inteligência, a sua arte, a sua integridade moral. E vai já sendo tempo de reagirmos: sobretudo contra as sistemáticas e bem dirigidas campanhas de silêncio, cujo objectivo é tão claro que nem vale a pena mencioná-lo.
A geração de Robert Brasillach — ou aquela a que ele está ligado — comporta nomes que hoje ocupam lugar de relevo nas letras e no pensamento francês. Mencionemos três desses nomes que aparecem ligados, uma só vez, num romance que seria a estreia de todos: Fulgur; são eles Thierry Maulnier, Roger Vaillant, Paul Gadenne. Como nasceu um romance feito por quatro autores? Nasceu no intervalo ou na passagem de Louis le Grand para a École Normale e tratava-se de uma paródia ao romance de aventuras, como Brasillach declararia mais tarde: “Je crois que l‘idée nous en était venue à lire les livraisons de Fantômas que notre camarade Roger Vaillant nous avait apportées”.
De qualquer forma, as páginas de Brasillach escritas aos 19 anos têm interesse, bem como as dos outros colaboradores. Um dos Fulgur escreveu estas palavras comentando a notícia que outro camarada dera do nascimento do “grand roman d‘aventures, de police et d‘epopée”: “Il serait amusant pourtant de reconnaître dans l‘humour noir de Thierry Maulnier de vingt ans quelque chose de la gravité du Thierry Maulnier d‘aujourd‘hui, dans le surréalisme prémédité du jeune Roger Vaillant, quelque chose du conformisme révolutionaire du Roger Vaillant marxiste, dans la misanthropie exagérée du jeune Paul Gadenne, quelque chose de la mélancolie de l‘auteur de Siloé, dans la fantaisie anarchique du Robert Brasillach de dix-neuf ans, quelque chose de l‘ironie et da la liberté du vrai Robert Brasillach. Mais notre époque a-t-elle le temps de s‘amuser?”.
De qualquer forma, o romance chegou a ver a luz da publicidade! E durante o ano de 1927, os leitores de La Tribune de l‘Ivone puderam seguir aquelas peripécias que, redigidas por muitos, eram assinadas por um só: Jean Servière. Aqui começam os primeiros passos de romancista daquele Brasillach que se apresentaria por sua própria mão no Le Voleur d‘Étincelles cinco anos depois. O autor de estudos clássicos fizera a sua aparição um ano antes com o Virgile. Lado a lado — o clássico e o moderno — podiam viver uma vida de entendimentos sem brigas e sem desconfianças. E aquilo que Brasillach dava no seu primeiro romance era a vida da sua juventude, que para ele era o seu tempo; e aquilo que daria em Virgílio era também a vida do poeta romano naquilo que ela poderia interessar às nossas inquietações e aos nossos debates de ideias de homens de entre duas guerras.
A primeira fase de romancista de Robert Brasillach é a fase do aprendizato, tanto mais resultante quanto é certo que Brasillach punha naquilo que escrevia toda a febre da sua juventude — uma juventude que descobria no cotidiano os mais belos recantos de Paris ou do seu torrão natal. Mas a trama seguirá um curso que se verificará tanto no L´Enfant de la Nuit como no romance que se lhe segue. Bernard de Fallois notou-o com rara perspicácia quando afirmava, depois de dizer anteriormente que os títulos dos seus livros conviriam melhor a títulos de poemas: “Cet épisode central, autour duquel s‘ordonnent et s‘enlancent les fils du destin, est repris de façon identique dans tous les romans de Brasillach, à l‘exception des petits récits parisiens du début, L‘Enfant de la Nuit et Le Marchand d‘Oiseaux”.
Na realidade, como nota o mesmo autor, Brasillach estava a entrar na curva definitiva da sua vida literária. E os seus romances vão-se adensando, vão-se tornando mais rigorosos, por vezes até mais melancólicos e mais tristes. O jovem que se entusiasmara a baralhar as pistas da acção e da inovação técnica ia conscencializando a sua vocação de romancista. Vejamos o caminho que seguiu a partir daqui.
