terça-feira, janeiro 25, 2005
DIRECTRIZES
1. É inútil procurar iludir-se com as quimeras de qualquer optimismo: estamos hoje no final de um ciclo. Desde há séculos, insensivelmente primeiro, depois, como o movimento de uma massa que desaba, processos múltiplos destruíram no Ocidente todo o ordenamento normal e legítimo dos homens, falsearam toda a concepção elevada do viver, do agir, do conhecer e do combater. Ao movimento dessa queda, à sua velocidade, à sua vertigem, chamou-se “progresso”. Ao “progresso” foram dedicados hinos e supôs-se enganosamente que esta civilização — civilização de matéria e de máquinas — fosse a civilização por excelência, aquela a que toda a história do mundo estava pré-ordenada: até que as consequências últimas de todo o processo se manifestaram tais, que impuseram a alguns um despertar.
Sabe-se onde e sob que símbolos procuraram organizar-se as forças para uma possível resistência. De um lado, uma nação que, desde que se tornara una, só conheceu o clima medíocre do liberalismo, da democracia e da monarquia constitucional, ousou retomar o símbolo de Roma como base para uma nova concepção política e um novo ideal de virilidade e de dignidade. Forças análogas despertaram na nação que, na Idade Média, tinha tornado seu o símbolo romano do Imperium para reafirmar o princípio de autoridade e o primado de todos aqueles valores que no sangue, na raça, nos instintos mais profundos de uma estirpe, têm a sua raíz. E, enquanto noutras nações europeias se orientavam grupos no mesmo sentido, uma terceira força se juntava a essas fileiras no continente asiático, a nação dos Samurais, na qual a adopção das formas exteriores da civilização moderna não tinha afectado a fidelidade a uma tradição guerreira centrada no símbolo do império solar de direito divino.
Não pretendemos que nessas correntes houvesse uma distinção bem nítida entre o essencial e o acessório, que às ideias se fizessem corresponder adequadas convicções e qualificações nas pessoas, que fossem superadas influências várias provenientes das próprias forças que aquelas deviam combater. O processo de purificação ideológica teria tido lugar num segundo tempo, uma vez resolvidos alguns problemas políticos imediatos e improrrogáveis. Mas mesmo assim, era claro que estava a tomar forma uma concentração de forças que representava um desafio aberto à civilização “moderna”: a da democracia herdeira da revolução francesa e a outra, representando o limite extremo da degradação do homem ocidental: a civilização colectivista do Quarto Estado, a civilização proletária do homem-massa sem rosto. Os ritmos aceleraram-se, as tensões cresceram até ao choque armado das forças. Veio a prevalecer o poder bruto de uma coligação que não recuou perante o mais híbrido dos entendimentos e a mais hipócrita mobilização ideológica para esmagar o novo mundo que estava a erguer-se e que pretendia afirmar o seu direito. Se os nossos homens estiveram ou não à altura da tarefa que lhes competia, se foram cometidos erros no plano da oportunidade, da preparação completa, da medida do risco, isso deixa-se de parte, não é coisa que prejudique o significado interno da luta travada. Igualmente, não nos interessa sublinhar que a história se vinga hoje dos vencedores que, por uma justiça imanente, as potências democráticas, depois de se coligarem com as forças da subversão vermelha para conduzirem a guerra até o extremo insensato da rendição sem condições e da destruição total, vêm actualmente voltar-se contra si, com perigosidade bem mais temível que a que queriam esconjurar, os aliados de ontem.
O que unicamente importa é o seguinte: estamos perante um mundo em ruínas. E o problema a pôr é este: há ainda homens de pé no meio dessas ruínas? E que coisa devem, que coisa podem eles fazer ainda?
2. Aqui, será necessário restringir os horizontes, isto é, limitarmo-nos ao que diz respeito à nossa nação. Antes de mais, deve reconhecer-se claramente que as destruições que nos cercam hoje em dia são mais de carácter moral e espiritual que de carácter material, económico ou social. Não há nada que se não pague: o destino relativamente melhor — se confrontado com o de outras nações vencidas — que a traição e a deserção nos asseguraram, tem a sua contrapartida numa maior decomposição interna, marasmo ideológico, abaixamento do carácter e de toda a espécie de dignidade. Reconhecer isto, significa reconhecer também que o primeiro problema, base de qualquer outro, é de índole interna: reerguer-se, ressurgir interiormente, tomar forma, criar em nós mesmos ordem e aprumo. Quem se ilude àcerca da possibilidade de uma luta puramente política e sobre o poder de uma ou outra forma ou sistema que não tenha contrapartida precisa numa nova qualidade humana, nada aprendeu das lições do recente passado. Eis um princípio que, mais que nunca, deveria ter evidência absoluta: se um Estado possuísse um sistema político ou social que, em teoria, se apresentasse como o mais perfeito mas cuja substância humana fosse degenerada, então esse Estado desceria mais tarde ou mais cedo ao nível das mais baixas sociedades, ao passo que um povo, uma raça capaz de produzir homens verdadeiros, homens de recto sentir e seguro instinto, atingiria um alto nível de civilização e manter-se-ia de pé perante as provações mais calamitosas, mesmo que o seu sistema político fosse insuficiente e imperfeito. Devemos tomar uma posição firme contra aquele falso “realismo político” que pensa apenas em termos de programas, de problemas de organização partidária, de receitas sociais e económicas. Tudo isso pertence ao contingente, não ao essencial. A medida do que pode ser ainda salvo depende da existência ou inexistência de homens que se apresentem, não a pregar fórmulas, mas como exemplos, não pactuando com a demagogia e com o materialismo das massas, mas despertando formas diversas de sensibilidade e de interesses. Partindo daquilo que, apesar de tudo, subsiste entre as ruínas, reconstituir lentamente um homem novo caracterizado por um determinado espírito e uma adequada visão da vida, fortificado pela adesão férrea a certos princípios — eis o verdadeiro problema —.
3. Como espírito, há efectivamente algo que pode servir de padrão às nossas forças de resistência e de ressurgimento: o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher a via mais dura, de quem sabe combater mesmo não ignorando que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe convalidar as palavras da antiga saga “a fidelidade é mais forte que o fogo” e graças a quem se afirma a ideia tradicional que é o sentido da honra e da desonra — não meias medidas derivadas da pequena moral — que cria uma diferença existencial entre os seres, quase como que entre uma raça e outra.
Torna-se necessário agora separar esse espírito das fórmulas ideológicas mais ou menos problemáticas que foram esboçadas naquele período e que hoje alguns assumem erroneamente confundindo-as com o essencial e arvorando-as como bandeira; impõe-se assumi-lo no seu estado puro e estendê-lo do tempo de guerra ao tempo de paz, desta paz que é apenas e acima de tudo uma pausa e uma desordem mal contida até se determinar uma descriminação e uma nova ordem de combate. Isto deve ter lugar em termos muito mais essenciais que no “partido”, que pode ser apenas um instrumento contingente de determinadas lutas políticas; em termos mais essenciais, até do simples movimento, se por movimento se entende unicamente um fenómeno de massas e de agregação, fenómeno quantitativo mais que qualitativo e baseado predominantemente em factores emotivos, em vez da severa e clara adesão a uma ideia. Acima de tudo, é uma revolução silenciosa, em profundidade, que deve realizar-se, para que sejam criadas, primeiro interiormente e no indivíduo singular, as premissas daquela ordem que depois deverá afirmar-se também no exterior, suplantando fulminantemente no momento justo as formas e as forças de um mundo de decadência e de subversão. O “estilo” que deve tomar relevo é o de quem se mantém em posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia com uma intensidade total, com repulsa por qualquer compromisso, num empenhamento completo que se deve manifestar não apenas na luta política, mas em todas as manifestações da existência: nas oficinas, nos laboratórios, nas universidades, nas ruas, na própria vida pessoal e afectiva. Deve atingir-se o ponto em que o tipo de que falamos e que deve ser a substância celular do nosso ordenamento, seja bem reconhecível, inconfundível, diferenciado, e dele se possa dizer: “Trata-se de alguém que actua como um homem do Movimento”.
Quis fazê-lo já a revolução de ontem, mas, em vários aspectos, foi impedida por factores múltiplos. Hoje, ao fim e ao cabo, as condições são melhores por não existirem equívocos, basta olhar em volta das praças até ao parlamento para as vocações serem postas à prova e se vislumbre nítida a medida daquilo que não devemos ser. Perante um mundo de cobardia cujo princípio é: “Quem te mandou fazer isso?” ou “primeiro o estômago, a pele (a malapartiana pele!) e depois a moral” ou ainda “nestes tempos, não podemos dar-nos ao luxo de ter carácter” ou, finalmente, “tenho família”, é preciso saber opor um claro e firme “não podemos agir de outro modo, este é o nosso caminho, este é o nosso ser”. O que de positivo poderá ser atingido hoje ou amanhã, não será por meio de habilidades de agitadores ou de politicantes, antes por meio do prestígio natural reconhecido a homens que, seja de ontem, seja mais ainda da nova geração, tenham capacidade para tal e assim dêm garantias à Ideia.
4. É, pois, uma substância nova que deve colocar-se no lugar daquela podre e desviada, criada pelo clima da traição e da derrota num lento avanço para além dos quadros das linhas e das posições sociais do passado. É uma figura nova que importa ter diante dos olhos para medir a própria força e a própria vocação. Importante, fundamental, é reconhecer precisamente que essa figura não tem nada a ver com as classes, com as categorias sociais económicas e com as antíteses que lhes dizem respeito. Tal figura poderá manifestar-se sob a veste do rico como do pobre, do trabalhador como do aristocrata, do empresário como do explorador, do técnico, do teólogo, do agricultor, do homem político em sentido estricto. Mas esta substância nova conhecerá uma diferenciação interna que será perfeita quando, de novo, não existirem dúvidas àcerca da vocação e da função de seguir e de comandar. Quando o símbolo restaurado da autoridade absoluta dominar no centro das novas estruturas hierárquicas.
Isto define uma directriz que pode classificar-se tanto de anti-burguesa, quanto de anti-proletária, uma directriz livre de todo das contaminações democráticas e das obsessões sociais, porque conduz a um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e de chefes de homens. Desprezo do mito burguês da segurança, da vida medíocre, estandardizada, conformista, domesticada e “moralizada”.
Desprezo pelo vínculo anódino inerente a todo o sistema colectivista e mecanicista e a todas as ideologias que atribuem a confusos valores “sociais” o primado sobre os valores heróicos e espirituais, com os quais se deve definir para nós, em todo o domínio, o tipo do homem verdadeiro, da pessoa absoluta. E qualquer coisa de essencial será conseguido quando se restaurar o amor por um estilo de impersonalidade activa para a qual o que importa é a obra e não o indivíduo, pela qual sejamos capazes de não nos considerarmos a nós próprios algo de importante, importante sendo, ao invés, a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, o fim visado. Aí, onde esse espírito se afirme, simplificar-se-ão muitos problemas, inclusivé de ordem económica e social, que, de outra forma, permaneceriam insolúveis se afrontados do exterior sem a eliminação das infecções ideológicas que, já à partida, impedem todo o retorno à normalidade e até à percepção mesma do que significa normalidade.
