segunda-feira, janeiro 31, 2005
Da Nação, do Homem e do Interesse Nacional
É possível considerar a Nação um somatório de uns tantos indivíduos e instituições e aludir assim à vontade real da Nação como o produto das decisões, provavelmente eleitorais, desse indivíduos e instituições, as últimas expressas através dos seus representantes.
Não importa discutir, aqui, se esta concepção de nação é ou não exacta. O que importa acentuar é que ela se afasta, radicalmente, da que é tradicional encontrar em autores nacionalistas ou, até, simplesmente, de direita.
Para o nacionalista, a Nação é uma entidade histórica que está para além dos indivíduos e das instituições, permanece enquanto estes passam e vão sendo substituídos. Ela representa um património moral comum, cuja conservação e aperfeiçoamento constitui um dever para indivíduos e instituições.
Em rigor, do ponto de vista do nacionalismo, não há uma vontade nacional porque a nação não é um ente real com um querer próprio; mas, a admitir-se uma vontade da nação, esta não será a dos indivíduos mas a das instituições, e, apenas, a do governante legítimo que personifica a colectividade e, situando-se acima de quaisquer entidades particulares em vez de delas receber directrizes, as integra no serviço da pátria. Em todo o caso para evitar equívocos, o nacionalismo prefere falar, não na vontade nacional, mas sim no interesse nacional, no bem comum, a que as vontades quer das pessoas quer dos grupos, se devem subordinar. E sempre por ele foi proclamado que o interesse nacional, o bem comum, não era um simples agregado de bens singulares, fossem eles dos indivíduos ou das instituições ou dos indivíduos e das instituições mesclados.
Maurras ensinava que «L'association est autre chose que l'addition des associés» (Politique réligieuse, 3ª ed., p. 222). E o prof. Marcello Caetano, que não pode passar por um extremista, mesmo nas suas fases de estadonovismo mais intenso e ortodoxo, escrevia, com naturalidade, no volume “O Sistema Corporativo”, como se se tratasse de coisa ultra conhecida: “Desde que a nação é uma sociedade distinta das sociedades secundárias que a constituem, o interesse nacional não é a soma dos interesses corporativos como não é a soma dos interesses individuais” (O Sistema Corporativo, p. 51).
É claro que se pode (com ou sem razão) discordar destes pontos de vista, e perfilhar teses diametralmente opostas e sustentar-se que a nação reduz-se aos cidadãos e aos corpos sociais adicionados; o que todavia se não pode fazer decentemente é baptizar essa concepção, mestiça de democracia individualista e democracia dita orgânica, de nacionalista, a menos que ao termo nacionalismo se dê o mais extravagante dos significados.
De qualquer modo, contudo, adopte-se ou não o conceito nacionalista da nação, o que se assemelha completamente insustentável é que se afirme que uma determinada nação é necessariamente democrática. Na perspectiva nacionalista, isso não passa de um absurdo, pois o destino superior da nação não deve depender dos caprichos de votos individuais ou grupais.
E da perspectiva não-nacionalista? Dessa perspectiva, não se vislumbra como é que a “vontade popular” é vinculada, por força, a um determinado regime ou sistema. Se se deseja respeitar semelhante vontade, é melhor aceitar o que ela, autonomamente, deliberar, em vez de decretar o que ela tem de ser. Por outro lado, que sentido tem de se declarar, como às vezes se faz, que a nação respeitará as instituições que a compõem? Talvez se se falasse na famosa vontade nacional indivíduo-grupalista, a declaração tivesse mais razoabilidade. Estaria a prescrever-se a tal vontade a proibição do suicídio, pela destruição daquilo que é em parte seu suporte.
Mas se se formular tal regra é porque a vontade em questão tem a possibilidade de se auto-aniquilar, sendo pois capaz dos maiores desvarios. E então justificar-se-á que a proclamem merecedora de respeito e acatamento?
É uma cláusula de estilo, hoje em dia, a asserção que a nação deve encarar o homem qual coisa sagrada. Talvez isso seja lógico, para os que a reduzem exactamente às pessoas e aqrupamentos. Depois de se pretender que lhe cumpre respeitar os seus grupos constitutivos, é lógico que se julgue que ela deve também respeitar intensamente o homem, que é o seu outro elemento de base. Como assenta neste e naqueles, que lhes tire o chapéu está bem, ainda que, ao que parece, a “vontade nacional”, possa cometer proezas perigosas a esse respeito, o que explica a necessidade de normas e prescrições.
