quinta-feira, dezembro 30, 2004
REFLEXÕES IRREFLECTIDAS
Nas montras das nossas livrarias, têm aparecido, com profusão, em edições de bolso ou de bolsinho, as traduções brasileira, espanhola, chinesa, espanhola, bunda ou o raio que as parta, de uma obra de Sartre intitulada "Réflexions sur la question juive". Escrita em 1944, por certo em hora de delírio histérico, se houvesse neste mundo um pouco de pudor ninguém pensaria em reeditá-la. E se, porventura, o seu autor tivesse recuperado o juízo seria o primeiro a recolher o livrinho, com pressa e aflição, querendo ocultar, envergonhadamente, o vestígio do delito. Infelizmente, nem Sartre recobrou o uso da razão, nem a decência impera no orbe. Pelo que estas inenarráveis Reflexões vão sendo exibidas, tranquilamente, por terras de França e de Navarra chegando até Portugal.
Inútil acrescentar que ao lê-las, agora, (em 1944 a minha modesta bolsa de estudante não continha capitais disponíveis para desperdiçar com volumes de semelhante jaez) me torci a rir, em certas ocasiões, duma maneira geral nunca abandonando o sorriso. As virtudes humorísticas do livrinho são indiscutíveis, incontroversas.
A tese de Sartre é genial e simples. Os judeus, por certo, constituíram outrora uma nação. Tal nação, porém, desapareceu há muito tempo. A partir daí «é o anti-semita que cria o judeu» (1). O ódio e aversão dirigidos a uma certa espécie humana é que lhe dá existência e a faz comportar-se como se fosse representativa dum tipo nacional, embora nem de longe o seja.
Mas de que modo surgiriam esses ódio e aversão? Poder-se-ia supor que recordações de índole religiosa os tinham originado, remotamente. Sartre, no entanto, desfaz, com talento, esta ilusão. O anti-semitismo não ataca os judeus enquanto povo deicida. Não estamos perante uma absurda imputação aos filhos das faltas dos pais que se tenha, tristemente, prolongado através da história. Não! Atribuir a morte de Cristo aos judeus é, já, o primeiro acto daquele anti-semitismo que cria a existência do israelita. O surgir do ódio e da aversão é que leva a asseverar que foram os judeus que crucificaram Jesus. Luminosamente Sartre escreve: «Le juif est parfaitement assimilable par les nations modernes. Il se définit comme celui que les nations ne veulent pas assimiler. Ce qui pèse origenellement sur lui c`est qu`il est l`assassin du Christ... Notons tout de suite qu`il s`agit ici d`une legende crée par la propagande chrétienne de la diaspora. Il est bien évident que la croix est un suplice romain et que le Christ a été executé par les romains comme agitateur politique» (2).
Nada mais evidente, com efeito, Urge que, quanto antes, se faça a expurgação, a depuração, dos abomináveis livros de propaganda (quase nazi) denominados Evangelhos escritos pelos criminosos de guerra Marcos, Mateus, Lucas e João. Já há alguns anos chamámos a esclarecida atenção de Sua Santidade João XXIII, (que tão nobremente mandara suprimir a palavra pérfidos da expressão «pérfidos judeus» do Ofício de Sexta-feira Santa.) para tão momentoso problema. Felizmente tivemos a honra de ver que o Concílio perfilhou os nossos pontos de vista. E frisemos já um ponto que nos parece importante. É por simples coincidência que o ódio e a aversão, que criam o judeu, incidiram sobre os descendentes dos membros da antiga nação judaica. A semelhantes descendentes é que, de repente, se começou sem qualquer razão plausível, a proclamá-los matadores de Cristo bem como a considerá-los impossíveis de assimilar...