O segundo romance da sua juventude consegue ser um belo depoimento sobre a adolescência e o tomar de consciência perante um mundo que se adivinha. Bem certo que a acção volteja em torno de Isabelle, Daniel e Laurent — os três jovens estudantes à procura de um destino que realize os seus sonhos num mundo que há poucos anos saiu de uma guerra —. Mas há também os belos tipos populares como o Pére La Frite, a Marie Lepeticorps — destino de uma mãe frustada — e o Rustique, velho professor. Há as grandes evasões ao parque de Montsouris e as conversas de Isabelle, a descoberta do rapaz que se parece com o Kid criado por Jackie Coogan (ídolo da época) e os dois rapazes que este descobre e que darão à acção um duplo figurativo: preencher a maternidade frustrada de Lepetitcorps, levantar o problema da falsa filantropia e desaguar depois no crime num desmentido a todos os sonhos que alguém depositou neles. Nos dois colegas que acompanham Isabelle, Laurent é o homem de acção e nele se verá sem dificuldades o Brasillach desse tempo. Depois, uma certa melancolia a perturbar o fim da adolescência na réfuse de penser dans un Kid de vingt ans. É um romance feito de pequenos bocados poéticos, de pequenas evocações líricas, de análise bem marcada a um certo tempo, a um certo bairro, a uma certa população típica que não se esquece mais nem jamais passa da memória sentimental. Pode dizer-se que é o romance da juventude que ainda não entrou no baptismo de fogo. O quotidiano dá ainda margem para sonhos. A própria filosofia popular dá uma lógica coerente ao desengano da Lepetitcorps depois dos rapazinhos por ela protegidos serem identificados como criminosos. De nada valeram os trabalhos de Isabelle, de Laurent e de Daniel para os salvar da vala comum, da origem de miséria. Eles perdem-se de nós, como aliás se perdem todas as coisas da vida. Juntos seguem apenas Isabelle e Daniel, aquela com as rosas vermelhas mais belas que tinha Sandrine, a vendedeira do mercado das flores. Na noite parisiense fica apenas Laurent, que deita a moeda ao ar perguntando ao destino qual seria a sua sorte: cara ou coroa? Mas não tem coragem de abrir as mãos para saber qual seria a resposta do destino agora que estava sozinho diante da noite. É, como se vê, um romance de destinos juvenis misturados com uma população que hoje já não encontraremos. No ar das últimas páginas fervem já os fermentos da Frente Popular, a juventude vai tomar posição.
Antes disso, porém, creio oportuno marcar uma vez mais o interesse deste romance não só dentro da obra do seu autor, mas ainda na literatura francesa dessa época, desse momento. Sirvo-me da anotação de Pierre-Henri Simon na Histoire de la Littérature Française au XXème siècle, II volume, que abrange o período que decorre entre 1900 e 1950. Afirma o crítico francês: “En attendant, on comprend la méfiance des écrivains prolétariens pour les romans populistes écrits à l‘intention des lecteurs bourgeois et qui tendait trop souvent à confondre la bassesse des conditions avec la banalité des caractères. Aussi bien, les meilleurs romans populistes ont-ils été souvent écrits par des romanciers qui préfèraient le substantif à l‘épithète: d‘autentiques romanciers capables d‘atteindre et de rendre dans les êtres les plus simples la profondeur des sentiments humains dans le décor d‘une rue un parfum de poèsie. Tels le Van der Meersch de Marie, Fille des Flandres, et du Peché du Monde, le Jean Prévost des Frères Bouquinquant, et le Robert Brasillach de Le Marchand d‘Oiseaux (qui écrivait, disait-il ses "petits récits sur le Paris populaire un peu en marge de René Clair, c‘est-à-dire dans la nouvelle lumière du cinéma poètique")”. Como se vê, ao procurar-se a fonte ou a melhor documentação para romance populista em França, depara-se-nos ainda o nome de Robert Brasillach como um dos três escritores representativos desta corrente renovadora, ou, pelo menos, que tentava novos rumos para a ficção em prosa. É a melhor prova de autenticidade de um sentido romanesco em construção.