5. Assim, não só como orientação doutrinária mas também no que toca ao mundo de acção, é capital que os homens da nova milícia reconheçam com exactidão a concatenação das causas e efeitos e a continuidade essencial da corrente que deu vida às várias formas políticas que hoje se debatem no caos dos partidos.
Liberalismo, depois democracia, depois socialismo, depois radicalismo, finalmente comunismo ou bolchevismo, aparecem historicamente como graus do mesmo mal, como estádios que prepararam sucessivamente o complexo processo de decadência. O início desse processo está no momento em que o homem ocidental cortou os vínculos com a tradição, desconheceu todo o símbolo superior de autoridade e soberania, reivindicou para si próprio como indivíduo uma liberdade vã e ilusória, se tornou átomo em vez de parte consciente da unidade orgânica e hierárquica de um todo. E o átomo, finalmente, devia encontrar contra si a massa dos outros átomos, dos outros indivíduos, e ser arrastado pelo despontar do reino da quantidade, do puro número, das massas materializadas, que não têm outro deus que a economia soberana. Neste processo, não se pára a meio caminho. Sem a revolução francesa, sem o liberalismo e sem a revolução burguesa, não se teria chegado ao constitucionalismo, sem a democracia não se teria chegado ao socialismo e ao nacionalismo demagógico, sem a preparação do socialismo não teríamos o radicalismo e, finalmente, o comunismo. O facto dessas várias formas se apresentarem hoje umas ao lado das outras ou em recíproco antagonismo, não deve impedir o olhar que sabe ver verdadeiramente de reconhecer que estão solidárias, se concatenam, se condicionam reciprocamente e exprimem apenas os graus diversos da mesma corrente, da mesma subversão de todo o ordenamento social normal e legítimo. Assim, a grande ilusão dos nossos dias é que democracia e liberalismo sejam antítese do comunismo e tenham o poder de bloquear a maré das forças inferiores, daquilo que no calão das câmaras de trabalho se chama o movimento “progressista”. Ilusão: é como dizer que o crepúsculo é a antítese da noite, que o grau incipiente de um mal é a antítese da sua forma aguda e endémica, que um veneno diluído é a antítese desse veneno no seu estado puro e concentrado. Os homens do governo desta Itália “libertada” nada aprenderam da história mais recente, cujas lições se repetem em toda a parte até à monotonia, e continuam o seu comovente malabarismo com concepções políticas decaídas e inanes no carnaval parlamentar, quase dança macabra sobre a cratera de um vulcão latente. Nós, pelo contrário, devemos ter a coragem do radicalismo, o não! dito à decadência política em todas as suas formas, seja de esquerda, seja da pretensa direita. E, sobretudo, devemos estar conscientes de que não se pactua com a subversão, que fazer concessões hoje, significa condenar-se a ser esmagado amanhã. Intransigência nas ideias, portanto, prontidão em avançar com forças puras quando o momento oportuno for atingido.
Isto implica, naturalmente, desembaraçar-se ainda da distorção ideológica, bastante difundida também numa parte da nossa juventude, por via da qual se concedem alibis às destruições que já tiveram lugar, iludindo com o pensamento de que, apesar de tudo, eram necessárias e serviam o “progresso”; que se deve combater por qualquer coisa de “novo” situado num futuro indeterminado e não pelas verdades que já possuímos, já que essas, ainda que em formas diversas de aplicação, foram sempre e em toda a parte a base de todo o tipo correcto de organização política e social. Rechassemos essas extravagâncias e saibamos rir de quem nos acusa de sermos “anti-históricos” e “reaccionários”. A história, entidade misteriosa escrita com letra maiúscula, não existe. São os homens, na medida em que são verdadeiros homens, que fazem e desfazem a história; o chamado “historicismo” é mais ou menos a mesma coisa que o que nos ambientes de esquerda se chama “progressismo” e só quer uma coisa hoje: fomentar a passividade face à corrente que engrossa e arrasta sempre mais e mais. Quanto ao “reaccionarismo”, perguntai: quereis que enquanto agis, destruindo e profanando, nós não reajamos, nos limitemos a olhar ou até a dizer: bravo, continuai?
Só não somos “reaccionários” porque a palavra não é suficientemente forte e, sobretudo, porque partimos do positivo, representamos o positivo, valores reais e originários, que não necessitam da luz de nenhum “sol do futuro”. Frente ao nosso radicalismo, surge em particular, como irrelevante, a antítese entre “Oriente” vermelho e “Ocidente” democrático, aparece-nos mesmo como tragicamente irrelevante o eventual conflito armado entre esses dois blocos. A olhar apenas ao imediato, subsiste por certo a escolha do mal menor, já que a vitória militar do “Oriente” implicaria a destruição física imediata dos últimos expoentes de resistência. No plano da ideia, a Rússia e a América do Norte são como os dois braços da mesma tenaz a caminho de se encontrarem para esmagar definitivamente a Europa. Nessas duas formas diversas e convergentes, actua a mesma força estranha e inimiga. As formas de estandardização, de conformismo, de nivelamento democrático, de frenesi produtivo, de mais ou menos prepotentes e explícitos brains trusts, de materialismo redutor, do americanismo, podem servir para abrir caminho à fase ulterior representada dentro da mesma direcção pelo ideal puramente comunista do homem-massa. O carácter distintivo do americanismo é que o ataque contra a qualidade e a personalidade não se faz mediante a coacção brutal da ditadura proletária e do pensamento de Estado, é quase espontaneamente imposto ao longo dos caminhos de uma civilização que não conhece ideais mais altos que riqueza, rendimento, produção ilimitada, ou seja, por uma exasperação e uma redução ao absurdo daquilo que a própria Europa elegeu — os mesmos motivos tomaram aí forma ou estão a tomar forma —. Mas, primitivismo, mecanicismo e brutalidade encontram-se tanto num lado como no outro. Em certo sentido, o americanismo é mais perigoso que o bolchevismo: por ser uma espécie de cavalo de Tróia. Quando o ataque contra os valores que ainda restam da tradição europeia se efectua na forma directa e nua da ideologia bolchevista e do estalinismo, erguem-se ainda reacções e algumas linhas de resistência, ainda que débeis, podem ser mantidas. As coisas sucedem diversamente quando o mesmo mal actua de modo mais subtil e as transformações acontecem insensivelmente no plano dos costumes e da visão geral da vida, como é o caso do americanismo. Suportando com inteira boa vontade este último sob o signo das liberdades democráticas, a Europa predispõe-se às últimas abdicações, de tal modo que pode acontecer que nem sequer seja necessária uma catástrofe militar e que, por via progressiva, se atinja mais ou menos o mesmo ponto depois de uma última crise social. Diremos de novo, a meio caminho não se fica. O americanismo, querendo ou não, trabalha a favor do seu aparente inimigo, o colectivismo.
6. Não sem relação com isto, o nosso radicalismo de reconstrução exige que não se transija só com qualquer variedade da ideologia marxista ou socialista, mas também com aquilo que em geral se pode chamar a alucinação ou o demonismo da economia. Trata-se aqui da ideia que o factor económico é na vida individual ou colectiva o importante, o real, o decisivo; que a concentração de todo o valor e interesse no plano económico e produtivo não é aberração sem precedentes do homem ocidental moderno, antes qualquer coisa de normal, não uma necessidade eventual brutal, mas algo que é desejado e exaltado. Nesse círculo fechado e cinzento, estão encerrados o capitalismo e o marxismo. Devemos romper esse círculo. Enquanto não se souber falar senão de classes económicas, de trabalho, de salários, de produção, quando se cria a ilusão de que o verdadeiro progresso humano, a verdadeira elevação do homem singular é condicionada apenas por um particular sistema da distribuição da riqueza e dos bens relacionados com a pobreza ou com a riqueza, com o Estado da prosperity U.S.A. ou com o socialismo utópico, ficamos sempre num plano idêntico ao que pretendemos combater. Devemos afirmar isto: que tudo o que é economia e interesse económico como mera satisfação das necessidades animais teve, tem, terá sempre, uma função subordinada numa unidade normal; que, para além dessa esfera, deve diferenciar uma ordem de valores superiores, políticos, espirituais e heróicos, uma ordem que — como já dissemos — não conhece e muito menos admite “proletários” ou “capitalistas” e em função da qual devemos definir as coisas pelas quais vale a pena viver e morrer. Deve estabelecer-se a hierarquia verdadeira, devem diferenciar-se novas dignidades e, no vértice, deve estar entronizada a superior função de comando, de Imperium.
Assim, serão erradicadas muitas ervas daninhas que brotaram aqui e além no nosso campo. Que significa de facto aludir ao “Estado do trabalho”, ao “socialismo nacional”, ao “humanismo do trabalho” e a coisas semelhantes? O que é isso senão uma aberta involução da política na economia, quase um retomar daquelas tendências problemáticas para um “corporativismo integral” e no fundo acéfalo que, no Fascismo, encontraram felizmente o caminho fechado? Que coisa é essa considerar a fórmula da “socialização” uma espécie de remédio universal e elevar a “ideia social” a símbolo de uma nova civilização que, como se sabe, deveria estar para além do “Oriente” e do “Ocidente”?
São esses — importa reconhecê-lo — os lados sombrios presentes em alguns espíritos que, todavia, se encontram ao nosso lado noutros aspectos. Com isso, pensam ser fiéis a uma ordem revolucionária, ao passo que obedecem apenas a sugestões mais fortes que eles mesmos de que está saturado o degradado ambiente político. Entre tais soluções, encontra-se a própria “questão social”. Quando se apreenderá a verdade, isto é, que o marxismo não apareceu porque existia uma “questão social” real, mas que a “questão social” surge — em infinitos casos — apenas porque existe marxismo, ou seja, artificialmente, e em termos quase insolúveis, por obra de agitadores, dos famosos “restauradores da consciência de classe”, sobre os quais Lenine se exprimiu claramente ao refutar o carácter espontâneo do movimento revolucionário proletário?
Partindo desta premissa, será necessário agir no sentido da desproletarização ideológica, da desinfecção do vírus político socialista nas partes ainda sãs do povo. Só então poderá ser estudada e efectuada sem perigo outra reforma, segundo uma justiça autêntica.