Mas a nação entendida à maneira nacionalista terá igualmente de prosternar-se perante o homem? Reflictamos.
Não há na actualidade quem não fale, com prolixidade e abundância, na dignidade do homem. Ora que se entende por dignidade do homem? É indiscutível que, para o católico, o homem tem um fim último que transcende a comunidade política. Só que esse fim não confere ao homem nenhuma dignidade especial, porque ele pode desrespeitá-lo e repeli-lo. Dignidade apenas só pode haver na maneira como se procede, e em semelhante conjuntura mais do que dignidade do homem ela é dignidade de certos homens – dos homens honestos – ou seja, passe o paradoxo, é dignidade dos homens dignos.
E para quê falar, então, na dignidade do homem em geral como se a possuíssem os judas, os traidores, os hipócritas, os pseudo-portugueses sem fé nem lei?
Virão a tê-la, se se arrependerem? Com certeza! Mas a potência não se confunde com o acto, e poder vir a ser algo, se se quiser, não é o mesmo que sê-lo já, porque sem o querer mudar de rumo, já não vem a ser nada.
O homem não possui outra dignidade que não seja a de cumprir os seus deveres para com a sociedade em que nasceu e para com Deus. E, se assim for, a que título irá a nação respeitar uma dignidade, inexistente em si, e que só toma corpo, passando, exactamente, pela devoção à pátria e desta é indissociável?
Em nossa opinião, em nenhum caso, o homem é um fim em si porque tem o poder de destruir-se e como admitir que um fim em si possa auto-destruir-se, isto é, desejar suprimir o que por hipótese é bom?
O homem tem fins (não é um fim) uns mais valiosos do que outros, e é realizando-os que ele vale alguma coisa, como é negando-os que merece ser punido às vezes até com a danação eterna. Mas se isto é verdade - e é-o sem discussão - para quê se procede à apoteose frenética da pessoa humana, independentemente da sua conduta recta ou má?
A adoração do homem é uma característica da nossa desvairada idade. Mas seria excelente que a não cultivassem os que pretendem opor-se aos erros modernos e restabelecer as justas hierarquias.
ANTÓNIO JOSÉ DE BRITO
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Não importa discutir, aqui, se esta concepção de nação é ou não exacta. O que importa acentuar é que ela se afasta, radicalmente, da que é tradicional encontrar em autores nacionalistas ou, até, simplesmente, de direita.
Para o nacionalista, a Nação é uma entidade histórica que está para além dos indivíduos e das instituições, permanece enquanto estes passam e vão sendo substituídos. Ela representa um património moral comum, cuja conservação e aperfeiçoamento constitui um dever para indivíduos e instituições.
Em rigor, do ponto de vista do nacionalismo, não há uma vontade nacional porque a nação não é um ente real com um querer próprio; mas, a admitir-se uma vontade da nação, esta não será a dos indivíduos mas a das instituições, e, apenas, a do governante legítimo que personifica a colectividade e, situando-se acima de quaisquer entidades particulares em vez de delas receber directrizes, as integra no serviço da pátria. Em todo o caso para evitar equívocos, o nacionalismo prefere falar, não na vontade nacional, mas sim no interesse nacional, no bem comum, a que as vontades quer das pessoas quer dos grupos, se devem subordinar. E sempre por ele foi proclamado que o interesse nacional, o bem comum, não era um simples agregado de bens singulares, fossem eles dos indivíduos ou das instituições ou dos indivíduos e das instituições mesclados.
Maurras ensinava que «L'association est autre chose que l'addition des associés» (Politique réligieuse, 3ª ed., p. 222). E o prof. Marcello Caetano, que não pode passar por um extremista, mesmo nas suas fases de estadonovismo mais intenso e ortodoxo, escrevia, com naturalidade, no volume “O Sistema Corporativo”, como se se tratasse de coisa ultra conhecida: “Desde que a nação é uma sociedade distinta das sociedades secundárias que a constituem, o interesse nacional não é a soma dos interesses corporativos como não é a soma dos interesses individuais” (O Sistema Corporativo, p. 51).