Isto também se poderia ter passado, obviamente, com os descendentes dos Númidas e, então, hoje em dia, os Númidas é que seriam os judeus e a Paixão teria por local, possivelmente, Cartago. Se assim não aconteceu, foi, apenas, por acaso. Longe de nós o intuito, sequer, de pensar que, se os hebreus não foram assimilados depois da Diáspora é porque mantiveram entre si um vínculo nacional e racial a que jamais desejaram renunciar, e que se lhes é imputada a morte de Cristo é porque em Jerusalém uma imensa multidão entre o perdão de Jesus ou o de Barrabás optou a altos e repetidos brados a favor de Barrabás enquanto o romano Pilatos exclamava «estou inocente do sangue deste justo».
Evidentemente, eis aqui abjectas lendas fascistas que não merecem sequer discussão.
Assentes de tão segura e maravilhosa forma as suas premissas, Sartre não deixou de desenvolver, com cuidado singular, a argumentação que delas deriva.
Dado que sentimentos irracionais — ódio e aversão — é que originaram o judeu, o anti-semita é, por definição, um irracionalista. A prová-lo lá está o seu violento combate contra o universal e o racional. «L`anti-sémite adhère au départ a un irracionalisme de fait. Il s`oppose au juif comme le sentiment à l`intelligence, le particulier a l`universel, le passé au présent, le concret a l`abstrait» (3).
Note-se que Sartre indica qual anti-semita típico, a Charles Maurras. Ora Charles Maurras ataca exactamente o espírito judaico como insurreição do particular, do instintivo e se exalta Roma e o ethos romano é por o considerar sinónimo do universal (4). E aqui temos um típico anti-semita segundo Sartre, a perfilhar pontos de vista opostos aos que este último sustenta serem específicos e próprios do anti-semitismo.
Não se contenta, porém, com tal façanha o autor de "La Nausée". Ele ensina, impávido, que a "France Juive" de Edouard Drumont, não passa de um «receuil d`histoires ignobles ou obscènes». Lemos, há anos, essa obra do escritor de "La Fin d`un Monde", onde não encontrámos, quase não vale a pena dizê-lo, histórias ignóbeis ou obscenas. Trata-se de um estudo social e histórico, por vezes com boas páginas, outras vezes um pouco aborrecido. E nada mais. Sartre, com certeza, nunca lhe pôs a vista em cima e fala de ouvido, informado, se calhar, por algum dos seus queridos judeus (5).
Continuando na mesma ordem de inspirações, o filósofo de "L`être et le néant" sustenta a altos brados, que «Maurras nous l` affirme; un juif sera toujours incapable de comprendre ce vers de Racine-Dans l`Orient désert quel devint mon ennui» (6).
Claro que estamos perante uma falsificação grosseiríssima em que até a citação dos versos de Racine, na Bérenice, aparece truncada. O texto de Maurras é o seguinte. «On dit que la culture passe de droite à gauche et qu`un monde neuf s`est constitué. Cela est bien possible. Mais les nouveaux promus sont aussi des nouveaux venus a moins qu`ils ne soient leurs clients et valets et ces étrangers enrichis manquent terriblement les uns de gravité, de réflexion, sous leur apparence et les autres, sous leur détestable vernis parisien, de légèreté, de vraie grâce. Je trouve superficiel leur esprit si brutal. Si pratiques, si souples, ils laissent échaper le coeur la moèlle de tout. Comment ces gens là auraient-ils un gout sincère pour nos humanités? Cela ne s`apprend point à l`Université. Tous les grades du mond ne feront pas sentir à ce critique juif, d`ailleurs pénétrant, érudit, que, dans Bérenice, "lieux charmants où mon coeur vous avait adorée" est une façon de parler qui n`est point banale, mais simple, émouvante et très belle» (7).
