domingo, janeiro 30, 2005
SOBRE O “FASCISMO”: COMPREENDER A HISTÓRIA
“O historiador que recusa ao fenómeno fascista um carácter revolucionário não poderia compreender, assim, nem a novidade do fascismo relativamente aos regimes autoritários e conservadores clássicos e às revoltas do passado, ocasionais e sem verdadeira saída institucional, nem a sua substancial diferença em relação às outras revoluções contemporâneas, a revolução comunista, ilusoriamente política e social, e a revolução técnica do neocapitalismo, falsamente democrático".
AUGUSTO DEL NOCE, “L'época della secolarizzione”
Uma certa parte, não tão escassa como isso, da “soi disante” esquerda portuguesa, sempre se contentou em referir sublimes banalidades de cartilha, quando se lhe deparava o problema do “fascismo”, essa hidra obscura que servia para tudo e estava veladamente omnipresente em qualquer desgraça das hostes “democráticas”.
Com a euforia embriagada dos primeiros momentos do 25 de Abril, ganharam grande sucesso as pseudo-explicações do mundo fascista com base em todo um sistema folclórico, que não hesitava em alinhar a PIDE com Mussolini, em ver no CDS um epifenómeno nazi, e não cessava de contar mortos, estropiados, feridos e gaseados, câmaras secretas e ossadas sinistras, chegando até a lembrar gravemente ao dr. Sá Carneiro e aos seus antigos pares da ANP “liberal”, a sua cumplicidade em todo um rol de “crimes contra a Humanidade”. Era a época em que a esquerda festiva dava largas à sua sinceridade intelectual, o tempo alegre em que, parafraseando Bardèche, “cada um tinha o seu fascista”.
Claro que havia aquela “intelligentzia” mais sisuda, a que procurava fugir à vulgaridade e, com a solenidade própria de quem contempla o seu umbigo, avançava teses palavrosas sobre a psiquiatria de massa do fascismo, estudando-o como fenómeno clínico, aberração mental com vestígios esquizofrénicos e sado-masoquistas, caso típico de sublimação de toda a espécie de animalismo, próprio de mentalidades atrasadas e do subdesenvolvimento cultural. Hitler era um “gangster”, um chefe de bucaneiros, um homenzinho perverso, em suma; Salazar, um campónio tacanho e meditabundo, admirado apenas pelos simples e sustentado pela boçalidade policial; Mussolini não passava de um comediante frustrado, admirador da “soap-opera”, “avant la lettre”, um primário sanguíneo “doublé” de demagogo. Não se referia mais ninguém, ou quase, porque se desconhecia tudo o mais: “era paisagem”...
De referir que estas penetrantes análises se faziam acompanhar de bastas alusões culturais, citando-se de uma assentada Brecht, Wilhelm Reich, Marcuse, Lukács e muitos outros “inevitáveis”, como Althusser e Politzer, num “cocktail” vistoso mas sempre confuso, em que se ia desde o defeito (humano) de pronúncia à citação pretensiosa simplista, de preferência colhida em qualquer manual de vulgarização.
As poucas figuras que, na “esquerda” que tínhamos e ainda resta, tentavam romper timidamente a cortina obscurantista que misturava a ignorância e a doce satisfação das “simples verdades”, e punham algumas interrogações pertinentes, ousando perguntar se o Estado de Salazar tinha alguma coisa a ver com o incêndio do Reichstag, esses poucos ou eram marginalizados pelos “mecenas culturais” da época ou caíam também em tentativas de explicação que lembravam logo um “dejá vu”.
Foi preciso a Esquerda oficial e periférica perder terreno e enforcar-se nas suas contradições, para hoje aparecerem mais vozes a interessarem-se pelo problema do “Fascismo”, procurando rever axiomas e teses aparentemente indestrutíveis, reflectindo sobre “o que é que falhou”.