É claro que se pode (com ou sem razão) discordar destes pontos de vista, e perfilhar teses diametralmente opostas e sustentar-se que a nação reduz-se aos cidadãos e aos corpos sociais adicionados; o que todavia se não pode fazer decentemente é baptizar essa concepção, mestiça de democracia individualista e democracia dita orgânica, de nacionalista, a menos que ao termo nacionalismo se dê o mais extravagante dos significados.
De qualquer modo, contudo, adopte-se ou não o conceito nacionalista da nação, o que se assemelha completamente insustentável é que se afirme que uma determinada nação é necessariamente democrática. Na perspectiva nacionalista, isso não passa de um absurdo, pois o destino superior da nação não deve depender dos caprichos de votos individuais ou grupais.
E da perspectiva não-nacionalista? Dessa perspectiva, não se vislumbra como é que a “vontade popular” é vinculada, por força, a um determinado regime ou sistema. Se se deseja respeitar semelhante vontade, é melhor aceitar o que ela, autonomamente, deliberar, em vez de decretar o que ela tem de ser. Por outro lado, que sentido tem de se declarar, como às vezes se faz, que a nação respeitará as instituições que a compõem? Talvez se se falasse na famosa vontade nacional indivíduo-grupalista, a declaração tivesse mais razoabilidade. Estaria a prescrever-se a tal vontade a proibição do suicídio, pela destruição daquilo que é em parte seu suporte.
Mas se se formular tal regra é porque a vontade em questão tem a possibilidade de se auto-aniquilar, sendo pois capaz dos maiores desvarios. E então justificar-se-á que a proclamem merecedora de respeito e acatamento?
É uma cláusula de estilo, hoje em dia, a asserção que a nação deve encarar o homem qual coisa sagrada. Talvez isso seja lógico, para os que a reduzem exactamente às pessoas e aqrupamentos. Depois de se pretender que lhe cumpre respeitar os seus grupos constitutivos, é lógico que se julgue que ela deve também respeitar intensamente o homem, que é o seu outro elemento de base. Como assenta neste e naqueles, que lhes tire o chapéu está bem, ainda que, ao que parece, a “vontade nacional”, possa cometer proezas perigosas a esse respeito, o que explica a necessidade de normas e prescrições.
Mas a nação entendida à maneira nacionalista terá igualmente de prosternar-se perante o homem? Reflictamos.
Não há na actualidade quem não fale, com prolixidade e abundância, na dignidade do homem. Ora que se entende por dignidade do homem? É indiscutível que, para o católico, o homem tem um fim último que transcende a comunidade política. Só que esse fim não confere ao homem nenhuma dignidade especial, porque ele pode desrespeitá-lo e repeli-lo. Dignidade apenas só pode haver na maneira como se procede, e em semelhante conjuntura mais do que dignidade do homem ela é dignidade de certos homens – dos homens honestos – ou seja, passe o paradoxo, é dignidade dos homens dignos.
E para quê falar, então, na dignidade do homem em geral como se a possuíssem os judas, os traidores, os hipócritas, os pseudo-portugueses sem fé nem lei?
Virão a tê-la, se se arrependerem? Com certeza! Mas a potência não se confunde com o acto, e poder vir a ser algo, se se quiser, não é o mesmo que sê-lo já, porque sem o querer mudar de rumo, já não vem a ser nada.
O homem não possui outra dignidade que não seja a de cumprir os seus deveres para com a sociedade em que nasceu e para com Deus. E, se assim for, a que título irá a nação respeitar uma dignidade, inexistente em si, e que só toma corpo, passando, exactamente, pela devoção à pátria e desta é indissociável?
Em nossa opinião, em nenhum caso, o homem é um fim em si porque tem o poder de destruir-se e como admitir que um fim em si possa auto-destruir-se, isto é, desejar suprimir o que por hipótese é bom?
O homem tem fins (não é um fim) uns mais valiosos do que outros, e é realizando-os que ele vale alguma coisa, como é negando-os que merece ser punido às vezes até com a danação eterna. Mas se isto é verdade - e é-o sem discussão - para quê se procede à apoteose frenética da pessoa humana, independentemente da sua conduta recta ou má?
A adoração do homem é uma característica da nossa desvairada idade. Mas seria excelente que a não cultivassem os que pretendem opor-se aos erros modernos e restabelecer as justas hierarquias.
ANTÓNIO JOSÉ DE BRITO
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