Sartre começa, num estenderete completo, por aludir a «Dans l`Orient désert... etc.» quando Maurras se refere, dois versos abaixo, a «Lieux charmants... etc.» Semelhante falta de escrúpulo é já notável. Depois Maurras menciona o facto de os estrangeiros a que alude (esses estrangeiros — «ces étrangers») e que se estavam a assenhorear do mundo intelectual francês, ou não terem verdadeira gravidade, ou não possuírem autêntico gosto crítico, o qual se não adquire por meio de graus universitários. Maurras não estava a sustentar que os estrangeiros como tal, todos os estrangeiros (incluindo os hebreus), não podiam compreender a poesia de Racine. Estava a caracterizar, facilmente, a nova vaga cultural da sua época, de que aquele crítico judeu era um expoente. E se nas palavras do Mestre de "Le Chemin de Paradis" há algo de alcance geral, é, unicamente, contra a Universidade cujos graus nunca conseguirão substituir o bom gosto ausente. Isto que diabo tem a ver com o anti-semitismo?
Numa palavra: Maurras jamais afirmou o que Sartre, tão desavergonhadamente, lhe atribuiu, com uma desonestidade que dispensa comentários.
Observemos, ainda, que o dramaturgo de "La Putain Respectueuse" recusa-se a abranger o anti-semitismo entre as opiniões porque para ele não é «opinion une doctrine qui vise expressément des personnes particulières et à supprimer leus droits ou à les exterminer» (8).
E a conclusão surge imediata: «L`anti-sémitisme ne rentre pas dans la catégorie de pensées que protège le Droit de libre opinion» (9).
Note-se que não se alude à supressão da totalidade dos direitos, pois que, a seguir à expressão «supprimer leurs droits», vem «ou à les exterminer». Donde se vê que, no primeiro caso, sempre resta o direito à vida. Assim Sartre, ao falar em suprimir os direitos de pessoas particulares, pensa na eliminação de alguns direitos não é de todos. O que o indigna aí é que uma certa espécie concreta de indivíduos, caracterizados rácica e hereditariamente, sejam alvo de uma discriminação, quando a única discriminação que admite é aquela que se dirija a categorias abstractas e impessoais. Em todo o caso, Jean Paul Sartre nunca protestou por os cidadãos alemães residentes em França não possuírem o direito de ser deputados nem o de ascender à Presidência da República. Trata-se, aqui, de uma atitude que visa «des personnes particulières», tendendo a suprimir-lhes direitos. Os alemães são definidos por uma hereditariedade, um local de nascimento, constituem um conjunto palpável de homens. Não representam um ente esquemático, tipicizado, tão só, pelo seus factos ou funções. E sobre os alemães tomba em França uma odiosa discriminação. Que pena Sartre não se ter apercebido dela e iniciado uma humanitária e forte campanha de emancipação! Que pena não ter eliminado da categoria de pensamentos protegidos pelo direito de livre opinião a defesa das desigualdades que impendem em França entre os naturais do país e os estrangeiros do Além-Reno.
Escusado acrescentar que o presente livro possui de qualquer coisa de bom. Na página 47 lê-se: «Si Céline a pu soutenir les thèses socialistes des nazis c`est qu`il était payé». Esta bela infâmia originou uma admirável e sangrenta diatribe do romancista de "Voyage au bout de la Nuit" (publicada por Albert Paraz no seu «Gala des Vaches») que colou a Sartre, definitivamente e a justo título, o excelente sobriquete de Ténia. Eis, enfim, que algo de positivo se ficou a dever às "Réflexions sur la question juive".
Salientemos, a concluir, que Ténia-Sartre identifica o judeu como o missionário da universalidade racional, etc., etc., descobrindo-lhe uma imensa série dos mais elevados atributos morais. De forma que podemos sintetizar o pensamento sartriano com a frase do grande e saudoso P. A. Cousteau: «para Sartre os judeus não existem mas esses homens que não existem são, no entanto, superiores a quaisquer outros».
António José de Brito
Notas:
1 — J. P. Sartre, Réflexions sur la question juive, págs. 83-84.
2 — Idem, pág. 81.
3 — J. P. Sartre, Réflexions citadas, págs. 28-29.