Mas o que pareceu poder mudar permaneceu pouco alterado: numa desprestigiada “Faculdade de Letras” proferiram-se as banalidades do costume, prevaleceram antigas birras e recalcamentos pouco disfarçados sobre qualquer tentativa de estudo científico. Os actores eram os mesmos, as conclusões iguais e as palavras pouco diferentes. Com o filme de Syberberg aconteceu, com raríssimas excepções, coisa semelhante, acrescendo só um pedantismo muito saloio que sempre se associa às pseudo manifestações “vanguardistas” dos sectores da burguesia bem-pensante. Aqui, até os “idiotas úteis” deixaram de o ser, perante a sua histeria descontrolada, que detecta “fáchismo”, em toda a parte, desde “o gabinete do dr. Caligari" até aos romances de Soljenytsin. Há limites...
Mas toda esta agitação pressupõe a existência de uma preocupação: quer a “esquerda” do regime quer as outras áreas “comprometidas”, sentem difusamente que algo poderá vir a acontecer, a nível institucional “mas não só”, como consequência dos sucessivos tropeções do Estado de Abril. E tal realidade nova poderá ter pouco a ver com a actual ordem de coisas, ou seja, não será talvez, apenas, um estádio quantitativamente superior de uma situação “reaccionária” em relação ao 25 de Abril.
Na impreparação teórica e na ambiguidade semântica de grande parte da intelectualidade comprometida com o regime reside a dificuldade em situar e designar certos problemas. Até há pouco, o “fascismo" e as suas variantes terminológicas mais divulgadas, eram tudo o que não fosse uma certa ideia de «esquerda», eram o mundo inimigo, sem distinções. Hoje, num período em que até os mais cegos têm de cair em si, já se fala de “fascismo” para representar, embora num traço primitivo, uma realidade que se pressente diferente “do que está”, diferente mesmo (e sobretudo) dos inimigos indistintos de ontem que, bem ou mal, incarnavam afinal também uma certa ideia do sistema. (Como hoje, com a “filtragem” do tempo, se acabou por compreender).
E se um certo pensamento tradicional, de raiz cristã, sobretudo mais profundo que o habitual Maritain, já consegue reconhecer, com Del Noce, a originalidade de certas formas e movimentos políticos (rigorosamente, como observaria Nolte, “transpolíticos”), fora das análises moralizantes tão vistas nessas áreas, também uma esquerda mais adulta, se bem que essencialmente pouco menos dogmática que as suas variantes “doenças infantis”, acaba por admitir novos campos de enquadramento do fenómeno “fascismo”, fora da demasiado esquemática interpretação do “exército branco da burguesia” ou da ambígua referência à “psicose colectiva”, à “demência satânica” (meios termos entre um moralismo profano indisfarçado e um cientismo muito débil, irremediavelmente reduccionista e indemonstrável).
Sinal desta mudança numa esquerda em busca de respeitabilidade intelectual, está por exemplo nas palavras de Baran e Sweezy, dois marxistas (como eles próprios se gostam de situar), bem longe das fábulas de um certo antifascismo roncante e demagógico, ainda dominante entre nós:
“Em geral, porém, as oligarquias financeiras preferem os Governos democráticos aos autoritários. A estabilidade do sistema é consolidada por ratificações periódicas da dominação oligárquica - este, e não qualquer outro, é o significado normal das eleições parlamentares e presidenciais democráticas -, que poupam à oligarquia certos riscos muito reais de ditadura pessoal ou militar.
(...) Com tais métodos... a democracia é capaz de servir os interesses da oligarquia muito mais eficaz e duradouramente do que um regime autoritário.” (“Le Capital Monopoliste”)
Esta mudança relativa verifica-se também em certo pensamento socialista, como em Rosselli e, de outra forma, em Nenni, e em dissidentes do comunismo oficial, de Pierre Fougeyrollas a Gilles Martinet, que em última análise acabam por confirmar as precoces observações de Henri de Man, sobre os movimentos nascentes nos anos 30: surgia algo de radicalmente novo perante os principais sistemas existentes, uma “vingança dos factores extra-económicos sobre os factores económicos" (na expressão do jesuíta Henri Chambre), e no fundo a visão de um novo universo, de uma “Revolução Proibida”.
De facto, decorridos mais de trinta anos sobre Hiroshima, com o Mundo novamente à beira de uma época de sobressaltos nas convicções vigentes, de nada serve já manter os velhos mitos, as fábulas boas para esconder as realidades que, de uma forma ou de outra, vão aparecendo sob vários impulsos.
