sábado, fevereiro 26, 2005
DOUTRINA
Uma das coisas essenciais que distinguem o doutrinador monárquico do doutrinador republicano, é esta: o doutrinador republicano, na sua acção proselítica, na sua propaganda, na exposição das suas ideias, no esforço que emprega para que sejam as realidades as suas concepções, — dirige-se ao País. A força que ele pretende demover, conquistar e galvanizar é o País, a massa humana, na brutalidade material do número e do peso. Precisa, para isso, reclama, para isso, a imprensa livre, o comício livre, a reunião livre. Quando não lhe dão isto, recorre, então, ao clandestino.
O doutrinador monárquico que não tem qualquer espécie de afinidades com o republicano, não se dirige ao País, prescinde do País, não precisa da falsa opinião do País para nada.
Dirige-se aos detentores do Poder — não para os violentar, desprestigiar, diminuir ou enfraquecer, mas para os convencer, esclarecer e iluminar, e ajudar, quando tais detentores são de boa fé, desinteressadamente dedicados ao Bem Comum.
O doutrinador republicano apoia-se na força brutal das massas humanas, para fazer a Revolução. O doutrinador monárquico apoia-se na inteligência, na sensibilidade, na clarividência dos detentores do Poder — para evitar a Revolução.
O doutrinador republicano entende que a Nação é soberana, que no País está a origem do Poder. Logo, coerentemente, o que ele está a pretende é arrastar atrás de si o País, para que este, de armas na mão, lhe dê o Poder.
O doutrinador monárquico pensa que a Nação existe para servir o Interesse nacional, na multiplicidade das suas manifestações, na prodigiosa diversidade das suas exigências, e que a origem do Poder está fora do País, acima do País, em Deus, como eu creio, ou na continuidade histórica da Nação, como pensa o Agnóstico. Logo, consequentemente, todo o seu esforço tende a fazer dos detentores do Poder, instrumentos conscientes de Deus, ou daquela continuidade histórica.
O doutrinador republicano é essencialmente revolucionário: a Revolução é o seu método; a Revolução é o seu fim. O doutrinador monárquico é essencialmente anti-revolucionário: o seu método é a inteligência; a recondução da Nação à sua vida tradicional normal é o seu objectivo.
O doutrinador republicano só conhece um meio, e efectivamente é o único que há, de impôr o seu doutrinarismo: a Revolução armada. Para isso, ele prega a indisciplina, a desordem, o ódio, a descrença, o desrespeito, a desobediência, — tudo quanto seja elemento destruidor das bases fundamentais da Ordem social. É sobre ruínas que ele pretende erguer a cidade — cidade que, pela sua origem, e pela sua orgânica, é perpétua fonte de novas ruínas.
O doutrinador monárquico não quer destruir o que, na hipótese, encontra, mas substituir, dispensando o que é mau, aproveitando e consolidando o que é bom. Em vez da indisciplina, ele quer mais disciplina; em vez da desordem, ele que mais ordem; em vez de ódio, ele quer mais amor; em vez da descrença, ele quer mais fé; em vez do desrespeito, ele quer respeito mais intenso; em vez de desobediência, ele quer mais obediência.
Não é sobre ruínas que ele quer erguer a sua cidade; é, sobre alicerces bem sólidos, sobre bases bem fundas e bem prósperas, sobre estímulos bem activos, para que a sua cidade, em vez de geradora de ruínas, seja geradora da vida.
Não lhe interessa a imprensa livre, o comício livre — se estas instituições se consagram a agitar a multidão dos cidadãos. Só precisa delas, para se fazer ouvir dos detentores do Poder, e na medida em que elas lhe servem para se fazer ouvir deles.
O doutrinador monárquico não se dirige ao País, porque abomina a Monarquia de origem revolucionária, e só para fazer a revolta armada das massas humanas, ele teria que se dirigir ao País.
Não se dirige ao País, para o levar à boca das urnas, porque detesta a Monarquia plebiscitária, uma espécie de Monarquia republicana, manifestação da quimérica vontade popular, através de ficção do voto e do sufrágio.
Não se dirige mesmo às élites do País, porque não lhe sorri a Monarquia filha de golpes de Estado, que vêm a ser afinal de contas, a Revolução disfarçada.