Um ano depois — em 1937 — surge novo romance onde a maturidade do seu autor começa a estar patente. É ainda um drama da juventude com páginas inesquecíveis de romanesco. Mas o escritor amadureceu o seu tema e trouxe para a cena um elemento novo que é de considerar. O anterior autor de Histoire du Cinéma aproveitou essa experiência para nos dar algumas das páginas mais coloridas e vivas do seu romance Comme Le Temps Passe... O tempo da acção divide-se em diversos andamentos e cada andamento tem o seu estilo próprio que, apesar disso, se une ao todo que constitui o romance, onde se conta uma história que começa nos dias despreocupados da infância vivida na Maiorca por dois primos — René e Florence — que dentro da sua ilha constroem a ilha sonhada na sua imaginação. Tudo lhes sabe a novo na descoberta do dia a dia. É um encanto de pureza e de lirismo este primeiro andamento do romance. Surgem ainda os tipos humanos que ligam as idades; e neste romance destacaremos dois que deslizarão sempre ao longo da história, baralhando-se nela e até nela influindo: Matricante, espécie de faz-tudo que a toda a vida moderna se adapta, e Epítome, professor de uma escola de ilusionismo e magia, ele próprio mago e ilusionista. René parte para Paris e é o fim da infância: a “ilha” que ele e Florence criaram não saberá mais ao gosto açucarado do tempo que passou. René cresceu, fez-se homem e vai na troupe cinematográfica. É o princípio do cinema como arte e como exploração comercial. Mas é um mundo preenchido por figurantes novos que vive do sonho de uma Catalunha independente em poemas e em aventuras várias. Nesta figura de anarquista se polarizam os desdobramentos vários de uma adolescência para quem o mundo todo se abre. E é o roteiro do cinema com suas fitas de curta metragem, seus figurantes de acaso, onde se encontra Elsa, que responderá à necessidade do amor físico de René.
Quando a digressão acaba, ficou dela uma experiência válida e a raiz do futuro nessa Elsa que vai procurar vida nova para outros horizontes. É, a seguir, o regresso de René ao amor puro e jovem de Florence, e, por certo, dele brotam as mais belas páginas de amor da literatura contemporânea na noite de núpcias que ambos vivem em Toledo. Depois é a vida, é o filho que nasce, é o pão de cada dia que tem de ser ganho. Novamente a figura de Matricante, agora agenciário de automóveis, a ajudar o jovem casal e a enviá-lo para a paz podre da província, onde no destino dos dois se cruzará a figura de Passeur, oficial do Exército que tenta o amor de Florence. É quase a queda no súbito despertar das fontes da infância. O que a detém pode ter sido o acaso: mas o acaso não foi tão subtil que não permitisse o ciúme a René. E ele parte, parte para uma longa viagem de que não dá o roteiro a ninguém. É a guerra e René faz a guerra: aí, encontra um camarada que como ele tem um drama na sua vida, Jacques le Sur. E essa vida, que ele ama mais que tudo, abandona-o num ataque inimigo. A paz e o novo reencontro com a vida. O filho de René cresceu e é na Sorbonne que encontra uma rapariga, Geneviève, que para ele representa a juventude que Florence representou para seu pai. Com a agravante: ela é filha de uma das artistas de cinema que seu pai amou e com a qual fez arte. O passado volta sempre à memória de Florence e um dia, quando regressava de um espectáculo dos Pitoëff, encontra colado ao seu vulto no espelho do teatro a figura de um René, mais velho, com os cabelos a grisalharem. Vão para casa como dantes; regressam a casa como à “ilha” da infância... O tempo tinha passado, mas o amor não.