Assim, como caso particular, ver-se-á de acordo com que espírito a ideia corporativa poderá ser de novo uma das bases de reconstrução: corporativismo, não tanto como sistema geral de harmonização estatal e quase burocrática que mantenha a ideia deletéria de opostas posições de classe, antes como exigência que no próprio interior da empresa seja reconstruída aquela unidade, a solidariedade de forças diferenciadas que a prevaricação capitalista (com o tipo parasitário do especulador e do capitalista financeiro) de um lado, a agitação marxista, do outro, prejudicaram e destruíram. Impõe-se fazer voltar a empresa à forma de unidade quase militar na qual, ao espírito de responsabilidade, energia e competência de quem dirige, corresponde a solidariedade e a fidelidade das forças trabalhadoras a si associadas no labor comum. Entendido neste seu lado positivo e legítimo, é este o sentido próprio da “socialização”: designação pouco adequada, no entanto, já que aquilo de que se devia falar se trata antes da reconstrução orgânica da economia na empresa, ao passo que, com o uso daquela fórmula, nos devíamos preservar de intuitos puramente propagandísticos, de adulação do espírito de sedição das massas disfarçado em “justiça social” proletária. Em princípio, impõe-se retomar o estilo de impersonalidade activa, de dignidade, de solidariedade no produzir, característico das antigas corporações artesanais e profissionais. Mas, repitamo-lo, isso deve atingir-se no interior. O importante é que, contra toda a forma de ressentimento e de competição social, cada um saiba reconhecer e amar o seu próprio posto, o que, na verdade, está conforme com a sua própria natureza, reconhecendo deste modo os limites entre os quais pode desenvolver as suas possibilidades e alcançar a perfeição; um operário que desempenha perfeitamente a sua função, é indubitavelmente superior a um rei que recusa cumprir o seu dever e não está à altura da sua dignidade.
Em especial, podemos admitir um sistema de competências técnicas e de representação corporativa que suplante o parlamentarismo dos partidos; mas deve ter-se presente que as hierarquias técnicas no conjunto não podem significar mais que um grau na hierarquia integral: dizem respeito à ordem dos meios a serem subordinados à ordem dos fins, à qual corresponde então a parte propriamente política e espiritual do Estado. Na verdade, falar de um “Estado do trabalho” ou de produção, equivale a tomar a parte pelo todo, a reduzir um organismo humano a funções meramente físico-vitais. Coisa tão obtusa e obscura não pode ser a nossa insígnia nem ideia social. A verdadeira antítese frente, quer ao “Oriente”, quer ao “Ocidente”, não é o “ideal social”. É antes a ideia hierárquica integral. A respeito disso, nenhuma incerteza é tolerável.
7. Se a ideia de unidade política viril e orgânica foi já parte essencial no mundo que se derrubou — por isso, foi reevocado por nós o símbolo romano — devemos todavia apontar os casos em que tal exigência sofreu um desvio e quase abortou, dirigindo-se para a errada direcção do “totalitarismo”. Eis, novamente, um ponto que é preciso ver com clareza, a fim da diferenciação entre as frentes ser rigorosa e não serem fornecidas armas aos que querem intencionalmente confundir as coisas. Hierarquia não é hierarquismo (mal que hoje reaparece demasiadamente, embora em tom menor) e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora. No tocante aos indivíduos singulares, a verdadeira superação do individualismo e do colectivismo tem apenas lugar quando há homens que estão frente a homens na diversidade natural do seu ser e da sua dignidade, merecendo o máximo destaque a antiga máxima segundo a qual “a suprema nobreza dos chefes não é serem patrões de servos, mas chefes que amam a liberdade até naqueles que lhes obedecem”. No que diz respeito à unidade, que, por princípio, deve impedir toda a forma de dissociação e de absolutização do particular, deve ser essencialmente espiritual, deve ser uma influência central orientadora, um impulso que, conforme os domínios, assuma as mais diferenciadas formas de expressão. É essa a verdadeira essência da concepção “orgânica” oposta ao tipo de relações rígidas e extrínsecas próprias do “totalitarismo”. É nesses quadros que a exigência da liberdade e da dignidade da pessoa humana (que o liberalismo só sabe conceber em termos individualistas, igualitaristas e privatísticos) se pode realizar integralmente. É com esse espírito que as filas das novas milícias devem estar ordenadas e que as estruturas de um novo ordenamento político-social serão estabelecidas em articulações firmes e claras.
Tais estruturas, porém, necessitam de um centro, de um ponto de referência supremo. É indispensável um novo símbolo de soberania e de autoridade absolutas. A tal respeito, a palavra de ordem deve ser nítida, não podem ser admitidas tergiversações ideológicas. Convém dizer claramente que não se trata aqui do chamado problema institucional; trata-se, sobretudo, do que é necessário a um clima específico, do fluido que deve animar toda a relação de fidelidade, de dedicação, de serviço, de acção desindividual, de tal forma que seja autenticamente superado o cinzento, mecânico e oblíquo mundo político actual. Encontrar-nos-emos num caminho sem saída se não formos capazes de uma espécie de ascese da ideia pura. Alguns antecedentes pouco felizes das nossas tradições nacionais como, em grau ainda maior, as trágicas contingências de ontem, prejudicam em muitos dos nossos a percepção clara da direcção justa. Podemos declarar-nos incompatíveis com a directriz monárquica se temos em vista aqueles que actualmente nada mais sabem que defender o resíduo da ideia, símbolo esvaziado e desvirilizado, da monarquia constitucional e parlamentar. Mas também, de modo igualmente decidido, devemos declarar a nossa incompatibilidade face à ideia republicana. Ser anti-democrata, por um lado, e, por outro, defender “ferozmente” (é esta, predominantemente, a terminologia de certos expoentes da falsa intransigência) a ideia republicana, é um absurdo abertamente palpável: a república (referimo-nos às repúblicas actuais: as repúblicas antigas eram aristocracias — como Roma — ou oligarquias, estas com carácter de tirania muitas vezes) pertence essencialmente ao mundo que veio à vida através do jacobinismo e da subversão anti-tradicional e anti-hierárquica do século XIX. Deixemo-la a esse mundo, que não é o nosso. Não se jogue com equívocos em nome da fidelidade ao fascismo de Saló; se, por tal razão, se devesse seguir a falsa via republicana, imediatamente estaríamos a ser infiéis a qualquer coisa de maior e de melhor, a abandonar o núcleo central da ideologia do Ventennio, isto é, a sua doutrina do Estado em função da autoridade, do poder, do Imperium. Impõe-se que só a essa doutrina sejamos fiéis, não consentindo em descidas de nível e não fazendo o jogo de algum grupo. A concretização do símbolo acima referido deixa-se por agora indeterminada. Diga-se apenas: Chefe, Chefe de Estado. Para além disso, a tarefa essencial é preparar silenciosamente o ambiente espiritual adequado a que o símbolo da autoridade intangível seja sentido e readquira a plenitude do seu significado: ao qual não pode corresponder a estatura de qualquer mutável “presidente” de república e muito menos de um tribuno ou dirigente popular detentor de um simples poder individual informe desprovido de qualquer carisma superior, assentando o prestígio precário por ele exercido nas forças irracionais das massas. É a isso que alguns deram o nome de “bonapartismo”, justamente reconhecido, não como significando a antítese da democracia demagógica ou popular, mas, em vez disso, a lógica conclusão da mesma: um dos obscuros aparecimentos da decadência do Ocidente de que falava Spengler. Eis a nova pedra de toque para os nossos: a sensibilidade perante tudo isto. Já Carlyle falava do mundo dos servos que quer ser governado pelo pseudo-herói — não por um Senhor —.
8. Dentro de uma ordem de ideias análoga, deve ser acentuado um outro ponto. Trata-se da posição a assumir face ao nacionalismo e à ideia genérica de Pátria. Isto é tanto mais oportuno quanto acontece que, hoje em dia, muitos, para procurarem salvar o salvável, querem fazer valer acima de tudo uma concepção romântica, sentimental e, ao mesmo tempo, naturalística da nação, noção alheia à mais alta tradição política europeia e pouco conciliável com a ideia de Estado de que temos falado. Nestes tempos, em que é necessário formar um grande ordenamento internacional definido por uma ideia e se insiste na fórmula da pietística “pacificação nacional” e de “solidariedade dos filhos da mesma terra” enquanto se vê a ideia de Pátria ser invocada retorica e hipocritamente pelos partidos mais opostos e até por aqueles que estão a soldo da subversão vermelha — eis o que não se compreende. Mas o mais essencial é a questão de princípio. O plano político, enquanto tal, é de uma unidade superior às unidades definidas em termos naturalísticos como são aquelas a que correspondem as noções genéricas de nação, de pátria, de povo. Nesse plano superior, o que une e divide é a Ideia, uma ideia de que é portadora uma determinada elite e que tende a concretizar-se no Estado. Por isso, a doutrina fascista — que em tal ponto se manteve fiel à melhor tradição política europeia — deu à Ideia e ao Estado o primado relativamente à nação e ao povo e entendeu que nação e povo só adquirem significado e forma dentro do Estado, participando num grau superior de existência. Precisamente em períodos de crise como o actual, precisamos de manter-nos firmes nesta doutrina. Na Ideia se reconhece a nossa verdadeira Pátria. O que hoje conta, não é ser da mesma terra ou falar a mesma língua, mas pertencer à mesma Ideia. Esta é a base, o ponto de partida. À unidade colectivística da nação — les enfants de la patrie — que predomina desde a revolução jacobina, opomos em todas as circunstâncias algo como uma Ordem, homens fiéis a princípios, representantes de uma autoridade e legitimidade superiores procedentes, exactamente, da Ideia. Ainda que para fins práticos seja desejável atingir uma nova solidariedade nacional, não se desça a compromissos para a atingir; o pressuposto sem o qual todo o resultado seria ilusório, é saber separar-se e dar forma a um ordenamento definitivo da Ideia como ideia política e visão da vida. Não há outro caminho, é preciso que dentre as ruínas se renove o processo das origens, processo que, em função das elites e de um símbolo de soberania e autoridade, uniu os povos em grandes Estados tradicionais, que surgiram do informe. Não entender este realismo da Ideia, significa limitarmo-nos a um plano no fundo subpolítico: ao naturalismo e sentimentalismo, senão mesmo à retórica patrioteira. Estejamos bem atentos na altura em que apoiamos a nossa ideia nas tradições nacionais: há uma história pátria de inspiração maçónica e anti-tradicional especializada em atribuir carácter italiano aos lados mais problemáticos da nossa história: a partir da revolta das comunas apoiada no guelfismo. Com ela, toma relevo uma “italianidade” tendenciosa na qual nós, que escolhemos o símbolo romano, não podemos nem queremos reconhecer-nos. Deixamo-la de boa vontade aos italianos que celebraram o “segundo Risorgimento” com a “libertação” e com o “partigianismo”
Ideia, Ordem, Elite, Estado, Homens da Ordem — enquanto for possível, são estas as linhas a manter.
9. Diga-se qualquer coisa sobre o problema da cultura. Não demasiado. De facto, não supervaloramos a cultura. Aquilo a que chamamos “visão do mundo” não se baseia em livros; é uma forma interior que pode ser mais rigorosa num ser sem cultura especial, que num “intelectual” ou num escritor. Deve inscrever-se entre os malefícios da “cultura livre” ao alcance de todos o facto do indivíduo singular ficar aberto a influências de qualquer género quando, por natureza, não tem capacidade reactiva face a elas para saber discriminar e julgar adequadamente.
