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segunda-feira, dezembro 06, 2004

OS 6 DE FEVEREIRO EM FRANÇA 

A década de 30 é de crise particularmente acentuada para os governos europeus de feiçãozinha parlamentar. No plano interno, vêem-se minados pela depressão económica; fora de portas, dão de caras com o surto generalizado das chamadas ditaduras. As milhentas dificuldades que defrontam, vão-nas remediando eles, como Deus quer e o mundo é servido, em bases de actuação mais ou menos enérgicas e a poder de medidas abertamente autoritaristas. Ao cabo e ao resto, a conjuntura política circundante acaba por dar o tom da prática política às formações democráticas então no poder, que brandem as mesmas armas dos regimes ditos de força, fazendo-o, porém, de forma canhestra e por demais desajeitada — e desastrada. É dentro deste contexto que a situação, em França, vem a assumir superlativa acuidade.
Está-se em 1933. O panorama político externo desempenha papel altamente interferente no seio do hexágono, condicionando e ditando ou determinando, até, as principais jogadas do tabuleiro político nacional. O conflito entre Fascismo e Comunismo transfere-se ao interior do país, ficando cindido este em dois campos de irredutível antagonismo: à Direita, a repulsa do bolchevismo; à esquerda, a aversão ao Fascismo revolucionário e dinâmico. Em semelhante moldura, deixa de haver lugar para os profissionais da alergia aos extremos: a sua existência sai substancialmente atenuada e batidinha de todo diante do confronto com as denominadas facções de violência.
Entretanto, as desvalorizações da libra esterlina e do dólar tinham feito da França um país caro. O volume das exportações decresce vertiginosamente e passa a estar na razão inversamente proporcional do das importações. O equilíbrio orçamental deteriora-se a um ritmo francamente acelerado. O saldo deficitário da balança de pagamentos conhece um agravamento crónico incessante. Subsistem duas alternativas para pôr cobro ao descalabro: ou desvalorizar o franco, e correr assim o risco de instaurar uma inflação incontrolável, ou promover a baixa de preços à custa embora de uma sangria social. Em todo o caso, as medidas adoptáveis, sejam elas quais forem, não representarão doravante mais do que meras panaceias e/ou paliativos de circunstância. Para fazer face à bancarrota, o governo limita-se a decretar impostos e a contrair empréstimos. Isto é, a deitar remendos mal deitados à situação. E, sempre que um ministério se propõe aplicar medidas de saneamento económico, é certo e sabido que vai abaixo.
No meio disto, a usura do sistema parlamentar e a irresponsabilidade de uma burocracia asfixiante e rotineira, que despacha maquinalmente o expediente enquanto os ministros mudam. A impotência governamental para suster ou superar a crise favorece, inclusivamente, a saída ilegal de divisas, que constitui um sorvedouro inestancável.
Para além de tudo o mais, o regime apresenta-se moralmente gangrenado. Uma série de escândalos financeiros empesta o ambiente, com relevo para o célebre caso Stavisky. É a história, algo intrigante, de um aventureiro da alta-finança que se suicida. Vem a descobrir-se, depois, que Stavisky havia subornado este mundo e o outro — designadamente, ministros, deputados, magistrados, directores de jornais - com somas elevadas que se destinavam a fazer vingar negócios fraudulentos. E é a derrocada fragorosa de mais um governo.
Sobe então à cena um novo gabinete, a que preside Daladier, que entra, também ele, com o pé esquerdo. De facto, a pedido de socialistas e comunistas (que em troca, lhe prometem apoio para o futuro), toma, logo de princípio, a impopular decisão de destituir Chiappe, prefeito municipal da polícia parisiense, que frui de prestígio quase geral e de uma ampla e inquestionável margem de crédito, mormente junto dos clãs antiparlamentares, pela forma tenaz como mete na ordem os agitadores, de que é inimigo jurado e a sombra negra por excelência. A imprensa periódica reage vivamente à exoneração de Chiappe. Lê-se, por exemplo, num diário da capital acima de toda a suspeita (Le Journal): “Não é exagero afirmar que Chiappe, defensor da ordem, sucumbe a uma ofensiva dos inimigos da ordem”.
E são estas as linhas de fundo com que se cose a proto-história do que poderia ter sido uma grande jornada política: o 6 de Fevereiro de 1934. Nesse dia, a França nacionalista em peso desce à rua, em manifestação antiparlamentar que incorpora e mobiliza, cento e tantos mil homens, macissamente recrutados nas hostes das “ligas”: Camelots du Roi, Francistes, Anciens Combattants, Croix de Feu, Solidarité Française e Jeunesses Patriotes insurgem-se, em coro e à uma, contra a indignidade do meio-político-ambiente, e concentram-se na Praça da Concórdia, em clima da maior discórdia, a postos para marchar sobre o Parlamento. A repressão policial não se faz esperar, barrando-lhes a progressão para o objectivo. Gera-se tiroteio aceso. O fracasso do movimento será completo, devido à confrangedora falta de unidade dos agrupamentos sublevados. Com efeito, cada uma das ligas envolvidas na emocional intentona, possui os seus chefes e mentores incontestados. Estes, longe de se entenderem, contendem uns com os outros, rivalizam entre si, guerreiam-se de grande. Maurras e Daudet pontificando na Action Française à frente dos Camelots du Roi; liderando Lebecq os seus Anciens Combattants; e estando Taitinger para as Jeunesses Patriotes como o coronel de La Rocque para as Croix de Feu.
Todos eles perseguem, no fundo, propósitos partidários desencontrados. O que poderia ter sido uma escalada remissora, redundou, assim, em desastre total. Como rescaldo da refrega: uma centena de vítimas e mais um ministério que nasce das cinzas de outro que tomba.
Mal dirigida, a insurreição de pouco aproveitou. Três dias depois, os comunistas replicariam de forma semelhante, mas com inteiro sucesso, dando o mote para novos motins. O Front Populaire não tarda aí. A hecatombe de 40 está à vista. E, com ela... o 6 de Fevereiro de 1945.
Rodrigo Emílio

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