4 — Charles Maurras, La Politique Réligieuse, págs. 388-392; Réflexions sur la Révolution de 1789, págs. 7-8.
5 — J. P. Sartre, Réflexions, cit., 53.
6 — Idem, pág. 27.
7 — Charles Maurras, L`Avenir de l`Intelligence, pág. 12.
8 — J. P. Sartre, Réflexions cit., 10.
9 — Idem, idem.
(In «Agora», n.º 343, 10.02.1968., pág. 10.)
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Inútil acrescentar que ao lê-las, agora, (em 1944 a minha modesta bolsa de estudante não continha capitais disponíveis para desperdiçar com volumes de semelhante jaez) me torci a rir, em certas ocasiões, duma maneira geral nunca abandonando o sorriso. As virtudes humorísticas do livrinho são indiscutíveis, incontroversas.
A tese de Sartre é genial e simples. Os judeus, por certo, constituíram outrora uma nação. Tal nação, porém, desapareceu há muito tempo. A partir daí «é o anti-semita que cria o judeu» (1). O ódio e aversão dirigidos a uma certa espécie humana é que lhe dá existência e a faz comportar-se como se fosse representativa dum tipo nacional, embora nem de longe o seja.
Mas de que modo surgiriam esses ódio e aversão? Poder-se-ia supor que recordações de índole religiosa os tinham originado, remotamente. Sartre, no entanto, desfaz, com talento, esta ilusão. O anti-semitismo não ataca os judeus enquanto povo deicida. Não estamos perante uma absurda imputação aos filhos das faltas dos pais que se tenha, tristemente, prolongado através da história. Não! Atribuir a morte de Cristo aos judeus é, já, o primeiro acto daquele anti-semitismo que cria a existência do israelita. O surgir do ódio e da aversão é que leva a asseverar que foram os judeus que crucificaram Jesus. Luminosamente Sartre escreve: «Le juif est parfaitement assimilable par les nations modernes. Il se définit comme celui que les nations ne veulent pas assimiler. Ce qui pèse origenellement sur lui c`est qu`il est l`assassin du Christ... Notons tout de suite qu`il s`agit ici d`une legende crée par la propagande chrétienne de la diaspora. Il est bien évident que la croix est un suplice romain et que le Christ a été executé par les romains comme agitateur politique» (2).
Nada mais evidente, com efeito, Urge que, quanto antes, se faça a expurgação, a depuração, dos abomináveis livros de propaganda (quase nazi) denominados Evangelhos escritos pelos criminosos de guerra Marcos, Mateus, Lucas e João. Já há alguns anos chamámos a esclarecida atenção de Sua Santidade João XXIII, (que tão nobremente mandara suprimir a palavra pérfidos da expressão «pérfidos judeus» do Ofício de Sexta-feira Santa.) para tão momentoso problema. Felizmente tivemos a honra de ver que o Concílio perfilhou os nossos pontos de vista. E frisemos já um ponto que nos parece importante. É por simples coincidência que o ódio e a aversão, que criam o judeu, incidiram sobre os descendentes dos membros da antiga nação judaica. A semelhantes descendentes é que, de repente, se começou sem qualquer razão plausível, a proclamá-los matadores de Cristo bem como a considerá-los impossíveis de assimilar...
Isto também se poderia ter passado, obviamente, com os descendentes dos Númidas e, então, hoje em dia, os Númidas é que seriam os judeus e a Paixão teria por local, possivelmente, Cartago. Se assim não aconteceu, foi, apenas, por acaso. Longe de nós o intuito, sequer, de pensar que, se os hebreus não foram assimilados depois da Diáspora é porque mantiveram entre si um vínculo nacional e racial a que jamais desejaram renunciar, e que se lhes é imputada a morte de Cristo é porque em Jerusalém uma imensa multidão entre o perdão de Jesus ou o de Barrabás optou a altos e repetidos brados a favor de Barrabás enquanto o romano Pilatos exclamava «estou inocente do sangue deste justo».