Temos de limitar as nossas considerações a dizer como estão actualmente as coisas: há determinadas correntes das quais se deve defender interiormente a juventude que hoje se quer unir a nós. Falámos atrás de um estilo de rectidão e de disciplina interior. Esse estilo implica um justo saber e os jovens, em especial, devem aperceber-se da intoxicação exercida sobre toda uma geração pelas várias mas concordantes visões distorcidas e falsas da vida que incidiram sobre as forças interiores precisamente no ponto em que a sua integridade seria maximamente necessária. De uma maneira ou de outra, esses tóxicos continuam a agir hoje sobre a cultura, sobre a ciência, sobre a sociologia, sobre a literatura, como outros tantos focos de infecção que importa assinalar e atacar. Além do materialismo histórico e do economicismo, o darwinismo, a psicanálise, o existencialismo, o neo-realismo estão entre esses principais focos de infecção.
Contra o darwinismo, reivindicamos a dignidade fundamental da pessoa humana, reconhecendo que o seu verdadeiro lugar não é o de uma espécie animal particular mais ou menos evoluída junto de tantas outras e diferenciada pela “selecção natural”, sempre ligada a origens animais e primitivistas. O seu lugar situa-se além do plano biológico e eleva-a acima deste. Se hoje não se fala tanto de darwinismo, a sua substância permanece. Numa ou noutra variante, o mito biologístico darwiniano vale como dogma defendido pelas excomunhões da “ciência” no materialismo da civilização marxista e da americana. O homem moderno habituou-se a essa concepção degradante, reconhece-se tranquilamente nela hoje em dia, julga-a natural.
Contra a psicanálise, deve erguer-se o ideal de um Eu que não abdica, que quer continuar consciente, autónomo e soberano face à parte nocturna e subterrânea da sua alma e ao demonismo da sensualidade; um Eu que não se sente “reprimido” nem psicoticamente dividido, antes realiza o equilíbrio de todas as suas faculdades ordenadas a um objectivo superior do viver e do agir. Pode ser apontada uma convergência evidente: à desautorização do princípio consciente da pessoa, ao relevo dado pela psicanálise e por escolas análogas ao subconsciente, ao irracional, ao “inconsciente colectivo” e a coisas semelhantes, correspondem no indivíduo exactamente o que no mundo social e histórico moderno representam a emergência e o movimento vindo de baixo, a subversão, a substituição revolucionária do inferior pelo superior e o desprezo por todo o princípio de autoridade. Nesses dois planos diversos actua a mesma tendência e os dois efeitos não podem deixar de se completarem reciprocamente.
Quanto ao existencialismo, distinguindo o que nele é propriamente filosofia — uma filosofia confusa — e que até agora era pertença de um círculo restrito de especialistas, importa reconhecê-lo como o estado de ânimo de uma crise tornada sistema e adulada, a verdade de um tipo humano dividido e contraditório que sofre como angústia, tragicidade e absurdo uma liberdade para a qual não se sente digno, antes se sente condenado sem salvação e sem responsabilidade no meio de um mundo desprovido de valor e significação. Tudo isto, mesmo quando já um Nietzsche tinha indicado um caminho para atribuirmos sentido à existência face ao mais exasperado nihilismo, o caminho de quem, para além de todas estas complicações e dilacerações, sabe dar a si mesmo uma lei e um valor absoluto.
Finalmente, deve tomar-se posição contra o chamado neo-realismo, cuja característica é identificar a existência em geral com os seus graus mais baixos e irracionais, comprazendo-se numa espécie de auto-sadismo. Há quem sinta nisso uma espécie de “libertação”: na verdade, semelhante à libertação política, traduzida, não na elevação, mas na postração e degradação geral. Contra isto, deve manter-se vivo o sentido de que a realidade verdadeira da existência está em que esta se subordine a qualquer coisa que vá além dela, à vontade de atingir um “mais além”, deixando para trás o que apenas se vincula ao humano.
Tais são as linhas de superação, que não devem ser intelectualistas e dialécticas, mas vividas, realizadas no seu directo significado da própria conduta e da vida interior de cada um. Salvar-se não é possível se se permanece de alguma maneira sob a influência de formas de pensamento falso e desviado. Desintoxicados, podemos conseguir clareza, rectidão, força.
10. Na zona situada entre a cultura e os costumes, é necessário precisar posteriormente uma certa posição. Foi lançada pelo comunismo a palavra de ordem do anti-burguesismo, acolhida também no campo da cultura por certos ambientes intelectuais de “vanguarda”. Há aqui um equívoco. Como a burguesia social é qualquer coisa de intermédio, há uma dupla possibilidade de superar a burguesia, de dizer não ao tipo burguês, à civilização burguesa, ao espírito e aos valores burgueses. Uma, corresponde à direcção que conduz ainda mais abaixo de tudo isso, à sub-humanidade colectivizada e materializada com o seu “realismo” marxista: valores sociais e proletários contra a “decadência burguesa” e “imperialista”. Outra é a direcção de quem combate a burguesia e se ergue, efectivamente, acima da mesma. Os homens do novo posicionamento serão, sim, anti-burgueses, mas em função da já referida concepção superior, heróica e aristocrática da existência; serão anti-burgueses porque desdenham a vida cómoda; anti-burgueses porque seguirão, não os que prometem vantagens materiais mas os que exigem tudo de si mesmos; anti-burgueses, finalmente, porque não têm a preocupação da segurança, amam a união essencial entre a vida e o risco em todos os planos, tornando próprias a inexorabilidade da ideia pura e da acção estricta. Outro aspecto pelo qual o homem novo, substância celular do movimento de ressurreição, será anti-burguês e se diferenciará das gerações precedentes, é a sua impaciência perante toda a forma retórica e todo o falso idealismo, por todas aquelas grandes palavras escritas com letra maiúscula, por tudo o que é apenas gesto, frase teatral, cenografia. Ao invés, essencialidade, novo realismo no enfrentar exactamente os problemas que se impõem, no fazer o que importa e não na mera exterioridade, antes o ser, não o falar, no realizar de modo silencioso e exacto, em sintonia com as forças afins e aderindo ao imperativo vindo do alto.
Quem, contra as forças da esquerda, só sabe reagir em nome dos ídolos, do estilo de vida, da moralidade medíocre e conformista do mundo burguês, perdeu antecipadamente a batalha. Não é o caso do homem da nossa revolução, que está em pé depois de ter passado pelo fogo purificador das destruições externas e internas. Esse homem, do mesmo modo que politicamente não é o instrumento de uma pseudo-reacção burguesa, também de modo geral retoma forças e ideais anteriores e superiores ao mundo burguês e à era económica, e é com tais forças que cria as linhas de defesa e consolida as posições donde, no momento oportuno, surgirá fulgurante a acção reconstrutora.
Igualmente a tal respeito, julgamos retomar uma palavra de ordem não cumprida: como se sabe, houve no período fascista uma tendência anti-burguesa que quis manifestar-se de modo efectivo. No entanto, também aqui a substância humana não esteve à altura da tarefa proposta. E assim, da anti-retórica soube fazer-se retórica.
11. Consideremos brevemente um último ponto, o das relações entre as forças ainda não despedaçadas e a religião dominante. Para nós, o Estado laico, quaisquer que sejam as suas formas, pertence ao passado. Em particular, combatemos o seu disfarce, que em certos ambientes se apresentou como “Estado ético” produto de uma pretensiosa, espúrea, vazia filosofia “idealista” que aderiu ao Fascismo mas que, pela sua natureza, é capaz, graças a um simples jogo “dialético” de dados, de dar idêntico aval ao antifascismo de um Croce. Tal filosofia é apenas um produto da burguesia laica e humanista presumida do “livre pensamento” próprio de um reitor de liceu, ao celebrar a infinitude do “espírito absoluto” e do “acto puro”. Nada aí há de real, de claro, de duro.
Se combatemos tais ideologias e o Estado laico, do mesmo modo o Estado clerical ou quase clerical é inaceitável. O facto religioso é necessário como alicerce de uma verdadeira concepção heróica da vida, essencial na nossa posição. É preciso sentir em nós mesmos que, para além desta vida terrena, há uma vida mais alta, já que só quem assim sente possui uma força inquebrantável e insuperável; só esse será capaz do ímpeto absoluto — faltando este, desafiar a morte sem ter em conta a própria vida, só é possível em momentos esporádicos de exaltação ou no desencadear de forças irracionais; então, não há disciplina com significado superior e autónomo que possa legitimar-se para o indivíduo. Essa espiritualidade deve estar viva entre os nossos, não necessita de formulações dogmáticas obrigatórias; o estilo de vida que daí se pode extrair não é o do moralismo católico que pouco mais visa que domesticar virtuísticamente o animal humano; politicamente, tal espiritualidade não pode deixar de nutrir desconfiança em relação ao humanitarismo, ao jusnaturalismo, à igualdade, ao ideal do amor e do perdão — em vez do ideal da honra e da justiça — e a tudo o que se pode deduzir de certos aspectos da concepção cristã. Claro, se o catolicismo fosse capaz de se afastar do plano contingente e politicante, se fosse capaz de assumir uma atitude de alta ascese e, nessa base, retomando o espírito da melhor Idade Média — a das cruzadas — tornar-se uma espécie de nova ordem templária compacta e inexorável contra a corrente do caos, da abdicação, da subversão e do materialismo prático do mundo moderno, em tal caso não haveria um instante de dúvida na nossa escolha. Mas, como as coisas estão, isto é, dado o nível medíocre, no fundo burguês e paroquial, a que desceu hoje tudo o que é religião, para os nossos homens poderá bastar a pura referência ao espírito como evidência de uma realidade transcendente a invocar, não para evasões místicas ou alibis humanitários, mas para inserir na nossa força uma outra força, para fazer pressentir que a nossa luta não é apenas luta política, para atrair uma consagração invisível num mundo novo de homens e de chefes.
* * *
Eis algumas orientações essenciais para a batalha a travar, especialmente dirigidas à juventude, para que retome a chama e a palavra de ordem de quem não caiu, extraindo a lição dos erros do passado, sabendo discriminar e rever tudo o que ontem e hoje em dia tem a marca da contingência. Essencial é não descer ao nível dos adversários, não se reduzir à agitação de simples palavras de ordem, não insistir desmedidamente naquilo que no passado, ainda que digno de ser recordado, não tem valor actual e impessoal de ideia-força, não ceder às sugestões do falso realismo politicante, tara de todos os “partidos”. Na verdade, a fim de poderem criar todo o espaço possível na situação actual, é necessário que as nossas forças actuem também na luta corpo-a-corpo, política e polémica. Além disso, é importante, é essencial, que se constitua uma elite que defina a Ideia, em função da qual nos devemos unir, com intensidade firme, rigor intelectual e absoluta intransigência e que afirme essa ideia sobretudo sob a forma de um homem novo, do homem da resistência, do homem de pé entre as ruínas. Se é possível ultrapassar este período de crise e de ordem ilusória, apenas a esse homem pertencerá o futuro; se, porventura, não puder ser detido o destino que o mundo moderno deu a si próprio e que agora o arruina, em tal situação as nossas posições internas serão mantidas: suceda o que suceder, o que deve ser feito será feito, pois pertencemos àquela pátria que nenhum inimigo conseguirá ocupar ou destruir.