Não. O doutrinador monárquico dirige as suas palavras, toda a acção do seu verbo e do seu espírito, à luz do sol, diante de toda a gente, para que todos o oiçam — aos detentores do Poder, repito, aos detentores da fé, e desinteressadamente dedicados ao Bem Comum.
Quando estes gizam as suas reformas financeiras — tributárias ou de contabilidade; quando elaboram as suas reformas económicas, de defesa nacional, de educação pública, de fomento, etc.; quando constroem os seus projectos de política externa — alianças velhas que se reforçam, alianças novas que se esboçam ou preparam, numa palavra, em toda a sua acção de dirigentes da Nação, de detentores responsáveis do Poder, de animadores e fiadores do futuro do País, eles ouvem os competentes, quer individualmente, consultando este ou aquele, quer colectivamente, ouvindo os pareceres das instituições técnicas.
Chama-se a isso convidar a Nação a colaborar nos seus próprios destinos — pelos seus elementos representativos competentes.
Em matéria propriamente política, isto é, de orgânica constitucional do Estado, é o doutrinador político quem deve ser ouvido.
O doutrinador republicano está excluído, porque ele dirige-se à Nação para a revolucionar. O único que os detentores do Poder têm o dever de escutar é o doutrinador monárquico que só pensa em os esclarecer.
O futuro dum país não depende só das reformas de educação, de defesa nacional, de economia, financeiras, e fomento, etc; depende, e principalmente, da estrutura do Estado. Se se deixasse permanecer o sistema feudal, os povos ter-se-iam pulverizado na mais tenebrosa anarquia. O instinto de defesa levou-os a buscarem na Monarquia coordenadora e concentradora, o remédio eficaz para tal perigo.
Muita gente supõe que as instituições políticas são aparência e superfície. É uma ilusão que a experiência, a meditação e o estudo facilmente desfazem. As instituições políticas são a razão de ser fundamental da prosperidade ou infelicidade dos povos e das possibilidades ou negações do seu futuro.
Portanto, quem detém o Poder, se atende e busca o parecer dos professores de Finanças, de Economia, de assuntos militares e navais, de diplomacia, etc, para se esclarecer e decidir, também não pode deixar de atender, buscar os pareceres de professores de política, que são os doutrinadores. Estão excluídos, insisto, os doutrinadores revolucionários, desde os republicanos aos comunistas, porque estes visam a destruição do Poder e trabalham para opor a Nação ao Poder. A sua obra é uma obra de dissociação e guerra civil.
O doutrinador monárquico visa, pelo contrário, a consolidar o Poder noutras bases — em bases mais fortes, e trabalha para fundir o Poder na Nação. A sua obra é uma obra de integração e de concórdia nacional.
O doutrinador revolucionário serve-se da Nação contra o Poder. Eu não me sirvo nem da Nação contra o Poder, nem do Poder contra a Nação, trabalho para que o Poder compreenda e veja o que há de essencial e imediato, de insofismável e inadiável no Interesse nacional, e para que a Nação corresponda a essa compreensão superior.
As instituições republicanas, mesmo as que estão dentro da muito velha fórmula — a República é tanto mais perfeita quanto mais se aproxima da Monarquia — as instituições republicanas são sempre más, porque implicitam o germe destruidor da paz pública e do bem dos povos, os partidos políticos. República sem partidos é um artifício ou uma mentira. Quem diz República diz Eleição. Quem diz Eleição diz Partidos. Logo, quem diz República diz Partidos. E Partidos significam guerra civil. Logo, República e guerra são sinónimos.
A Monarquia hereditária, representada por uma Família tradicional é, neste mundo de relatividades e imperfeições, a mais perfeita, a mais cómoda, a mais pacífica e saudável fórmula política da governação dos povos. É a melhor que se adapta às transformações da Civilização, e a única que pode garantir aquela base e estabilidade essencial a todo o progresso.
Cria-se este lugar comum lendário e insensato de que o Poder não pode, por si, transformar as instituições políticas do País, porque fazê-lo seria traí-las.