Evidentemente, eis aqui abjectas lendas fascistas que não merecem sequer discussão.
Assentes de tão segura e maravilhosa forma as suas premissas, Sartre não deixou de desenvolver, com cuidado singular, a argumentação que delas deriva.
Dado que sentimentos irracionais — ódio e aversão — é que originaram o judeu, o anti-semita é, por definição, um irracionalista. A prová-lo lá está o seu violento combate contra o universal e o racional. «L`anti-sémite adhère au départ a un irracionalisme de fait. Il s`oppose au juif comme le sentiment à l`intelligence, le particulier a l`universel, le passé au présent, le concret a l`abstrait» (3).
Note-se que Sartre indica qual anti-semita típico, a Charles Maurras. Ora Charles Maurras ataca exactamente o espírito judaico como insurreição do particular, do instintivo e se exalta Roma e o ethos romano é por o considerar sinónimo do universal (4). E aqui temos um típico anti-semita segundo Sartre, a perfilhar pontos de vista opostos aos que este último sustenta serem específicos e próprios do anti-semitismo.
Não se contenta, porém, com tal façanha o autor de "La Nausée". Ele ensina, impávido, que a "France Juive" de Edouard Drumont, não passa de um «receuil d`histoires ignobles ou obscènes». Lemos, há anos, essa obra do escritor de "La Fin d`un Monde", onde não encontrámos, quase não vale a pena dizê-lo, histórias ignóbeis ou obscenas. Trata-se de um estudo social e histórico, por vezes com boas páginas, outras vezes um pouco aborrecido. E nada mais. Sartre, com certeza, nunca lhe pôs a vista em cima e fala de ouvido, informado, se calhar, por algum dos seus queridos judeus (5).
Continuando na mesma ordem de inspirações, o filósofo de "L`être et le néant" sustenta a altos brados, que «Maurras nous l` affirme; un juif sera toujours incapable de comprendre ce vers de Racine-Dans l`Orient désert quel devint mon ennui» (6).
Claro que estamos perante uma falsificação grosseiríssima em que até a citação dos versos de Racine, na Bérenice, aparece truncada. O texto de Maurras é o seguinte. «On dit que la culture passe de droite à gauche et qu`un monde neuf s`est constitué. Cela est bien possible. Mais les nouveaux promus sont aussi des nouveaux venus a moins qu`ils ne soient leurs clients et valets et ces étrangers enrichis manquent terriblement les uns de gravité, de réflexion, sous leur apparence et les autres, sous leur détestable vernis parisien, de légèreté, de vraie grâce. Je trouve superficiel leur esprit si brutal. Si pratiques, si souples, ils laissent échaper le coeur la moèlle de tout. Comment ces gens là auraient-ils un gout sincère pour nos humanités? Cela ne s`apprend point à l`Université. Tous les grades du mond ne feront pas sentir à ce critique juif, d`ailleurs pénétrant, érudit, que, dans Bérenice, "lieux charmants où mon coeur vous avait adorée" est une façon de parler qui n`est point banale, mais simple, émouvante et très belle» (7).
Sartre começa, num estenderete completo, por aludir a «Dans l`Orient désert... etc.» quando Maurras se refere, dois versos abaixo, a «Lieux charmants... etc.» Semelhante falta de escrúpulo é já notável. Depois Maurras menciona o facto de os estrangeiros a que alude (esses estrangeiros — «ces étrangers») e que se estavam a assenhorear do mundo intelectual francês, ou não terem verdadeira gravidade, ou não possuírem autêntico gosto crítico, o qual se não adquire por meio de graus universitários. Maurras não estava a sustentar que os estrangeiros como tal, todos os estrangeiros (incluindo os hebreus), não podiam compreender a poesia de Racine. Estava a caracterizar, facilmente, a nova vaga cultural da sua época, de que aquele crítico judeu era um expoente. E se nas palavras do Mestre de "Le Chemin de Paradis" há algo de alcance geral, é, unicamente, contra a Universidade cujos graus nunca conseguirão substituir o bom gosto ausente. Isto que diabo tem a ver com o anti-semitismo?