Julius Evola
(Directrizes (Orientamenti), Milão, Il Ghibellino, a cura del Centro Ordine Nuovo, Kalendis Januariis MMDCCXII, A. U. C. – 1958.)
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Sabe-se onde e sob que símbolos procuraram organizar-se as forças para uma possível resistência. De um lado, uma nação que, desde que se tornara una, só conheceu o clima medíocre do liberalismo, da democracia e da monarquia constitucional, ousou retomar o símbolo de Roma como base para uma nova concepção política e um novo ideal de virilidade e de dignidade. Forças análogas despertaram na nação que, na Idade Média, tinha tornado seu o símbolo romano do Imperium para reafirmar o princípio de autoridade e o primado de todos aqueles valores que no sangue, na raça, nos instintos mais profundos de uma estirpe, têm a sua raíz. E, enquanto noutras nações europeias se orientavam grupos no mesmo sentido, uma terceira força se juntava a essas fileiras no continente asiático, a nação dos Samurais, na qual a adopção das formas exteriores da civilização moderna não tinha afectado a fidelidade a uma tradição guerreira centrada no símbolo do império solar de direito divino.
Não pretendemos que nessas correntes houvesse uma distinção bem nítida entre o essencial e o acessório, que às ideias se fizessem corresponder adequadas convicções e qualificações nas pessoas, que fossem superadas influências várias provenientes das próprias forças que aquelas deviam combater. O processo de purificação ideológica teria tido lugar num segundo tempo, uma vez resolvidos alguns problemas políticos imediatos e improrrogáveis. Mas mesmo assim, era claro que estava a tomar forma uma concentração de forças que representava um desafio aberto à civilização “moderna”: a da democracia herdeira da revolução francesa e a outra, representando o limite extremo da degradação do homem ocidental: a civilização colectivista do Quarto Estado, a civilização proletária do homem-massa sem rosto. Os ritmos aceleraram-se, as tensões cresceram até ao choque armado das forças. Veio a prevalecer o poder bruto de uma coligação que não recuou perante o mais híbrido dos entendimentos e a mais hipócrita mobilização ideológica para esmagar o novo mundo que estava a erguer-se e que pretendia afirmar o seu direito. Se os nossos homens estiveram ou não à altura da tarefa que lhes competia, se foram cometidos erros no plano da oportunidade, da preparação completa, da medida do risco, isso deixa-se de parte, não é coisa que prejudique o significado interno da luta travada. Igualmente, não nos interessa sublinhar que a história se vinga hoje dos vencedores que, por uma justiça imanente, as potências democráticas, depois de se coligarem com as forças da subversão vermelha para conduzirem a guerra até o extremo insensato da rendição sem condições e da destruição total, vêm actualmente voltar-se contra si, com perigosidade bem mais temível que a que queriam esconjurar, os aliados de ontem.
O que unicamente importa é o seguinte: estamos perante um mundo em ruínas. E o problema a pôr é este: há ainda homens de pé no meio dessas ruínas? E que coisa devem, que coisa podem eles fazer ainda?
2. Aqui, será necessário restringir os horizontes, isto é, limitarmo-nos ao que diz respeito à nossa nação. Antes de mais, deve reconhecer-se claramente que as destruições que nos cercam hoje em dia são mais de carácter moral e espiritual que de carácter material, económico ou social. Não há nada que se não pague: o destino relativamente melhor — se confrontado com o de outras nações vencidas — que a traição e a deserção nos asseguraram, tem a sua contrapartida numa maior decomposição interna, marasmo ideológico, abaixamento do carácter e de toda a espécie de dignidade. Reconhecer isto, significa reconhecer também que o primeiro problema, base de qualquer outro, é de índole interna: reerguer-se, ressurgir interiormente, tomar forma, criar em nós mesmos ordem e aprumo. Quem se ilude àcerca da possibilidade de uma luta puramente política e sobre o poder de uma ou outra forma ou sistema que não tenha contrapartida precisa numa nova qualidade humana, nada aprendeu das lições do recente passado. Eis um princípio que, mais que nunca, deveria ter evidência absoluta: se um Estado possuísse um sistema político ou social que, em teoria, se apresentasse como o mais perfeito mas cuja substância humana fosse degenerada, então esse Estado desceria mais tarde ou mais cedo ao nível das mais baixas sociedades, ao passo que um povo, uma raça capaz de produzir homens verdadeiros, homens de recto sentir e seguro instinto, atingiria um alto nível de civilização e manter-se-ia de pé perante as provações mais calamitosas, mesmo que o seu sistema político fosse insuficiente e imperfeito. Devemos tomar uma posição firme contra aquele falso “realismo político” que pensa apenas em termos de programas, de problemas de organização partidária, de receitas sociais e económicas. Tudo isso pertence ao contingente, não ao essencial. A medida do que pode ser ainda salvo depende da existência ou inexistência de homens que se apresentem, não a pregar fórmulas, mas como exemplos, não pactuando com a demagogia e com o materialismo das massas, mas despertando formas diversas de sensibilidade e de interesses. Partindo daquilo que, apesar de tudo, subsiste entre as ruínas, reconstituir lentamente um homem novo caracterizado por um determinado espírito e uma adequada visão da vida, fortificado pela adesão férrea a certos princípios — eis o verdadeiro problema —.
3. Como espírito, há efectivamente algo que pode servir de padrão às nossas forças de resistência e de ressurgimento: o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher a via mais dura, de quem sabe combater mesmo não ignorando que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe convalidar as palavras da antiga saga “a fidelidade é mais forte que o fogo” e graças a quem se afirma a ideia tradicional que é o sentido da honra e da desonra — não meias medidas derivadas da pequena moral — que cria uma diferença existencial entre os seres, quase como que entre uma raça e outra.
Torna-se necessário agora separar esse espírito das fórmulas ideológicas mais ou menos problemáticas que foram esboçadas naquele período e que hoje alguns assumem erroneamente confundindo-as com o essencial e arvorando-as como bandeira; impõe-se assumi-lo no seu estado puro e estendê-lo do tempo de guerra ao tempo de paz, desta paz que é apenas e acima de tudo uma pausa e uma desordem mal contida até se determinar uma descriminação e uma nova ordem de combate. Isto deve ter lugar em termos muito mais essenciais que no “partido”, que pode ser apenas um instrumento contingente de determinadas lutas políticas; em termos mais essenciais, até do simples movimento, se por movimento se entende unicamente um fenómeno de massas e de agregação, fenómeno quantitativo mais que qualitativo e baseado predominantemente em factores emotivos, em vez da severa e clara adesão a uma ideia. Acima de tudo, é uma revolução silenciosa, em profundidade, que deve realizar-se, para que sejam criadas, primeiro interiormente e no indivíduo singular, as premissas daquela ordem que depois deverá afirmar-se também no exterior, suplantando fulminantemente no momento justo as formas e as forças de um mundo de decadência e de subversão. O “estilo” que deve tomar relevo é o de quem se mantém em posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia com uma intensidade total, com repulsa por qualquer compromisso, num empenhamento completo que se deve manifestar não apenas na luta política, mas em todas as manifestações da existência: nas oficinas, nos laboratórios, nas universidades, nas ruas, na própria vida pessoal e afectiva. Deve atingir-se o ponto em que o tipo de que falamos e que deve ser a substância celular do nosso ordenamento, seja bem reconhecível, inconfundível, diferenciado, e dele se possa dizer: “Trata-se de alguém que actua como um homem do Movimento”.
Quis fazê-lo já a revolução de ontem, mas, em vários aspectos, foi impedida por factores múltiplos. Hoje, ao fim e ao cabo, as condições são melhores por não existirem equívocos, basta olhar em volta das praças até ao parlamento para as vocações serem postas à prova e se vislumbre nítida a medida daquilo que não devemos ser. Perante um mundo de cobardia cujo princípio é: “Quem te mandou fazer isso?” ou “primeiro o estômago, a pele (a malapartiana pele!) e depois a moral” ou ainda “nestes tempos, não podemos dar-nos ao luxo de ter carácter” ou, finalmente, “tenho família”, é preciso saber opor um claro e firme “não podemos agir de outro modo, este é o nosso caminho, este é o nosso ser”. O que de positivo poderá ser atingido hoje ou amanhã, não será por meio de habilidades de agitadores ou de politicantes, antes por meio do prestígio natural reconhecido a homens que, seja de ontem, seja mais ainda da nova geração, tenham capacidade para tal e assim dêm garantias à Ideia.
4. É, pois, uma substância nova que deve colocar-se no lugar daquela podre e desviada, criada pelo clima da traição e da derrota num lento avanço para além dos quadros das linhas e das posições sociais do passado. É uma figura nova que importa ter diante dos olhos para medir a própria força e a própria vocação. Importante, fundamental, é reconhecer precisamente que essa figura não tem nada a ver com as classes, com as categorias sociais económicas e com as antíteses que lhes dizem respeito. Tal figura poderá manifestar-se sob a veste do rico como do pobre, do trabalhador como do aristocrata, do empresário como do explorador, do técnico, do teólogo, do agricultor, do homem político em sentido estricto. Mas esta substância nova conhecerá uma diferenciação interna que será perfeita quando, de novo, não existirem dúvidas àcerca da vocação e da função de seguir e de comandar. Quando o símbolo restaurado da autoridade absoluta dominar no centro das novas estruturas hierárquicas.
Isto define uma directriz que pode classificar-se tanto de anti-burguesa, quanto de anti-proletária, uma directriz livre de todo das contaminações democráticas e das obsessões sociais, porque conduz a um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e de chefes de homens. Desprezo do mito burguês da segurança, da vida medíocre, estandardizada, conformista, domesticada e “moralizada”.
Desprezo pelo vínculo anódino inerente a todo o sistema colectivista e mecanicista e a todas as ideologias que atribuem a confusos valores “sociais” o primado sobre os valores heróicos e espirituais, com os quais se deve definir para nós, em todo o domínio, o tipo do homem verdadeiro, da pessoa absoluta. E qualquer coisa de essencial será conseguido quando se restaurar o amor por um estilo de impersonalidade activa para a qual o que importa é a obra e não o indivíduo, pela qual sejamos capazes de não nos considerarmos a nós próprios algo de importante, importante sendo, ao invés, a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, o fim visado. Aí, onde esse espírito se afirme, simplificar-se-ão muitos problemas, inclusivé de ordem económica e social, que, de outra forma, permaneceriam insolúveis se afrontados do exterior sem a eliminação das infecções ideológicas que, já à partida, impedem todo o retorno à normalidade e até à percepção mesma do que significa normalidade.
5. Assim, não só como orientação doutrinária mas também no que toca ao mundo de acção, é capital que os homens da nova milícia reconheçam com exactidão a concatenação das causas e efeitos e a continuidade essencial da corrente que deu vida às várias formas políticas que hoje se debatem no caos dos partidos.