Essa é boa! O Poder recebe, ao tomar conta das suas funções, o Orçamento desequilibrado, as Finanças públicas arruinadas, a vida económica da Nação paralisada, o Exército sem armas, a Marinha sem navios, a Política externa sem prestígio, o Ensino ao abandono, a desordem livre e próspera nas ruas e um sistema de governo perigoso, porque nos divide, é maléfico, porque nos atira, por definição, uns contra os outros. Recebe tudo isto assim, e a certa altura da sua vida, equilibra o orçamento, e ninguém o acusa de ter traído a paralisia dessa vida: arma o Exército, e ninguém o acusa de ter traído a traquês do Exército; dá navios à Marinha, e ninguém o acusa de ter traído o desmantelamento da Marinha; prestigia a Política externa, e ninguém o acusa de ter traído a desconsideração internacional em que se vivia; levanta o nível do Ensino, e ninguém o acusa de ter traído a desordem.
O que se não quer é que toque nas instituições políticas, porque seria traí-las! Os que assim pensam deviam, logicamente, exigir que o Poder, ao deixar as suas funções, restituísse ao seu sucessor o Orçamento desequilibrado, as Finanças arruinadas, o Exército desarmado, a Marinha sem navios, etc., etc, etc.
Ora que são mais na vida da Nação, as instituições republicanas, para que tenham o privilégio da intangibilidade, do que o Desequilíbrio orçamental, o desvairo das Finanças, a Ruína do Exército, até à desordem pública?
Não. O Poder, convencido de que o Orçamento desequilibrado é um mal — equilibra-o, e cumpre o seu dever; convencido de que o Desvairo das Finanças é um mal, cumpre o seu dever, saneando-as; convencido de que a fraqueza do Exército, e da Marinha, o desprestígio externo, o abandono do Ensino, a Desordem nas ruas são males, deita a mão a tudo isso, e extirpa-o da vida da Nação. Cumpre o seu dever. Pois convencido de que as instituições republicanas são incompatíveis com o Interesse Nacional, e são males bem mais perigosos e mais trágicos do que aqueles outros — qual é a obrigação do Poder? Tratar as instituições republicanas, como tratou o Desequilíbrio orçamental, e o Desvairo das Finanças, a Paralisia da vida económica, a Fraqueza do Exército e da Marinha, etc., etc., etc.
O Poder responsável tem por missão governar e salvar a Nação. Para a governar e para a salvar, tem de ir até onde as realidades, os factos, as circunstâncias exigem.
Assim pensa o doutrinador monárquico. Com ele, pensam todos os monárquicos que não são monárquicos republicanizados, liberais e oposicionistas, a forjar na sombra, a letra em que são sacadores: com ele, pensam todos os monárquicos que o são por doutrina, e não apetecem um Rei trazido nas listas do sufrágio ou nas pontas das baionetas.
Alfredo Pimenta
(in «A Voz», n.º 5434, págs. 1/2, 22.04.1942)
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O doutrinador monárquico que não tem qualquer espécie de afinidades com o republicano, não se dirige ao País, prescinde do País, não precisa da falsa opinião do País para nada.
Dirige-se aos detentores do Poder — não para os violentar, desprestigiar, diminuir ou enfraquecer, mas para os convencer, esclarecer e iluminar, e ajudar, quando tais detentores são de boa fé, desinteressadamente dedicados ao Bem Comum.
O doutrinador republicano apoia-se na força brutal das massas humanas, para fazer a Revolução. O doutrinador monárquico apoia-se na inteligência, na sensibilidade, na clarividência dos detentores do Poder — para evitar a Revolução.
O doutrinador republicano entende que a Nação é soberana, que no País está a origem do Poder. Logo, coerentemente, o que ele está a pretende é arrastar atrás de si o País, para que este, de armas na mão, lhe dê o Poder.
O doutrinador monárquico pensa que a Nação existe para servir o Interesse nacional, na multiplicidade das suas manifestações, na prodigiosa diversidade das suas exigências, e que a origem do Poder está fora do País, acima do País, em Deus, como eu creio, ou na continuidade histórica da Nação, como pensa o Agnóstico. Logo, consequentemente, todo o seu esforço tende a fazer dos detentores do Poder, instrumentos conscientes de Deus, ou daquela continuidade histórica.
O doutrinador republicano é essencialmente revolucionário: a Revolução é o seu método; a Revolução é o seu fim. O doutrinador monárquico é essencialmente anti-revolucionário: o seu método é a inteligência; a recondução da Nação à sua vida tradicional normal é o seu objectivo.