Uma certa esquerda, mais atenta ou mais desprendida, compreendeu que tinha de reformular tudo para assegurar a continuidade: teria sobretudo de largar os mitos gastos e inúteis, por serem já pouco atraentes e de fraco poder mobilizador. Nisto há também uma intenção “maquiavélica” de perpetuação, pela submissão tempestiva às leis da realidade.
As trevas, o desconhecimento feliz e a miopia política, ficam com os submundos que, no presente, perdem já a batalha cultural do futuro.
Mas reconheça-se que muita confusão sobre o “fascismo” se repercute também na chamada “direita”, que procura libertar-se de fantasmas de um passado que nem sequer conhece com rigor, confundindo a História com os mitos temporais fabricados pela escolástica política. A “direita” do sistema, plutocrática, parlamentar, neocapitalista, mais ou menos letrada, procura exorcizar a ideia “fascista”, os traumas que esta lhe provoca, não se preocupando sequer em saber se tem, em termos históricos, algo a ver com a revolução dos “arditi”. A outra “direita”, esclerosada, fora do tempo, metafísicamente reaccionária, saudosista (saudosista do Poder personalizado, das formas, das estruturas) olha para o “fascismo-movimento” como algo de sacrílego, perigoso e completamente estranho ao seu velho mundo (que se esforça por recuperar sem saber que já não existe).
Há ainda os que, por cegueira, doentio romantismo e incapacidade de enquadramento histórico, não se apercebem que, a surgir qualquer realidade diferente e contestatária dos actuais sistemas de organização, ela nunca poderá adquirir um morfismo passadista. Porque é, por definição, nova e de concepção humana, não podendo pois comandar a história, e por uma intervenção “deus ex machina”, fazê-la retrogredir.
As revoluções são-no, precisamente porque sabem cortar com o passado, em nome de uma nova ordem: podem respeitar a tradição, mas isso só significa renovação e caminho, como observava Ortega. A reprodução mórbida do passado pode ser simples “folclore”, alarido reaccionário, atitude de uma casta frágil e irrealista. Não é, de certeza, a verdadeira revolução.
Esta a contradição em que podem cair os “históricos” de todos os quadrantes, “incondicionais” e apressados: pensando trazer um sopro novo de vida, estão já, sem o saberem, na morada dos mortos, mimando o Nada.
NUNO ROGEIRO
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AUGUSTO DEL NOCE, “L'época della secolarizzione”
Uma certa parte, não tão escassa como isso, da “soi disante” esquerda portuguesa, sempre se contentou em referir sublimes banalidades de cartilha, quando se lhe deparava o problema do “fascismo”, essa hidra obscura que servia para tudo e estava veladamente omnipresente em qualquer desgraça das hostes “democráticas”.
Com a euforia embriagada dos primeiros momentos do 25 de Abril, ganharam grande sucesso as pseudo-explicações do mundo fascista com base em todo um sistema folclórico, que não hesitava em alinhar a PIDE com Mussolini, em ver no CDS um epifenómeno nazi, e não cessava de contar mortos, estropiados, feridos e gaseados, câmaras secretas e ossadas sinistras, chegando até a lembrar gravemente ao dr. Sá Carneiro e aos seus antigos pares da ANP “liberal”, a sua cumplicidade em todo um rol de “crimes contra a Humanidade”. Era a época em que a esquerda festiva dava largas à sua sinceridade intelectual, o tempo alegre em que, parafraseando Bardèche, “cada um tinha o seu fascista”.
Claro que havia aquela “intelligentzia” mais sisuda, a que procurava fugir à vulgaridade e, com a solenidade própria de quem contempla o seu umbigo, avançava teses palavrosas sobre a psiquiatria de massa do fascismo, estudando-o como fenómeno clínico, aberração mental com vestígios esquizofrénicos e sado-masoquistas, caso típico de sublimação de toda a espécie de animalismo, próprio de mentalidades atrasadas e do subdesenvolvimento cultural. Hitler era um “gangster”, um chefe de bucaneiros, um homenzinho perverso, em suma; Salazar, um campónio tacanho e meditabundo, admirado apenas pelos simples e sustentado pela boçalidade policial; Mussolini não passava de um comediante frustrado, admirador da “soap-opera”, “avant la lettre”, um primário sanguíneo “doublé” de demagogo. Não se referia mais ninguém, ou quase, porque se desconhecia tudo o mais: “era paisagem”...