Liberalismo, depois democracia, depois socialismo, depois radicalismo, finalmente comunismo ou bolchevismo, aparecem historicamente como graus do mesmo mal, como estádios que prepararam sucessivamente o complexo processo de decadência. O início desse processo está no momento em que o homem ocidental cortou os vínculos com a tradição, desconheceu todo o símbolo superior de autoridade e soberania, reivindicou para si próprio como indivíduo uma liberdade vã e ilusória, se tornou átomo em vez de parte consciente da unidade orgânica e hierárquica de um todo. E o átomo, finalmente, devia encontrar contra si a massa dos outros átomos, dos outros indivíduos, e ser arrastado pelo despontar do reino da quantidade, do puro número, das massas materializadas, que não têm outro deus que a economia soberana. Neste processo, não se pára a meio caminho. Sem a revolução francesa, sem o liberalismo e sem a revolução burguesa, não se teria chegado ao constitucionalismo, sem a democracia não se teria chegado ao socialismo e ao nacionalismo demagógico, sem a preparação do socialismo não teríamos o radicalismo e, finalmente, o comunismo. O facto dessas várias formas se apresentarem hoje umas ao lado das outras ou em recíproco antagonismo, não deve impedir o olhar que sabe ver verdadeiramente de reconhecer que estão solidárias, se concatenam, se condicionam reciprocamente e exprimem apenas os graus diversos da mesma corrente, da mesma subversão de todo o ordenamento social normal e legítimo. Assim, a grande ilusão dos nossos dias é que democracia e liberalismo sejam antítese do comunismo e tenham o poder de bloquear a maré das forças inferiores, daquilo que no calão das câmaras de trabalho se chama o movimento “progressista”. Ilusão: é como dizer que o crepúsculo é a antítese da noite, que o grau incipiente de um mal é a antítese da sua forma aguda e endémica, que um veneno diluído é a antítese desse veneno no seu estado puro e concentrado. Os homens do governo desta Itália “libertada” nada aprenderam da história mais recente, cujas lições se repetem em toda a parte até à monotonia, e continuam o seu comovente malabarismo com concepções políticas decaídas e inanes no carnaval parlamentar, quase dança macabra sobre a cratera de um vulcão latente. Nós, pelo contrário, devemos ter a coragem do radicalismo, o não! dito à decadência política em todas as suas formas, seja de esquerda, seja da pretensa direita. E, sobretudo, devemos estar conscientes de que não se pactua com a subversão, que fazer concessões hoje, significa condenar-se a ser esmagado amanhã. Intransigência nas ideias, portanto, prontidão em avançar com forças puras quando o momento oportuno for atingido.
Isto implica, naturalmente, desembaraçar-se ainda da distorção ideológica, bastante difundida também numa parte da nossa juventude, por via da qual se concedem alibis às destruições que já tiveram lugar, iludindo com o pensamento de que, apesar de tudo, eram necessárias e serviam o “progresso”; que se deve combater por qualquer coisa de “novo” situado num futuro indeterminado e não pelas verdades que já possuímos, já que essas, ainda que em formas diversas de aplicação, foram sempre e em toda a parte a base de todo o tipo correcto de organização política e social. Rechassemos essas extravagâncias e saibamos rir de quem nos acusa de sermos “anti-históricos” e “reaccionários”. A história, entidade misteriosa escrita com letra maiúscula, não existe. São os homens, na medida em que são verdadeiros homens, que fazem e desfazem a história; o chamado “historicismo” é mais ou menos a mesma coisa que o que nos ambientes de esquerda se chama “progressismo” e só quer uma coisa hoje: fomentar a passividade face à corrente que engrossa e arrasta sempre mais e mais. Quanto ao “reaccionarismo”, perguntai: quereis que enquanto agis, destruindo e profanando, nós não reajamos, nos limitemos a olhar ou até a dizer: bravo, continuai?
Só não somos “reaccionários” porque a palavra não é suficientemente forte e, sobretudo, porque partimos do positivo, representamos o positivo, valores reais e originários, que não necessitam da luz de nenhum “sol do futuro”. Frente ao nosso radicalismo, surge em particular, como irrelevante, a antítese entre “Oriente” vermelho e “Ocidente” democrático, aparece-nos mesmo como tragicamente irrelevante o eventual conflito armado entre esses dois blocos. A olhar apenas ao imediato, subsiste por certo a escolha do mal menor, já que a vitória militar do “Oriente” implicaria a destruição física imediata dos últimos expoentes de resistência. No plano da ideia, a Rússia e a América do Norte são como os dois braços da mesma tenaz a caminho de se encontrarem para esmagar definitivamente a Europa. Nessas duas formas diversas e convergentes, actua a mesma força estranha e inimiga. As formas de estandardização, de conformismo, de nivelamento democrático, de frenesi produtivo, de mais ou menos prepotentes e explícitos brains trusts, de materialismo redutor, do americanismo, podem servir para abrir caminho à fase ulterior representada dentro da mesma direcção pelo ideal puramente comunista do homem-massa. O carácter distintivo do americanismo é que o ataque contra a qualidade e a personalidade não se faz mediante a coacção brutal da ditadura proletária e do pensamento de Estado, é quase espontaneamente imposto ao longo dos caminhos de uma civilização que não conhece ideais mais altos que riqueza, rendimento, produção ilimitada, ou seja, por uma exasperação e uma redução ao absurdo daquilo que a própria Europa elegeu — os mesmos motivos tomaram aí forma ou estão a tomar forma —. Mas, primitivismo, mecanicismo e brutalidade encontram-se tanto num lado como no outro. Em certo sentido, o americanismo é mais perigoso que o bolchevismo: por ser uma espécie de cavalo de Tróia. Quando o ataque contra os valores que ainda restam da tradição europeia se efectua na forma directa e nua da ideologia bolchevista e do estalinismo, erguem-se ainda reacções e algumas linhas de resistência, ainda que débeis, podem ser mantidas. As coisas sucedem diversamente quando o mesmo mal actua de modo mais subtil e as transformações acontecem insensivelmente no plano dos costumes e da visão geral da vida, como é o caso do americanismo. Suportando com inteira boa vontade este último sob o signo das liberdades democráticas, a Europa predispõe-se às últimas abdicações, de tal modo que pode acontecer que nem sequer seja necessária uma catástrofe militar e que, por via progressiva, se atinja mais ou menos o mesmo ponto depois de uma última crise social. Diremos de novo, a meio caminho não se fica. O americanismo, querendo ou não, trabalha a favor do seu aparente inimigo, o colectivismo.
6. Não sem relação com isto, o nosso radicalismo de reconstrução exige que não se transija só com qualquer variedade da ideologia marxista ou socialista, mas também com aquilo que em geral se pode chamar a alucinação ou o demonismo da economia. Trata-se aqui da ideia que o factor económico é na vida individual ou colectiva o importante, o real, o decisivo; que a concentração de todo o valor e interesse no plano económico e produtivo não é aberração sem precedentes do homem ocidental moderno, antes qualquer coisa de normal, não uma necessidade eventual brutal, mas algo que é desejado e exaltado. Nesse círculo fechado e cinzento, estão encerrados o capitalismo e o marxismo. Devemos romper esse círculo. Enquanto não se souber falar senão de classes económicas, de trabalho, de salários, de produção, quando se cria a ilusão de que o verdadeiro progresso humano, a verdadeira elevação do homem singular é condicionada apenas por um particular sistema da distribuição da riqueza e dos bens relacionados com a pobreza ou com a riqueza, com o Estado da prosperity U.S.A. ou com o socialismo utópico, ficamos sempre num plano idêntico ao que pretendemos combater. Devemos afirmar isto: que tudo o que é economia e interesse económico como mera satisfação das necessidades animais teve, tem, terá sempre, uma função subordinada numa unidade normal; que, para além dessa esfera, deve diferenciar uma ordem de valores superiores, políticos, espirituais e heróicos, uma ordem que — como já dissemos — não conhece e muito menos admite “proletários” ou “capitalistas” e em função da qual devemos definir as coisas pelas quais vale a pena viver e morrer. Deve estabelecer-se a hierarquia verdadeira, devem diferenciar-se novas dignidades e, no vértice, deve estar entronizada a superior função de comando, de Imperium.
Assim, serão erradicadas muitas ervas daninhas que brotaram aqui e além no nosso campo. Que significa de facto aludir ao “Estado do trabalho”, ao “socialismo nacional”, ao “humanismo do trabalho” e a coisas semelhantes? O que é isso senão uma aberta involução da política na economia, quase um retomar daquelas tendências problemáticas para um “corporativismo integral” e no fundo acéfalo que, no Fascismo, encontraram felizmente o caminho fechado? Que coisa é essa considerar a fórmula da “socialização” uma espécie de remédio universal e elevar a “ideia social” a símbolo de uma nova civilização que, como se sabe, deveria estar para além do “Oriente” e do “Ocidente”?
São esses — importa reconhecê-lo — os lados sombrios presentes em alguns espíritos que, todavia, se encontram ao nosso lado noutros aspectos. Com isso, pensam ser fiéis a uma ordem revolucionária, ao passo que obedecem apenas a sugestões mais fortes que eles mesmos de que está saturado o degradado ambiente político. Entre tais soluções, encontra-se a própria “questão social”. Quando se apreenderá a verdade, isto é, que o marxismo não apareceu porque existia uma “questão social” real, mas que a “questão social” surge — em infinitos casos — apenas porque existe marxismo, ou seja, artificialmente, e em termos quase insolúveis, por obra de agitadores, dos famosos “restauradores da consciência de classe”, sobre os quais Lenine se exprimiu claramente ao refutar o carácter espontâneo do movimento revolucionário proletário?
Partindo desta premissa, será necessário agir no sentido da desproletarização ideológica, da desinfecção do vírus político socialista nas partes ainda sãs do povo. Só então poderá ser estudada e efectuada sem perigo outra reforma, segundo uma justiça autêntica.
Assim, como caso particular, ver-se-á de acordo com que espírito a ideia corporativa poderá ser de novo uma das bases de reconstrução: corporativismo, não tanto como sistema geral de harmonização estatal e quase burocrática que mantenha a ideia deletéria de opostas posições de classe, antes como exigência que no próprio interior da empresa seja reconstruída aquela unidade, a solidariedade de forças diferenciadas que a prevaricação capitalista (com o tipo parasitário do especulador e do capitalista financeiro) de um lado, a agitação marxista, do outro, prejudicaram e destruíram. Impõe-se fazer voltar a empresa à forma de unidade quase militar na qual, ao espírito de responsabilidade, energia e competência de quem dirige, corresponde a solidariedade e a fidelidade das forças trabalhadoras a si associadas no labor comum. Entendido neste seu lado positivo e legítimo, é este o sentido próprio da “socialização”: designação pouco adequada, no entanto, já que aquilo de que se devia falar se trata antes da reconstrução orgânica da economia na empresa, ao passo que, com o uso daquela fórmula, nos devíamos preservar de intuitos puramente propagandísticos, de adulação do espírito de sedição das massas disfarçado em “justiça social” proletária. Em princípio, impõe-se retomar o estilo de impersonalidade activa, de dignidade, de solidariedade no produzir, característico das antigas corporações artesanais e profissionais. Mas, repitamo-lo, isso deve atingir-se no interior. O importante é que, contra toda a forma de ressentimento e de competição social, cada um saiba reconhecer e amar o seu próprio posto, o que, na verdade, está conforme com a sua própria natureza, reconhecendo deste modo os limites entre os quais pode desenvolver as suas possibilidades e alcançar a perfeição; um operário que desempenha perfeitamente a sua função, é indubitavelmente superior a um rei que recusa cumprir o seu dever e não está à altura da sua dignidade.