O doutrinador republicano só conhece um meio, e efectivamente é o único que há, de impôr o seu doutrinarismo: a Revolução armada. Para isso, ele prega a indisciplina, a desordem, o ódio, a descrença, o desrespeito, a desobediência, — tudo quanto seja elemento destruidor das bases fundamentais da Ordem social. É sobre ruínas que ele pretende erguer a cidade — cidade que, pela sua origem, e pela sua orgânica, é perpétua fonte de novas ruínas.
O doutrinador monárquico não quer destruir o que, na hipótese, encontra, mas substituir, dispensando o que é mau, aproveitando e consolidando o que é bom. Em vez da indisciplina, ele quer mais disciplina; em vez da desordem, ele que mais ordem; em vez de ódio, ele quer mais amor; em vez da descrença, ele quer mais fé; em vez do desrespeito, ele quer respeito mais intenso; em vez de desobediência, ele quer mais obediência.
Não é sobre ruínas que ele quer erguer a sua cidade; é, sobre alicerces bem sólidos, sobre bases bem fundas e bem prósperas, sobre estímulos bem activos, para que a sua cidade, em vez de geradora de ruínas, seja geradora da vida.
Não lhe interessa a imprensa livre, o comício livre — se estas instituições se consagram a agitar a multidão dos cidadãos. Só precisa delas, para se fazer ouvir dos detentores do Poder, e na medida em que elas lhe servem para se fazer ouvir deles.
O doutrinador monárquico não se dirige ao País, porque abomina a Monarquia de origem revolucionária, e só para fazer a revolta armada das massas humanas, ele teria que se dirigir ao País.
Não se dirige ao País, para o levar à boca das urnas, porque detesta a Monarquia plebiscitária, uma espécie de Monarquia republicana, manifestação da quimérica vontade popular, através de ficção do voto e do sufrágio.
Não se dirige mesmo às élites do País, porque não lhe sorri a Monarquia filha de golpes de Estado, que vêm a ser afinal de contas, a Revolução disfarçada.
Não. O doutrinador monárquico dirige as suas palavras, toda a acção do seu verbo e do seu espírito, à luz do sol, diante de toda a gente, para que todos o oiçam — aos detentores do Poder, repito, aos detentores da fé, e desinteressadamente dedicados ao Bem Comum.
Quando estes gizam as suas reformas financeiras — tributárias ou de contabilidade; quando elaboram as suas reformas económicas, de defesa nacional, de educação pública, de fomento, etc.; quando constroem os seus projectos de política externa — alianças velhas que se reforçam, alianças novas que se esboçam ou preparam, numa palavra, em toda a sua acção de dirigentes da Nação, de detentores responsáveis do Poder, de animadores e fiadores do futuro do País, eles ouvem os competentes, quer individualmente, consultando este ou aquele, quer colectivamente, ouvindo os pareceres das instituições técnicas.
Chama-se a isso convidar a Nação a colaborar nos seus próprios destinos — pelos seus elementos representativos competentes.
Em matéria propriamente política, isto é, de orgânica constitucional do Estado, é o doutrinador político quem deve ser ouvido.
O doutrinador republicano está excluído, porque ele dirige-se à Nação para a revolucionar. O único que os detentores do Poder têm o dever de escutar é o doutrinador monárquico que só pensa em os esclarecer.
O futuro dum país não depende só das reformas de educação, de defesa nacional, de economia, financeiras, e fomento, etc; depende, e principalmente, da estrutura do Estado. Se se deixasse permanecer o sistema feudal, os povos ter-se-iam pulverizado na mais tenebrosa anarquia. O instinto de defesa levou-os a buscarem na Monarquia coordenadora e concentradora, o remédio eficaz para tal perigo.
Muita gente supõe que as instituições políticas são aparência e superfície. É uma ilusão que a experiência, a meditação e o estudo facilmente desfazem. As instituições políticas são a razão de ser fundamental da prosperidade ou infelicidade dos povos e das possibilidades ou negações do seu futuro.
Portanto, quem detém o Poder, se atende e busca o parecer dos professores de Finanças, de Economia, de assuntos militares e navais, de diplomacia, etc, para se esclarecer e decidir, também não pode deixar de atender, buscar os pareceres de professores de política, que são os doutrinadores. Estão excluídos, insisto, os doutrinadores revolucionários, desde os republicanos aos comunistas, porque estes visam a destruição do Poder e trabalham para opor a Nação ao Poder. A sua obra é uma obra de dissociação e guerra civil.