Numa palavra: Maurras jamais afirmou o que Sartre, tão desavergonhadamente, lhe atribuiu, com uma desonestidade que dispensa comentários.
Observemos, ainda, que o dramaturgo de "La Putain Respectueuse" recusa-se a abranger o anti-semitismo entre as opiniões porque para ele não é «opinion une doctrine qui vise expressément des personnes particulières et à supprimer leus droits ou à les exterminer» (8).
E a conclusão surge imediata: «L`anti-sémitisme ne rentre pas dans la catégorie de pensées que protège le Droit de libre opinion» (9).
Note-se que não se alude à supressão da totalidade dos direitos, pois que, a seguir à expressão «supprimer leurs droits», vem «ou à les exterminer». Donde se vê que, no primeiro caso, sempre resta o direito à vida. Assim Sartre, ao falar em suprimir os direitos de pessoas particulares, pensa na eliminação de alguns direitos não é de todos. O que o indigna aí é que uma certa espécie concreta de indivíduos, caracterizados rácica e hereditariamente, sejam alvo de uma discriminação, quando a única discriminação que admite é aquela que se dirija a categorias abstractas e impessoais. Em todo o caso, Jean Paul Sartre nunca protestou por os cidadãos alemães residentes em França não possuírem o direito de ser deputados nem o de ascender à Presidência da República. Trata-se, aqui, de uma atitude que visa «des personnes particulières», tendendo a suprimir-lhes direitos. Os alemães são definidos por uma hereditariedade, um local de nascimento, constituem um conjunto palpável de homens. Não representam um ente esquemático, tipicizado, tão só, pelo seus factos ou funções. E sobre os alemães tomba em França uma odiosa discriminação. Que pena Sartre não se ter apercebido dela e iniciado uma humanitária e forte campanha de emancipação! Que pena não ter eliminado da categoria de pensamentos protegidos pelo direito de livre opinião a defesa das desigualdades que impendem em França entre os naturais do país e os estrangeiros do Além-Reno.
Escusado acrescentar que o presente livro possui de qualquer coisa de bom. Na página 47 lê-se: «Si Céline a pu soutenir les thèses socialistes des nazis c`est qu`il était payé». Esta bela infâmia originou uma admirável e sangrenta diatribe do romancista de "Voyage au bout de la Nuit" (publicada por Albert Paraz no seu «Gala des Vaches») que colou a Sartre, definitivamente e a justo título, o excelente sobriquete de Ténia. Eis, enfim, que algo de positivo se ficou a dever às "Réflexions sur la question juive".
Salientemos, a concluir, que Ténia-Sartre identifica o judeu como o missionário da universalidade racional, etc., etc., descobrindo-lhe uma imensa série dos mais elevados atributos morais. De forma que podemos sintetizar o pensamento sartriano com a frase do grande e saudoso P. A. Cousteau: «para Sartre os judeus não existem mas esses homens que não existem são, no entanto, superiores a quaisquer outros».
António José de Brito
Notas:
1 — J. P. Sartre, Réflexions sur la question juive, págs. 83-84.
2 — Idem, pág. 81.
3 — J. P. Sartre, Réflexions citadas, págs. 28-29.
4 — Charles Maurras, La Politique Réligieuse, págs. 388-392; Réflexions sur la Révolution de 1789, págs. 7-8.
5 — J. P. Sartre, Réflexions, cit., 53.
6 — Idem, pág. 27.
7 — Charles Maurras, L`Avenir de l`Intelligence, pág. 12.
8 — J. P. Sartre, Réflexions cit., 10.
9 — Idem, idem.
(In «Agora», n.º 343, 10.02.1968., pág. 10.)
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