Em especial, podemos admitir um sistema de competências técnicas e de representação corporativa que suplante o parlamentarismo dos partidos; mas deve ter-se presente que as hierarquias técnicas no conjunto não podem significar mais que um grau na hierarquia integral: dizem respeito à ordem dos meios a serem subordinados à ordem dos fins, à qual corresponde então a parte propriamente política e espiritual do Estado. Na verdade, falar de um “Estado do trabalho” ou de produção, equivale a tomar a parte pelo todo, a reduzir um organismo humano a funções meramente físico-vitais. Coisa tão obtusa e obscura não pode ser a nossa insígnia nem ideia social. A verdadeira antítese frente, quer ao “Oriente”, quer ao “Ocidente”, não é o “ideal social”. É antes a ideia hierárquica integral. A respeito disso, nenhuma incerteza é tolerável.
7. Se a ideia de unidade política viril e orgânica foi já parte essencial no mundo que se derrubou — por isso, foi reevocado por nós o símbolo romano — devemos todavia apontar os casos em que tal exigência sofreu um desvio e quase abortou, dirigindo-se para a errada direcção do “totalitarismo”. Eis, novamente, um ponto que é preciso ver com clareza, a fim da diferenciação entre as frentes ser rigorosa e não serem fornecidas armas aos que querem intencionalmente confundir as coisas. Hierarquia não é hierarquismo (mal que hoje reaparece demasiadamente, embora em tom menor) e a concepção orgânica não tem nada a ver com a esclerose estatolátrica e a centralização niveladora. No tocante aos indivíduos singulares, a verdadeira superação do individualismo e do colectivismo tem apenas lugar quando há homens que estão frente a homens na diversidade natural do seu ser e da sua dignidade, merecendo o máximo destaque a antiga máxima segundo a qual “a suprema nobreza dos chefes não é serem patrões de servos, mas chefes que amam a liberdade até naqueles que lhes obedecem”. No que diz respeito à unidade, que, por princípio, deve impedir toda a forma de dissociação e de absolutização do particular, deve ser essencialmente espiritual, deve ser uma influência central orientadora, um impulso que, conforme os domínios, assuma as mais diferenciadas formas de expressão. É essa a verdadeira essência da concepção “orgânica” oposta ao tipo de relações rígidas e extrínsecas próprias do “totalitarismo”. É nesses quadros que a exigência da liberdade e da dignidade da pessoa humana (que o liberalismo só sabe conceber em termos individualistas, igualitaristas e privatísticos) se pode realizar integralmente. É com esse espírito que as filas das novas milícias devem estar ordenadas e que as estruturas de um novo ordenamento político-social serão estabelecidas em articulações firmes e claras.
Tais estruturas, porém, necessitam de um centro, de um ponto de referência supremo. É indispensável um novo símbolo de soberania e de autoridade absolutas. A tal respeito, a palavra de ordem deve ser nítida, não podem ser admitidas tergiversações ideológicas. Convém dizer claramente que não se trata aqui do chamado problema institucional; trata-se, sobretudo, do que é necessário a um clima específico, do fluido que deve animar toda a relação de fidelidade, de dedicação, de serviço, de acção desindividual, de tal forma que seja autenticamente superado o cinzento, mecânico e oblíquo mundo político actual. Encontrar-nos-emos num caminho sem saída se não formos capazes de uma espécie de ascese da ideia pura. Alguns antecedentes pouco felizes das nossas tradições nacionais como, em grau ainda maior, as trágicas contingências de ontem, prejudicam em muitos dos nossos a percepção clara da direcção justa. Podemos declarar-nos incompatíveis com a directriz monárquica se temos em vista aqueles que actualmente nada mais sabem que defender o resíduo da ideia, símbolo esvaziado e desvirilizado, da monarquia constitucional e parlamentar. Mas também, de modo igualmente decidido, devemos declarar a nossa incompatibilidade face à ideia republicana. Ser anti-democrata, por um lado, e, por outro, defender “ferozmente” (é esta, predominantemente, a terminologia de certos expoentes da falsa intransigência) a ideia republicana, é um absurdo abertamente palpável: a república (referimo-nos às repúblicas actuais: as repúblicas antigas eram aristocracias — como Roma — ou oligarquias, estas com carácter de tirania muitas vezes) pertence essencialmente ao mundo que veio à vida através do jacobinismo e da subversão anti-tradicional e anti-hierárquica do século XIX. Deixemo-la a esse mundo, que não é o nosso. Não se jogue com equívocos em nome da fidelidade ao fascismo de Saló; se, por tal razão, se devesse seguir a falsa via republicana, imediatamente estaríamos a ser infiéis a qualquer coisa de maior e de melhor, a abandonar o núcleo central da ideologia do Ventennio, isto é, a sua doutrina do Estado em função da autoridade, do poder, do Imperium. Impõe-se que só a essa doutrina sejamos fiéis, não consentindo em descidas de nível e não fazendo o jogo de algum grupo. A concretização do símbolo acima referido deixa-se por agora indeterminada. Diga-se apenas: Chefe, Chefe de Estado. Para além disso, a tarefa essencial é preparar silenciosamente o ambiente espiritual adequado a que o símbolo da autoridade intangível seja sentido e readquira a plenitude do seu significado: ao qual não pode corresponder a estatura de qualquer mutável “presidente” de república e muito menos de um tribuno ou dirigente popular detentor de um simples poder individual informe desprovido de qualquer carisma superior, assentando o prestígio precário por ele exercido nas forças irracionais das massas. É a isso que alguns deram o nome de “bonapartismo”, justamente reconhecido, não como significando a antítese da democracia demagógica ou popular, mas, em vez disso, a lógica conclusão da mesma: um dos obscuros aparecimentos da decadência do Ocidente de que falava Spengler. Eis a nova pedra de toque para os nossos: a sensibilidade perante tudo isto. Já Carlyle falava do mundo dos servos que quer ser governado pelo pseudo-herói — não por um Senhor —.
8. Dentro de uma ordem de ideias análoga, deve ser acentuado um outro ponto. Trata-se da posição a assumir face ao nacionalismo e à ideia genérica de Pátria. Isto é tanto mais oportuno quanto acontece que, hoje em dia, muitos, para procurarem salvar o salvável, querem fazer valer acima de tudo uma concepção romântica, sentimental e, ao mesmo tempo, naturalística da nação, noção alheia à mais alta tradição política europeia e pouco conciliável com a ideia de Estado de que temos falado. Nestes tempos, em que é necessário formar um grande ordenamento internacional definido por uma ideia e se insiste na fórmula da pietística “pacificação nacional” e de “solidariedade dos filhos da mesma terra” enquanto se vê a ideia de Pátria ser invocada retorica e hipocritamente pelos partidos mais opostos e até por aqueles que estão a soldo da subversão vermelha — eis o que não se compreende. Mas o mais essencial é a questão de princípio. O plano político, enquanto tal, é de uma unidade superior às unidades definidas em termos naturalísticos como são aquelas a que correspondem as noções genéricas de nação, de pátria, de povo. Nesse plano superior, o que une e divide é a Ideia, uma ideia de que é portadora uma determinada elite e que tende a concretizar-se no Estado. Por isso, a doutrina fascista — que em tal ponto se manteve fiel à melhor tradição política europeia — deu à Ideia e ao Estado o primado relativamente à nação e ao povo e entendeu que nação e povo só adquirem significado e forma dentro do Estado, participando num grau superior de existência. Precisamente em períodos de crise como o actual, precisamos de manter-nos firmes nesta doutrina. Na Ideia se reconhece a nossa verdadeira Pátria. O que hoje conta, não é ser da mesma terra ou falar a mesma língua, mas pertencer à mesma Ideia. Esta é a base, o ponto de partida. À unidade colectivística da nação — les enfants de la patrie — que predomina desde a revolução jacobina, opomos em todas as circunstâncias algo como uma Ordem, homens fiéis a princípios, representantes de uma autoridade e legitimidade superiores procedentes, exactamente, da Ideia. Ainda que para fins práticos seja desejável atingir uma nova solidariedade nacional, não se desça a compromissos para a atingir; o pressuposto sem o qual todo o resultado seria ilusório, é saber separar-se e dar forma a um ordenamento definitivo da Ideia como ideia política e visão da vida. Não há outro caminho, é preciso que dentre as ruínas se renove o processo das origens, processo que, em função das elites e de um símbolo de soberania e autoridade, uniu os povos em grandes Estados tradicionais, que surgiram do informe. Não entender este realismo da Ideia, significa limitarmo-nos a um plano no fundo subpolítico: ao naturalismo e sentimentalismo, senão mesmo à retórica patrioteira. Estejamos bem atentos na altura em que apoiamos a nossa ideia nas tradições nacionais: há uma história pátria de inspiração maçónica e anti-tradicional especializada em atribuir carácter italiano aos lados mais problemáticos da nossa história: a partir da revolta das comunas apoiada no guelfismo. Com ela, toma relevo uma “italianidade” tendenciosa na qual nós, que escolhemos o símbolo romano, não podemos nem queremos reconhecer-nos. Deixamo-la de boa vontade aos italianos que celebraram o “segundo Risorgimento” com a “libertação” e com o “partigianismo”
Ideia, Ordem, Elite, Estado, Homens da Ordem — enquanto for possível, são estas as linhas a manter.
9. Diga-se qualquer coisa sobre o problema da cultura. Não demasiado. De facto, não supervaloramos a cultura. Aquilo a que chamamos “visão do mundo” não se baseia em livros; é uma forma interior que pode ser mais rigorosa num ser sem cultura especial, que num “intelectual” ou num escritor. Deve inscrever-se entre os malefícios da “cultura livre” ao alcance de todos o facto do indivíduo singular ficar aberto a influências de qualquer género quando, por natureza, não tem capacidade reactiva face a elas para saber discriminar e julgar adequadamente.
Temos de limitar as nossas considerações a dizer como estão actualmente as coisas: há determinadas correntes das quais se deve defender interiormente a juventude que hoje se quer unir a nós. Falámos atrás de um estilo de rectidão e de disciplina interior. Esse estilo implica um justo saber e os jovens, em especial, devem aperceber-se da intoxicação exercida sobre toda uma geração pelas várias mas concordantes visões distorcidas e falsas da vida que incidiram sobre as forças interiores precisamente no ponto em que a sua integridade seria maximamente necessária. De uma maneira ou de outra, esses tóxicos continuam a agir hoje sobre a cultura, sobre a ciência, sobre a sociologia, sobre a literatura, como outros tantos focos de infecção que importa assinalar e atacar. Além do materialismo histórico e do economicismo, o darwinismo, a psicanálise, o existencialismo, o neo-realismo estão entre esses principais focos de infecção.