O doutrinador monárquico visa, pelo contrário, a consolidar o Poder noutras bases — em bases mais fortes, e trabalha para fundir o Poder na Nação. A sua obra é uma obra de integração e de concórdia nacional.
O doutrinador revolucionário serve-se da Nação contra o Poder. Eu não me sirvo nem da Nação contra o Poder, nem do Poder contra a Nação, trabalho para que o Poder compreenda e veja o que há de essencial e imediato, de insofismável e inadiável no Interesse nacional, e para que a Nação corresponda a essa compreensão superior.
As instituições republicanas, mesmo as que estão dentro da muito velha fórmula — a República é tanto mais perfeita quanto mais se aproxima da Monarquia — as instituições republicanas são sempre más, porque implicitam o germe destruidor da paz pública e do bem dos povos, os partidos políticos. República sem partidos é um artifício ou uma mentira. Quem diz República diz Eleição. Quem diz Eleição diz Partidos. Logo, quem diz República diz Partidos. E Partidos significam guerra civil. Logo, República e guerra são sinónimos.
A Monarquia hereditária, representada por uma Família tradicional é, neste mundo de relatividades e imperfeições, a mais perfeita, a mais cómoda, a mais pacífica e saudável fórmula política da governação dos povos. É a melhor que se adapta às transformações da Civilização, e a única que pode garantir aquela base e estabilidade essencial a todo o progresso.
Cria-se este lugar comum lendário e insensato de que o Poder não pode, por si, transformar as instituições políticas do País, porque fazê-lo seria traí-las.
Essa é boa! O Poder recebe, ao tomar conta das suas funções, o Orçamento desequilibrado, as Finanças públicas arruinadas, a vida económica da Nação paralisada, o Exército sem armas, a Marinha sem navios, a Política externa sem prestígio, o Ensino ao abandono, a desordem livre e próspera nas ruas e um sistema de governo perigoso, porque nos divide, é maléfico, porque nos atira, por definição, uns contra os outros. Recebe tudo isto assim, e a certa altura da sua vida, equilibra o orçamento, e ninguém o acusa de ter traído a paralisia dessa vida: arma o Exército, e ninguém o acusa de ter traído a traquês do Exército; dá navios à Marinha, e ninguém o acusa de ter traído o desmantelamento da Marinha; prestigia a Política externa, e ninguém o acusa de ter traído a desconsideração internacional em que se vivia; levanta o nível do Ensino, e ninguém o acusa de ter traído a desordem.
O que se não quer é que toque nas instituições políticas, porque seria traí-las! Os que assim pensam deviam, logicamente, exigir que o Poder, ao deixar as suas funções, restituísse ao seu sucessor o Orçamento desequilibrado, as Finanças arruinadas, o Exército desarmado, a Marinha sem navios, etc., etc, etc.
Ora que são mais na vida da Nação, as instituições republicanas, para que tenham o privilégio da intangibilidade, do que o Desequilíbrio orçamental, o desvairo das Finanças, a Ruína do Exército, até à desordem pública?
Não. O Poder, convencido de que o Orçamento desequilibrado é um mal — equilibra-o, e cumpre o seu dever; convencido de que o Desvairo das Finanças é um mal, cumpre o seu dever, saneando-as; convencido de que a fraqueza do Exército, e da Marinha, o desprestígio externo, o abandono do Ensino, a Desordem nas ruas são males, deita a mão a tudo isso, e extirpa-o da vida da Nação. Cumpre o seu dever. Pois convencido de que as instituições republicanas são incompatíveis com o Interesse Nacional, e são males bem mais perigosos e mais trágicos do que aqueles outros — qual é a obrigação do Poder? Tratar as instituições republicanas, como tratou o Desequilíbrio orçamental, e o Desvairo das Finanças, a Paralisia da vida económica, a Fraqueza do Exército e da Marinha, etc., etc., etc.
O Poder responsável tem por missão governar e salvar a Nação. Para a governar e para a salvar, tem de ir até onde as realidades, os factos, as circunstâncias exigem.
Assim pensa o doutrinador monárquico. Com ele, pensam todos os monárquicos que não são monárquicos republicanizados, liberais e oposicionistas, a forjar na sombra, a letra em que são sacadores: com ele, pensam todos os monárquicos que o são por doutrina, e não apetecem um Rei trazido nas listas do sufrágio ou nas pontas das baionetas.
Alfredo Pimenta
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