É neste romance que se sentem os primeiros toques da nostalgia de uma juventude que ia passando, mas ficarão várias páginas admiráveis, várias experiências, vários comportamentos e ainda um grande e cálido amor à vida, essa vida que todos sorveram — velhos e novos — enquanto o tempo passava, sem às vezes se dar pela sua passagem.
O romance que se lhe segue tem uma tonalidade diferente. No anterior, surgira uma força que subtilmente penetrara na acção: o aparecimento em qualidade e número dos partidos políticos das direitas. Em Les Sept Couleurs surge o Fascismo, o Nacional-Socialismo, a guerra de Espanha, como elementos da acção, como força impulsionadora das personagens que preenchem a história, a vivem e dela fazem parte. Para além do tema, surge uma inovação técnica: cada uma das partes da acção utiliza um processo diferente tendo em conta, como o explicou Brasillach, que “la technique du roman...” tem “une extrême liberté” e daí “la facilité à admettre toutes les formes”. Daí, a posição do autor perante o material que tinha em mãos para construir este novo livro, que abre caminho a uma renovação: “Dans la plupart des romans, d‘ailleurs récit, dialogue (même le dialogue transposé), essai ou maximes, documents, lettres, pages de journal, monologue intérieur, se mêlent en une même oeuvre”. Eis que isso vai ser aplicado a este romance em que se chocam todos os grandes movimentos das direitas no desejo de criação de um mundo novo. Pode dizer-se que o autor, ao fim e ao cabo, não realizou uma obra que resiste ao tempo? Mas será isso por causa das inovações ou por ódio às ideias fascistas que neste romance palpitam página a página? Eis a questão que muitas vezes se desloca intencionalmente para que o público não se aperceba do logro. Mas a verdade é que as páginas todas resistiram ao tempo que, passando por elas, não as sepultou em cinza.
Este romance, como toda a obra de arte, tem de ser localizado no seu tempo, pois obedece exactamente a um comportamento temporal. Pierre-Henri Simon viu bem o problema, ainda que só o tocasse nas generalidades. Precisamente no capítulo Les nouvelles tendances critiques et refus de la civilisation bourgeoise da obra já referida, o ensaísta francês declara:
Pour comprende le mouvement de l‘esprit entre les deux guerres, il est important de remarquer qu‘autour de l´année 1930 le vent a tourné. La géneration littéraire qui commence à s‘exprimer vers cette date est plus sérieuse, moins egoiste, moins joueuse que celle de ses aînés, elle préfere souvent l‘essai au poème, elle charge le roman de discussions politiques ou d´intentions sociales; dégoûtée par l‘anarchie morale et intellectuelle mais non ralliée aux solutions traditionelles, elle cherche les principes d‘un humanisme nouveau, voulant passer, a écrit Robert Brasillach, à d‘autres jeux que l‘evasion, l‘inquietitude et sourtout leur explication”.
Ora, este inconformismo político e social era tomado em oposição a Maritain, a Gide, a Valéry, a Alain, a Roger Martin du Gard, a Duhamel, a Jules Romains, a Chardonne, a Maurois, a Giraudoux, a Mauriac e a Bernanos. Era o comportamento geracional e não podemos atacar a posição de Brasillach só porque ela obedecia às vozes profundas e sinceras da sua jovem geração que pretendia abrir caminho através da floresta espessa daquilo que todos supunham como ultrapassado ou então como um logro. Repare-se que neste romance ou nas reportagens da guerra de Espanha Brasillach está frontalmente em oposição aos antigos mestres do romanesco francês, mestres que tomaram posição pelos vermelhos apesar dos seus compromissos religiosos e morais! É bem sintomática essa posição. E é essa posição que vai determinar o seu comportamento futuro até ao pelotão executório.