Contra o darwinismo, reivindicamos a dignidade fundamental da pessoa humana, reconhecendo que o seu verdadeiro lugar não é o de uma espécie animal particular mais ou menos evoluída junto de tantas outras e diferenciada pela “selecção natural”, sempre ligada a origens animais e primitivistas. O seu lugar situa-se além do plano biológico e eleva-a acima deste. Se hoje não se fala tanto de darwinismo, a sua substância permanece. Numa ou noutra variante, o mito biologístico darwiniano vale como dogma defendido pelas excomunhões da “ciência” no materialismo da civilização marxista e da americana. O homem moderno habituou-se a essa concepção degradante, reconhece-se tranquilamente nela hoje em dia, julga-a natural.
Contra a psicanálise, deve erguer-se o ideal de um Eu que não abdica, que quer continuar consciente, autónomo e soberano face à parte nocturna e subterrânea da sua alma e ao demonismo da sensualidade; um Eu que não se sente “reprimido” nem psicoticamente dividido, antes realiza o equilíbrio de todas as suas faculdades ordenadas a um objectivo superior do viver e do agir. Pode ser apontada uma convergência evidente: à desautorização do princípio consciente da pessoa, ao relevo dado pela psicanálise e por escolas análogas ao subconsciente, ao irracional, ao “inconsciente colectivo” e a coisas semelhantes, correspondem no indivíduo exactamente o que no mundo social e histórico moderno representam a emergência e o movimento vindo de baixo, a subversão, a substituição revolucionária do inferior pelo superior e o desprezo por todo o princípio de autoridade. Nesses dois planos diversos actua a mesma tendência e os dois efeitos não podem deixar de se completarem reciprocamente.
Quanto ao existencialismo, distinguindo o que nele é propriamente filosofia — uma filosofia confusa — e que até agora era pertença de um círculo restrito de especialistas, importa reconhecê-lo como o estado de ânimo de uma crise tornada sistema e adulada, a verdade de um tipo humano dividido e contraditório que sofre como angústia, tragicidade e absurdo uma liberdade para a qual não se sente digno, antes se sente condenado sem salvação e sem responsabilidade no meio de um mundo desprovido de valor e significação. Tudo isto, mesmo quando já um Nietzsche tinha indicado um caminho para atribuirmos sentido à existência face ao mais exasperado nihilismo, o caminho de quem, para além de todas estas complicações e dilacerações, sabe dar a si mesmo uma lei e um valor absoluto.
Finalmente, deve tomar-se posição contra o chamado neo-realismo, cuja característica é identificar a existência em geral com os seus graus mais baixos e irracionais, comprazendo-se numa espécie de auto-sadismo. Há quem sinta nisso uma espécie de “libertação”: na verdade, semelhante à libertação política, traduzida, não na elevação, mas na postração e degradação geral. Contra isto, deve manter-se vivo o sentido de que a realidade verdadeira da existência está em que esta se subordine a qualquer coisa que vá além dela, à vontade de atingir um “mais além”, deixando para trás o que apenas se vincula ao humano.
Tais são as linhas de superação, que não devem ser intelectualistas e dialécticas, mas vividas, realizadas no seu directo significado da própria conduta e da vida interior de cada um. Salvar-se não é possível se se permanece de alguma maneira sob a influência de formas de pensamento falso e desviado. Desintoxicados, podemos conseguir clareza, rectidão, força.
10. Na zona situada entre a cultura e os costumes, é necessário precisar posteriormente uma certa posição. Foi lançada pelo comunismo a palavra de ordem do anti-burguesismo, acolhida também no campo da cultura por certos ambientes intelectuais de “vanguarda”. Há aqui um equívoco. Como a burguesia social é qualquer coisa de intermédio, há uma dupla possibilidade de superar a burguesia, de dizer não ao tipo burguês, à civilização burguesa, ao espírito e aos valores burgueses. Uma, corresponde à direcção que conduz ainda mais abaixo de tudo isso, à sub-humanidade colectivizada e materializada com o seu “realismo” marxista: valores sociais e proletários contra a “decadência burguesa” e “imperialista”. Outra é a direcção de quem combate a burguesia e se ergue, efectivamente, acima da mesma. Os homens do novo posicionamento serão, sim, anti-burgueses, mas em função da já referida concepção superior, heróica e aristocrática da existência; serão anti-burgueses porque desdenham a vida cómoda; anti-burgueses porque seguirão, não os que prometem vantagens materiais mas os que exigem tudo de si mesmos; anti-burgueses, finalmente, porque não têm a preocupação da segurança, amam a união essencial entre a vida e o risco em todos os planos, tornando próprias a inexorabilidade da ideia pura e da acção estricta. Outro aspecto pelo qual o homem novo, substância celular do movimento de ressurreição, será anti-burguês e se diferenciará das gerações precedentes, é a sua impaciência perante toda a forma retórica e todo o falso idealismo, por todas aquelas grandes palavras escritas com letra maiúscula, por tudo o que é apenas gesto, frase teatral, cenografia. Ao invés, essencialidade, novo realismo no enfrentar exactamente os problemas que se impõem, no fazer o que importa e não na mera exterioridade, antes o ser, não o falar, no realizar de modo silencioso e exacto, em sintonia com as forças afins e aderindo ao imperativo vindo do alto.
Quem, contra as forças da esquerda, só sabe reagir em nome dos ídolos, do estilo de vida, da moralidade medíocre e conformista do mundo burguês, perdeu antecipadamente a batalha. Não é o caso do homem da nossa revolução, que está em pé depois de ter passado pelo fogo purificador das destruições externas e internas. Esse homem, do mesmo modo que politicamente não é o instrumento de uma pseudo-reacção burguesa, também de modo geral retoma forças e ideais anteriores e superiores ao mundo burguês e à era económica, e é com tais forças que cria as linhas de defesa e consolida as posições donde, no momento oportuno, surgirá fulgurante a acção reconstrutora.
Igualmente a tal respeito, julgamos retomar uma palavra de ordem não cumprida: como se sabe, houve no período fascista uma tendência anti-burguesa que quis manifestar-se de modo efectivo. No entanto, também aqui a substância humana não esteve à altura da tarefa proposta. E assim, da anti-retórica soube fazer-se retórica.
11. Consideremos brevemente um último ponto, o das relações entre as forças ainda não despedaçadas e a religião dominante. Para nós, o Estado laico, quaisquer que sejam as suas formas, pertence ao passado. Em particular, combatemos o seu disfarce, que em certos ambientes se apresentou como “Estado ético” produto de uma pretensiosa, espúrea, vazia filosofia “idealista” que aderiu ao Fascismo mas que, pela sua natureza, é capaz, graças a um simples jogo “dialético” de dados, de dar idêntico aval ao antifascismo de um Croce. Tal filosofia é apenas um produto da burguesia laica e humanista presumida do “livre pensamento” próprio de um reitor de liceu, ao celebrar a infinitude do “espírito absoluto” e do “acto puro”. Nada aí há de real, de claro, de duro.
Se combatemos tais ideologias e o Estado laico, do mesmo modo o Estado clerical ou quase clerical é inaceitável. O facto religioso é necessário como alicerce de uma verdadeira concepção heróica da vida, essencial na nossa posição. É preciso sentir em nós mesmos que, para além desta vida terrena, há uma vida mais alta, já que só quem assim sente possui uma força inquebrantável e insuperável; só esse será capaz do ímpeto absoluto — faltando este, desafiar a morte sem ter em conta a própria vida, só é possível em momentos esporádicos de exaltação ou no desencadear de forças irracionais; então, não há disciplina com significado superior e autónomo que possa legitimar-se para o indivíduo. Essa espiritualidade deve estar viva entre os nossos, não necessita de formulações dogmáticas obrigatórias; o estilo de vida que daí se pode extrair não é o do moralismo católico que pouco mais visa que domesticar virtuísticamente o animal humano; politicamente, tal espiritualidade não pode deixar de nutrir desconfiança em relação ao humanitarismo, ao jusnaturalismo, à igualdade, ao ideal do amor e do perdão — em vez do ideal da honra e da justiça — e a tudo o que se pode deduzir de certos aspectos da concepção cristã. Claro, se o catolicismo fosse capaz de se afastar do plano contingente e politicante, se fosse capaz de assumir uma atitude de alta ascese e, nessa base, retomando o espírito da melhor Idade Média — a das cruzadas — tornar-se uma espécie de nova ordem templária compacta e inexorável contra a corrente do caos, da abdicação, da subversão e do materialismo prático do mundo moderno, em tal caso não haveria um instante de dúvida na nossa escolha. Mas, como as coisas estão, isto é, dado o nível medíocre, no fundo burguês e paroquial, a que desceu hoje tudo o que é religião, para os nossos homens poderá bastar a pura referência ao espírito como evidência de uma realidade transcendente a invocar, não para evasões místicas ou alibis humanitários, mas para inserir na nossa força uma outra força, para fazer pressentir que a nossa luta não é apenas luta política, para atrair uma consagração invisível num mundo novo de homens e de chefes.
* * *
Eis algumas orientações essenciais para a batalha a travar, especialmente dirigidas à juventude, para que retome a chama e a palavra de ordem de quem não caiu, extraindo a lição dos erros do passado, sabendo discriminar e rever tudo o que ontem e hoje em dia tem a marca da contingência. Essencial é não descer ao nível dos adversários, não se reduzir à agitação de simples palavras de ordem, não insistir desmedidamente naquilo que no passado, ainda que digno de ser recordado, não tem valor actual e impessoal de ideia-força, não ceder às sugestões do falso realismo politicante, tara de todos os “partidos”. Na verdade, a fim de poderem criar todo o espaço possível na situação actual, é necessário que as nossas forças actuem também na luta corpo-a-corpo, política e polémica. Além disso, é importante, é essencial, que se constitua uma elite que defina a Ideia, em função da qual nos devemos unir, com intensidade firme, rigor intelectual e absoluta intransigência e que afirme essa ideia sobretudo sob a forma de um homem novo, do homem da resistência, do homem de pé entre as ruínas. Se é possível ultrapassar este período de crise e de ordem ilusória, apenas a esse homem pertencerá o futuro; se, porventura, não puder ser detido o destino que o mundo moderno deu a si próprio e que agora o arruina, em tal situação as nossas posições internas serão mantidas: suceda o que suceder, o que deve ser feito será feito, pois pertencemos àquela pátria que nenhum inimigo conseguirá ocupar ou destruir.
Julius Evola
(Directrizes (Orientamenti), Milão, Il Ghibellino, a cura del Centro Ordine Nuovo, Kalendis Januariis MMDCCXII, A. U. C. – 1958.)
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