De referir que estas penetrantes análises se faziam acompanhar de bastas alusões culturais, citando-se de uma assentada Brecht, Wilhelm Reich, Marcuse, Lukács e muitos outros “inevitáveis”, como Althusser e Politzer, num “cocktail” vistoso mas sempre confuso, em que se ia desde o defeito (humano) de pronúncia à citação pretensiosa simplista, de preferência colhida em qualquer manual de vulgarização.
As poucas figuras que, na “esquerda” que tínhamos e ainda resta, tentavam romper timidamente a cortina obscurantista que misturava a ignorância e a doce satisfação das “simples verdades”, e punham algumas interrogações pertinentes, ousando perguntar se o Estado de Salazar tinha alguma coisa a ver com o incêndio do Reichstag, esses poucos ou eram marginalizados pelos “mecenas culturais” da época ou caíam também em tentativas de explicação que lembravam logo um “dejá vu”.
Foi preciso a Esquerda oficial e periférica perder terreno e enforcar-se nas suas contradições, para hoje aparecerem mais vozes a interessarem-se pelo problema do “Fascismo”, procurando rever axiomas e teses aparentemente indestrutíveis, reflectindo sobre “o que é que falhou”.
Mas o que pareceu poder mudar permaneceu pouco alterado: numa desprestigiada “Faculdade de Letras” proferiram-se as banalidades do costume, prevaleceram antigas birras e recalcamentos pouco disfarçados sobre qualquer tentativa de estudo científico. Os actores eram os mesmos, as conclusões iguais e as palavras pouco diferentes. Com o filme de Syberberg aconteceu, com raríssimas excepções, coisa semelhante, acrescendo só um pedantismo muito saloio que sempre se associa às pseudo manifestações “vanguardistas” dos sectores da burguesia bem-pensante. Aqui, até os “idiotas úteis” deixaram de o ser, perante a sua histeria descontrolada, que detecta “fáchismo”, em toda a parte, desde “o gabinete do dr. Caligari" até aos romances de Soljenytsin. Há limites...
Mas toda esta agitação pressupõe a existência de uma preocupação: quer a “esquerda” do regime quer as outras áreas “comprometidas”, sentem difusamente que algo poderá vir a acontecer, a nível institucional “mas não só”, como consequência dos sucessivos tropeções do Estado de Abril. E tal realidade nova poderá ter pouco a ver com a actual ordem de coisas, ou seja, não será talvez, apenas, um estádio quantitativamente superior de uma situação “reaccionária” em relação ao 25 de Abril.
Na impreparação teórica e na ambiguidade semântica de grande parte da intelectualidade comprometida com o regime reside a dificuldade em situar e designar certos problemas. Até há pouco, o “fascismo" e as suas variantes terminológicas mais divulgadas, eram tudo o que não fosse uma certa ideia de «esquerda», eram o mundo inimigo, sem distinções. Hoje, num período em que até os mais cegos têm de cair em si, já se fala de “fascismo” para representar, embora num traço primitivo, uma realidade que se pressente diferente “do que está”, diferente mesmo (e sobretudo) dos inimigos indistintos de ontem que, bem ou mal, incarnavam afinal também uma certa ideia do sistema. (Como hoje, com a “filtragem” do tempo, se acabou por compreender).
E se um certo pensamento tradicional, de raiz cristã, sobretudo mais profundo que o habitual Maritain, já consegue reconhecer, com Del Noce, a originalidade de certas formas e movimentos políticos (rigorosamente, como observaria Nolte, “transpolíticos”), fora das análises moralizantes tão vistas nessas áreas, também uma esquerda mais adulta, se bem que essencialmente pouco menos dogmática que as suas variantes “doenças infantis”, acaba por admitir novos campos de enquadramento do fenómeno “fascismo”, fora da demasiado esquemática interpretação do “exército branco da burguesia” ou da ambígua referência à “psicose colectiva”, à “demência satânica” (meios termos entre um moralismo profano indisfarçado e um cientismo muito débil, irremediavelmente reduccionista e indemonstrável).