O romance Les Septs Couleurs é, com exactidão, o romance de uma juventude que não tendo ainda determinado o seu futuro se vê perante esse futuro de modo a ser obrigada a tomar partido. A primeira parte, escrita no género popularizado do récit, começa numa pensão heterógenea — a pensão Souris — onde se encontram as personagens que depois serão o corpo da história. É aí que reside Patrice. É aí que o visitará, às vezes, Catherine. A acção tem início em 1926. Os filmes em voga que ambos vêem ou que ambos discutem são o En Rade, de Cavalcanti, o Variétés, o Jazz, o Rapaces e La Charrette Fantôme tirado de um romance de Selma Lagerloff. O actor em voga é Rudolfo Valentino e o cinema preferido o Vieux Colombier. Em literatura, firma-se com o prestígio da novidade a Nouvelle Revue Française e a moda literária à cette époque naïve était aux voyages et à l‘évasion. Eis porque Patrice e Catherine decidem seguir a seu modo as directrizes epocais — décidait ensemble de la suivre, de voyager dans Paris, de s‘évader en eux-mêmes —.
Um terno fio de amor sem consequências os une na mesma aventura maravilhosa de viver a juventude. E é essa juventude que se apercebe do drama dos mais velhos que foram ter à Pensão Souris como navios cansados a um porto de abrigo: essa velhice, porém, não os ensombra. Para eles, há apenas a maravilhosa vivência do dia a dia claro da sua mocidade. Vivem a mocidade numa posse mútua que é a possession dans la puretê. São simples, imaginosos e livres. Por isso a vida os vai separar, determinando o destino diferente de cada um deles, destino que quando volte a pô-los frente a frente já não os deixará reconhecer. Patrice parte para Itália como professor particular e em Itália descobre um comportamento novo, o Fascismo. A descoberta diária que a sua juventude vai fazendo do rejuvenescer italiano é mencionada em cartas sucessivas para Catherine, que vive numa surdina longínqua. É a segunda parte do romance, em que o estilo escolhido é o epistolográfico. Uma saudade existe nesta separação: o não terem visto juntos um filme que empolgou a juventude, O Couraçado Potenkine. Pensam ainda que o hão-de ver. Mas quando? Catherine participa-lhe o despertar de um novo amor, Courtet, amor que a separação motivou ou tornou possível. Ficará o passado, ficarão as cartas, essas que são des miroirs si imparfaits que nous n‘avons de nous qu‘une idée fragmentaire.
O romance entra em novo ritmo. Patrice vai para Marrocos e enfileira na Legião Estrangeira, onde vai conhecer um alemão que constituirá o complemento do apelo à heroicidade que a Europa Nova traz consigo e que o velho mundo liberal não pode comportar. A amizade que liga Patrice a Siegfrid Kast terá consequências. E estas estão marcadas no novo ritmo escolhido por Brasillach — o Journal — diário íntimo em que assistimos ao moldar de uma personalidade e ao amadurecimento de um corpo. O tempo passa-se na caserna em mútuas confissões. Fala-se da Alemanha, das anedotas políticas do Nazismo que vem para o grande tablado da política mundial, da necessária compreensão entre os povos. A guerra de Espanha estala. Em França governa a balbúrdia da Frente Popular e as fotografias que chegam a Marrocos dos acontecimentos franceses lembram a Patrice as imagens da revolução russa, aquela revolução que ele não viu no filme sobre o couraçado Potenkine... É então que tudo o encaminha para a juventude despreocupada do passado: até ao encontro com um dos comparsas da pensão Souris, Sénèque, que o faz retornar aos vinte anos, quando ele ainda não tinha tomado partido. Mas é aqui que surgem as páginas mais vibrantes do Journal: a partida de Patrice para Nuremberga, onde assistirá ao congresso das Juventudes Europeias. É uma féerie de cores, de cânticos, de fraternal camaradagem; é aí que veremos a aparição de Hitler, é aí que regressará à juventude empolgado pela juventude da Nova Alemanha, é aí que descobrirá uma nova mulher que preencherá o vazio do seu passado sentimental, Lisbeth. Mas essa Lisbeth não vai avivar esse passado?
