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domingo, dezembro 26, 2004

Homenagem a Mestre Alfredo Pimenta 

Já uma vez aqui foi escrito que dois tipos de intelectual houve sempre — neste recanto de cultura e civilização que se chama Europa. E nessa nótula afirmava-se que os dois tipos de intelectual se referenciavam a duas posições perante os factos marcantes da vida: o submisso e o insubmisso.
Só nos interessa o segundo — já então só nos interessava o segundo — porquanto é esse que marca a opinião livre do intelectual perante as realidades de seu tempo; porque representava o que, muitas vezes ao arrepio, dava as linhas mestras da actuação; porque, na incomodidade do dia a dia, com riscos de toda a ordem, a expressão do seu pensamento era o facho que poderia iluminar uma idade de trevas.
E — dilatando mais o ângulo de visão — no binómio «intelectual — homem da rua» sempre pensámos que o escritor, o artista, o sábio têm uma missão larga de responsabilidade, dado que, quando os escritores, artistas ou sábios submissos, porque o são, em nada modelam a sua época, antes se modelam a ela, os outros criam o ambiente dos grandes movimentos e se não os criam pelo menos fica o documentário humano da sua conduta, que por vezes pode redimir uma época ou uma geração.
Este meio século de vida europeia foi assaltado por todos os apocalípticos desvarios que alteraram, por assim dizer, os sinais da aritmética política.
E se se olha em volta, se se aprofunda o sentido de investigação — neste tapete divino de civilização que os bárbaros têm sujado e conspurcado, temos de convir que, nem sempre ou quase nunca os intelectuais, artistas e sábios estiveram à altura da sua missão: submissos, aterrados ou subornados — eles têm sido muitas vezes o cavalo de Tróia que ajudou a demolir o mosaico sagrado da Europa.
No meio da tormenta, quando os mais novos procuravam eco ou amparo para as suas inquietações — dificilmente encontrariam esse eco e esse amparo. Onde estavam os mestres? Onde estavam os guias espirituais?
Não nos interessa sair de casa, para dar resposta a esta pergunta. Mesmo se saíssemos, pouco ou nada veríamos digno de admiração e de respeito: salvo Maurras, o que ficaria? Repetimos: escusamos de sair das nossas fronteiras para procurar um intelectual que, ao arrepio, ao invés, indiferente a ameaças ou a medos, a insultos, a malquerenças, a incompreensões, a abandonos, quando não traições, soube na sua insubmissão construtiva, ser Mestre onde outros eram meros estagiários de «postos de ensino». E tão estagiários que muitas vezes se esgueiravam pela primeira porta aberta.
Daí a minha admiração por Alfredo Pimenta — nem escondida, nem tíbia, nem disfarçada; e daí o meu nojo profundo, mais nojo que comiseração por todos os mais ou menos fedelhos que têm vindo a terreiro atirar pedras a um Homem e à sua Obra que merece por direito próprio a veneração de todos nós.
Conheço-o como autor — mal soletrando ainda - de um artigo da Época, jornal do Conselheiro Fernando de Sousa, sobre a Maria da Fonte. Depois, correram os anos, lia-o sempre na «Tribuna Livre» de A Voz; lia-o já conscientemente no seu compêndio de história. Agora que conheço quase toda a sua obra, que sigo as suas polémicas, que sinto os seus versos e admiro n`Ele uma das mais sólidas culturas que vicejaram em Portugal, penso se esta homenagem não será pequena, humilde mesmo, para festejar o aniversário de quem está tão alto, no campo das ideias, no campo da cultura, no plano do procedimento e da acção.
Bem português e bem europeu — nunca a sua obra serviu outros desígnios — mesmo quando o silêncio geral e quando o pavor emudeceu as vozes, peou directrizes, ocultou ou cobriu alguns que se tinham a si mesmo proclamado guias. Intransigente, rebelde mesmo, perante a confusão, a mistificação ou a mentira — Ele foi dos poucos, dos raríssimos que se não calou nunca, dos que nunca se submeteram — à maior campanha de calúnias que pode cair sobre uma geração. Mestre antes e depois da tormenta a sua posição avulta e avultará ainda mais — quando o tempo der razão plena a todos os seus juízos, ainda mesmo aos mais cáusticos, aqueles em que podia parecer que havia um bocadinho de exagero. E que de facto não eram exagerados os seus juizos podemos nós agora já, verificá-lo.
Seria traição nossa se — ao sabermos do seu aniversário — calássemos a nossa admiração, perante o facto de tal modo significativo. Porque ainda somos de opinião que os homens se devem glorificar em vida, quando eles podem verificar ou mesmo julgar, da sua actuação, da sua influência nos mais novos — e portanto, para si, poderem ciciar, ao fazerem exame de consciência: a minha passagem na terra, não foi inútil.
Neste jornal publicou Alfredo Pimenta alguns bons artigos, algumas páginas dignas de antologia. A este jornal regressou, depois de curto interregno, e o seu regresso, representa para este órgão da opinião pública minhota que o mais elevado intelectual da nossa província está entre nós, como nosso colaborador, como nosso amigo, como nosso mestre e como nosso camarada mais velho.
E, se alguma coisa, neste dia pedimos sinceramente a Deus, é talvez para nós que o pedimos; e essa coisa é: que nos conserve, por muito tempo este intelectual, que é e sabe ser — Católico, Europeu e Português.
Amândio César

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