Sinal desta mudança numa esquerda em busca de respeitabilidade intelectual, está por exemplo nas palavras de Baran e Sweezy, dois marxistas (como eles próprios se gostam de situar), bem longe das fábulas de um certo antifascismo roncante e demagógico, ainda dominante entre nós:
“Em geral, porém, as oligarquias financeiras preferem os Governos democráticos aos autoritários. A estabilidade do sistema é consolidada por ratificações periódicas da dominação oligárquica - este, e não qualquer outro, é o significado normal das eleições parlamentares e presidenciais democráticas -, que poupam à oligarquia certos riscos muito reais de ditadura pessoal ou militar.
(...) Com tais métodos... a democracia é capaz de servir os interesses da oligarquia muito mais eficaz e duradouramente do que um regime autoritário.” (“Le Capital Monopoliste”)
Esta mudança relativa verifica-se também em certo pensamento socialista, como em Rosselli e, de outra forma, em Nenni, e em dissidentes do comunismo oficial, de Pierre Fougeyrollas a Gilles Martinet, que em última análise acabam por confirmar as precoces observações de Henri de Man, sobre os movimentos nascentes nos anos 30: surgia algo de radicalmente novo perante os principais sistemas existentes, uma “vingança dos factores extra-económicos sobre os factores económicos" (na expressão do jesuíta Henri Chambre), e no fundo a visão de um novo universo, de uma “Revolução Proibida”.
De facto, decorridos mais de trinta anos sobre Hiroshima, com o Mundo novamente à beira de uma época de sobressaltos nas convicções vigentes, de nada serve já manter os velhos mitos, as fábulas boas para esconder as realidades que, de uma forma ou de outra, vão aparecendo sob vários impulsos.
Uma certa esquerda, mais atenta ou mais desprendida, compreendeu que tinha de reformular tudo para assegurar a continuidade: teria sobretudo de largar os mitos gastos e inúteis, por serem já pouco atraentes e de fraco poder mobilizador. Nisto há também uma intenção “maquiavélica” de perpetuação, pela submissão tempestiva às leis da realidade.
As trevas, o desconhecimento feliz e a miopia política, ficam com os submundos que, no presente, perdem já a batalha cultural do futuro.
Mas reconheça-se que muita confusão sobre o “fascismo” se repercute também na chamada “direita”, que procura libertar-se de fantasmas de um passado que nem sequer conhece com rigor, confundindo a História com os mitos temporais fabricados pela escolástica política. A “direita” do sistema, plutocrática, parlamentar, neocapitalista, mais ou menos letrada, procura exorcizar a ideia “fascista”, os traumas que esta lhe provoca, não se preocupando sequer em saber se tem, em termos históricos, algo a ver com a revolução dos “arditi”. A outra “direita”, esclerosada, fora do tempo, metafísicamente reaccionária, saudosista (saudosista do Poder personalizado, das formas, das estruturas) olha para o “fascismo-movimento” como algo de sacrílego, perigoso e completamente estranho ao seu velho mundo (que se esforça por recuperar sem saber que já não existe).
Há ainda os que, por cegueira, doentio romantismo e incapacidade de enquadramento histórico, não se apercebem que, a surgir qualquer realidade diferente e contestatária dos actuais sistemas de organização, ela nunca poderá adquirir um morfismo passadista. Porque é, por definição, nova e de concepção humana, não podendo pois comandar a história, e por uma intervenção “deus ex machina”, fazê-la retrogredir.
As revoluções são-no, precisamente porque sabem cortar com o passado, em nome de uma nova ordem: podem respeitar a tradição, mas isso só significa renovação e caminho, como observava Ortega. A reprodução mórbida do passado pode ser simples “folclore”, alarido reaccionário, atitude de uma casta frágil e irrealista. Não é, de certeza, a verdadeira revolução.
Esta a contradição em que podem cair os “históricos” de todos os quadrantes, “incondicionais” e apressados: pensando trazer um sopro novo de vida, estão já, sem o saberem, na morada dos mortos, mimando o Nada.
NUNO ROGEIRO
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