Novo andamento dramático que se realiza em diálogo teatral. Catherine e o marido vão discutir o passado e o presente. Ele está também empolgado pela jovem Alemanha, mas num plano diferente do de Patrice. Para trás ficaram as Réflexions; agora é apenas a vida sem máscara. E é essa vida sem máscara que altera os destinos. Courtet vai meter-se como voluntário na guerra de Espanha, pois ali se jogam os destinos dos homens que acreditam ainda na Europa ou a renegam. Ele acredita e por isso se vai bater com o nome suposto de Herbillo. É no seu espólio que se encontrarão os Documentos — recortes de jornal — em que encontramos as ideias do autor desse espólio e a marcação dos nacionalismos que renascem em toda a Europa rejuvesnecida. E Herbillo ou Courtet é ferido. No hospital pretende saber de sua esposa, último documento deste andamento.
O derradeiro encontro de Catherine consigo mesma dá-se no comboio em que ela segue a caminho do hospital em que o seu marido está internado. É o encontro com a sua adolescência frustrada, mas é também o encontro com a vida. A adolescência com Patrice fora fraterna. A vida com Courtet fora apenas a vida. Por isso ela ia ao encontro dessa vida com este sentido, em diálogo interior: “Comme en pense que toute la vie on va rouler ainsi à travers les lumières tournantes, sur ces rails lisses et invisibles, un peu de sueur aux épaules, dans l‘odeur de la poussière, du drap tiède et du charbon, engourdi sans effort pour lever les paupières et livré sans défense à toutes les images de la vie”.
A acção termina em 1939. Marco intencionalmente esta data. Porque representa o fim da juventude? Porque representa um viragem na vida de Brasillach? Porque a partir dela se abrem perspectivas novas? Talvez isso tudo e ainda mais: a mudança de temática que vai deixar de ser uma crença absoluta no destino para se lançar na frustação e no desespero da solitude. Vejamos esta observação de Bernard de Fallois a propósito do romance que se segue a Les Sept Couleurs.
Ao ligar o primeiro romance de Brasillach ao último, Six Heures à Perdre, diz o autor: “Entre le jeune homme qui nous quitte pour entrer dans le cimetière de ses parents à la fin de son premier récit, Le Voleur d‘Etincelles (romance que Brasillach classificava desta maneira pitoresca — pseudo-roman, album d‘images de mon pays méditerranéen — como o assinala André Brissaud) et la jeune fille qui nous sourit à la portière d‘un wagon de la guerre, dans les dernières pages de Six Heures à Perdre (à quoi sentons-nous que nous ne les reverrons jamais, que c‘est Brasillach lui-même qui nous dit adieu), près de quinze ans se sont écoulés, une destinée s‘est jouée dont nous pouvons, de l‘un à l‘autre de ses romans, suivre la courbe”.
A explicação ou a descoberta marquei-a eu ao explicar a evolução do seu romanesco. Mas sinto-me bem acompanhado, quando me não sinto sozinho de todo, ao fazer afirmativas sobre um terreno quase virgem. Sim: alguma coisa se aproximava do fim ou percebia que o fim estava próximo. E isto explicará mutações de desenvolvimento na temática que surge no penúltimo romance, La Conquérante.
Repare-se que a temática de Brasillach evoluía dentro de uma adolescência que se ia descobrindo e revelando no dia a dia. O interesse tinha sempre três faces fundamentais: uma rapariga e dois jovens, diante dos quais ela tinha de optar. Ora, a rapariga optava sempre contra a miragem, nunca supondo que ela voltasse mais tarde a ocupar lugar na sua vida. Na trama psicológica e dramática de La Conquérante não sucede assim. E volto a citar Bernard de Fallois: “Et c‘est ici qu‘aparaît le motif cornélien qu‘on retrouvera plus nettement encore, puisque l‘un des protagonistes meurt, dans La Conquérante, non sans une modification subtile toutefois, puisque c‘est le plus solide et le plus réel des deux jeunes gens qui disparaît, et le jeune séducteur qui subsiste”.
E isto contrapõe-se a todo o passado temático dos romances de Brasillach onde “presque toujours nous y voyons une jeune fille hésitant entre deux jeunes, dont l‘un représente le vertige de l‘adolescence fuyant, l‘ivresse d‘un bonheur entr‘aperçu mais insaisisable (c‘est um militaire, dans Comme le Temps Passe et dans La Conquérante), tandis que l‘autre lui offre l‘appui solide et les constructions durables d‘un univers plus réel. Et presque toujours c‘est celui-là que la jeune fille choisit, et au bout de quelques années voit revenir l‘adolescent d‘autrefois, pour "tenter" celle qui a préféré le mariage, et tout ce qu‘elle avait édifié s‘écroule alors longtemps”.
Está pois marcada a diversidade do comportamento, para chegarmos ao fim da análise à obra de romancista de Robert Brasillach. O adolescente não morrera nele, mas o homem adulto e amadurecido tinha tomado o seu lugar. As preocupações do cotidiano tinham roubado beleza e encanto à vida. A guerra é agora o motivo dominante e todos lhe estão presos — ou dela e do seu desfecho dependem —. Eis porque se compreende a observação acima citada do adeus à beira de um comboio de guerra. Era realmente uma despedida, uma despedida em definitivo. Por isso se pode chamar a este romance, Six Heures à Perdre, o romance da solitude. O estilo atraiu a si um poder mais vasto de dramaticidade; o opaco do tempo, o cinzento das horas, o abandono de tudo, a fauna que já não é pícara (como anteriormente era) e a sensação de abandono, de se ser sozinho e único, dá-os Brasillach com uma emoção, um rigor esquemático, com um abandono de supérfluos, com uma autenticidade verdadeiramente dignos de reparo.
O texto surge na primeira pessoa, denotando um profunda experiência pessoal. Trata-se de um prisioneiro que regressa com a sua farda coçada de um campo de prisioneiros na Westfália e que tem de viver seis horas em Paris à espera de um comboio que o há-de levar para outro sítio qualquer. A confiança no futuro esboroa-se diante de uma Paris diferente, diante de uma Paris ocupada. A data desse encontro é 1943 e o prisioneiro que regressa sente até ao cerne a sua solitude. Estranha o café que tem para beber, estranha o clima em que se arrastam os seus passos e só há uma solução: fazer alguma coisa, tentar dialogar com alguém. É assim que se lembra do seu caderno de apontamentos de moradas e é este que vai levá-lo até uma casa suspeita, meio pensão, meio casa de passe, a cuja dona, Madame Bizard, vai pedir informações. Que informações pedia? Apenas saber o destino de uma rapariga, Marie-Ange Olivier, para quem um companheiro de prisão mandava recados, mandava saudades, prometendo continuar o sonho que tinham iniciado antes de cair prisioneiro das tropas inimigas.
Só isto. E isto vai ser o motivo do romance. Pois é a uma passagem acidental de um homem na vida de uma rapariga que se vai seguir todo o entrelaçado da França ocupada, onde a guerra no Leste despertou o súbito aparecimento das actividades comunistas — até aí inertes — onde o mercado negro passa a organizar-se em autênticas troupes de exploração comercial em grande, onde os produtos que faltam são o incentivo ao engajamento nos diversos gangs. Marie-Ange desapareceu quando o prisioneiro regressado a procura. Este frente a frente na pensão/casa-de-passe é monumental de aticismo, de maneiras de estilo.
Depois, há o encontro com o inspector Gillier que também procura Marie-Ange... mas por outros motivos. E o tempo passa, as seis horas que vão ser perdidas tornam-se mais curtas. O prisioneiro vai seguindo o seu rumo: procura mesmo o seu antigo restaurante escolar. Sente-se só, tremendamente só, quase como aquele jovem oficial alemão que lá almoça também. Depois, há a sua passagem pelo Jardim do Luxemburgo, um Luxemburgo diferente dos seus anos escolares. E voltam as recordações do campo de prisioneiros, inclusive do Gilles, de Drieu La Rochelle, que o seu companheiro Berthier levara consigo. O prisioneiro-liberto regressa a casa de Madame Bizard e desta vez encontra Marie-Ange. É um encontro penoso ou um encontro alegre? É sobretudo o fim de uma dupla solidão. E então ele sabe o seu drama, aquele drama que não poderá contar ao seu amigo distante do campo de prisioneiros. Marie-Ange, que fora casada, que tivera um filho, que vira morrer o filho pela maldade do marido, era aquela mocinha que estava diante de si com a acusação de ter matado (ou pelo menos a suspeita) um tal Hooten que estava metido em câmbios negros vários. E assistimos ao confessionalismo da história. E compreendemos até as razões profundas da morte que ela deu a um homem que todos supunham seu amante, a um homem que fora seu marido e que lhe crucificava a vida para além da separação. É o crime justo ou a morte justa? Talvez... Mas representada numa época em que todos os valores morais viraram de sentido, ou então perderam todos os sentidos. E sentimo-la com as mãos puras apesar de ter disparado sobre o homem que fora a causa da morte intencional de seu filho, um filho que fora dele também e que ele odiava. Quando saem os dois do quarto de Madame Bizard, sente-se que o que fica para trás ficou de facto para trás. Sente-se que, ao despedirem-se, nunca mais se verão. Que ele vai continuar a sua vida a caminho de um destino ignoto; que ela vai voltar aos grupos juvenis de comunistas, talvez procurando Cresnay, que é a aventura do desconhecido (um Cresnay que seu marido denunciara à polícia), ou então esperando Brenno Berthier, que é a floração da esperança, o sonho longínquo, o concreto já realizado ou o realizado à espera de concretizar-se para sempre. O seu adeus — o mútuo adeus — é também o regresso à solitude, o regresso a ficar cada um sozinho com os seus problemas, com o seu destino incerto.
Pretendi dar uma panorâmica da obra romanesca de Robert Brasillach através da análise feita a seus sete romances, romances que são a trajectória de uma espiral que começa na juventude e que acaba na maturidade dessa mesma juventude. O autor morreu antes dos 35 anos. Daí, os seus romances saberem sempre a um fruto jovem e fresco, quando às vezes não mesmo amargo. Desde a aprendizagem da vida de Lazare Mir, que vê presa ao Roussillon onde nascera a sua vida, por um acaso fortuito, acaso que lhe prova a sua dependência com a sua gente — no Voleur d‘Etincelles — até à vida aprendida em profundidade por Marie-Ange, sozinha num mundo hostil, como folha tenra levada na torrente, uma torrente que não se sabe de onde a trouxe, nem para onde a leva, toda a obra romanesca de Robert Brasillach respira um forte sopro de verdade, de clareza, de juventude. Tudo isto foi procurado na sua vida e por isso, ou daí, a sua autenticidade e o seu estranho e obsidiante poder de penetração no leitor. De resto, a vida do seu tempo está lá toda, pois Robert Brasillach não fugiu nunca aos apelos altissonantes dessa vida que tinha por denominador comum o heróico que ele tinha no sangue, o heróico que lhe fora entregue como dádiva ou testemunho por Virgílio, por Corneille, pelos poetas helénicos, por Chénier. Mas um heróico sempre juvenil, esse mesmo que levou René Lalou a afirmar na Histoire de la Littérature Française Contemporaine: “Le romanesque, on ne s‘étonne pas qu‘un jeune écrivain le cherche d‘abord dans les souvenirs de son enfance”.
Morreu jovem Brasillach... Essa floração juvenil fica diante de todos nós sob qualquer ângulo por que a desejemos observar. Aqui fica o ângulo romanesco num romancista que, lido uma vez, se pega a nós, adere a nós como a própria juventude que nenhum de nós quisera perder, que nenhum de nós desejaria ultrapassar ou deixar ultrapassar pelos anos amargos que fatalmente lhe sucedem.
Amândio César

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