domingo, fevereiro 27, 2005
O EXEMPLO DE CAETANO BEIRÃO
É-me difícil em extremo escrever sobre Caetano de Melo Beirão sem falar um pouco de mim, de tal modo as nossas vidas se entrecruzaram numa comunhão de ideias e posições que só a morte foi capaz de dissolver.
Quando cheguei a Coimbra, em 1945, bisonho caloiro de Direito, o mundo vivia em plena euforia democrática. Os vencidos da Segunda Grande Guerra eram acusados dos maiores crimes, os vencedores elevados a anjos e santos, as ideologias demo-liberal e demo-marxista idolatradas com fervor religioso.
Internamente, o Estado Novo, regime autoritário, ainda que, infelizmente, não fascista, sofria os primeiros embates como consequência do triunfo das impropriamente chamadas Nações Unidas.
Um grupo de jovens estudantes da velha universidade coimbrã entendia que a solução para as dificuldades do momento estava no Integralismo, ou seja, num desenvolvimento monárquico do Estado Novo.
Recém-chegado modesto, leitor de Sardinha, Pequito Rebelo, Alfredo Pimenta, João Ameal, (e de Sérgio e Raul Proença), enfileirei logo nesse grupo, de que Caetano de Melo Beirão era vulto de relevo. Falava-se, com entusiasmo, na publicação de um jornal doutrinário que, realmente, apareceu no ano lectivo seguinte, a 1 de Dezembro de 1946. Tratava-se de um quinzenário de que, naturalmente, pelas suas qualidades de inteligência, ponderação, fleuma, firmeza e cortesia, Caetano de Melo Beirão assumiu a direcção. Chamava-se "Mensagem" e nele fizemos, ambos, as nossas primeiras armas. Entre quantos se agrupavam em seu torno germinava, no entanto, um equívoco. Uns de nós eram adeptos do Integralismo como ideário político, formulado entre 1914 e 1930, ideário que procurávamos aprofundar, e aperfeiçoar; outros seguiam, apenas, as personalidades de alguns integralistas de tomo, que odiavam o Estado Novo e não eram imunes aos miasmas mentais da época. A cisão tornou-se inevitável quando surgiu um diário, patrocinado por este último, a defender a teoria absurda da monarquia democrática.
Dum lado ficaram, com Caetano de Melo Beirão à frente, os que não transigiam no seu antidemocratismo, antiliberalismo, e radical nacionalismo; perante eles, uns tantos que iniciaram uma lenta e curiosa evolução, que os levou, anos depois, a alinhar com a abjecção abrilina. Na altura em que se deu essa cisão, já entre mim e Caetano de Melo Beirão se estabelecera uma amizade permanente e sem sombras. Lembro-me, como se fosse hoje, das inúmeras vezes que, depois de jantar, o ia buscar à Estrada da Beira; voltávamos pelo parque, falando de tudo quanto se pode falar, até entrarmos na "Brasileira" — o nosso café — onde mergulhávamos na política, na má-língua, nas blagues.
A "Mensagem" ia sobrevivendo, com altos e baixos, sempre na defesa da ortodoxia. Até que chegou a hora das formaturas. Primeiro o Caetano, depois eu, promovido, entretanto, a chefe de redacção. E, apesar de várias tentativas, acabou por desaparecer. Durante o meu serviço militar, em Mafra, Caetano de Melo Beirão já estava em Lisboa. Continuamos pois o nosso convívio, passando a visitar a casa de seus pais, que me receberam com requintes de gentileza, que nunca esquecerei. O grande historiador e pensador político Caetano Beirão acolheu-me com a sua inexcedível simpatia e a sua bondade paternal para com os jovens. Os serões de domingo à noite, que eu abandonava, sempre, a correr, para regressar ao quartel, são das melhores recordações desse período.
No início de 1959, realizaram-se as Semanas de Estudos Doutrinários, que pretendiam congregar os representantes do pensamento monárquico. Caetano de Melo Beirão, Goulart Nogueira e eu apresentámos comunicações, remando contra a maré liberalizante que se ia espalhando. Caetano falou, num trabalho excelente, sobre «Estado, Nação, Rei», recebendo os ataques que eram de esperar.
As comunicações, sujeitas a discussão pública, apareceram em volume com os comentários de um escritor, arvorado, não se sabe a que título, em mestre de todos nós. Pela minha parte ri-me das críticas póstumas, facilmente refutáveis e perante as quais encolhi os ombros.
Caetano de Melo Beirão não deixou, porém, de aplicar um valente puxão de orelhas, na "Praça Nova", ao seu agressor.
Em Maio de 1959 surgia o primeiro número da revista "Tempo Presente", dirigida por Fernando Guedes e cujo conselho de redacção era composto por Caetano de Melo Beirão, Couto Viana, Goulart Nogueira e eu. Caetano colaborou, abundantemente, na revista, participando activamente da sua feitura.
Por razões de serviço (eu era Secretário da Universidade do Porto) fui, inesperadamente, chamado em Agosto, em plenas férias, ao Ministério. Caetano de Melo Beirão, que não saíra da capital, insistiu em que me instalasse em sua casa, passando ali o resto das férias. Jantávamos juntos com Fernando Guedes e Goulart Nogueira. As refeições, péssimas, como era da praxe, fornecia-as uma pensão das vizinhanças. Lavávamos a louça cantando e, por entre árias de opereta, rompia, inúmeras vezes, a Giovinezza. Surgiam mais amigos, e faziam-se planos para "Tempo Presente", esbravejava-se sobre filosofia e literatura, reprovava-se a frouxidão dos governantes e, pela madrugada, subiam até ao tecto, com o fumo dos cigarros, as nossas esperanças, ilusões e cóleras.
Nas noites de mais calor, saíamos para a rua a calcorrear Lisboa, que aprendi, então, a amar, contemplando o luar reflectido sobre o Tejo, correndo as vielas estreitas de Alfama e do Castelo, mirando, lentamente, as infindas luzes da cidade. Recordo uma ocasião em que, numa esplanada da Avenida, rodeados de estrangeiros, rompemos a entoar o hino fascista. Estes sorriam, simpaticamente, àquele bando de jovens irreverentes, até que soou o nome de Mussolini. Com grande gáudio nosso, velaram a face perante semelhante «abominação da desolação».
No início de 1960, - vogava, ainda, de velas desfraldadas, a nossa revista — teve lugar o I Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social. Caetano de Melo Beirão secretariou uma das secções e apresentou uma tese intitulada «Algumas considerações sobre o sistema corporativo perante o Estado na lei portuguesa», travando acesa discussão com os adeptos de um pluralismo sindical e do enfraquecimento da autoridade estatal.
Quando "Tempo Presente" desapareceu, Caetano de Melo Beirão fundou o Círculo de Estudos Alfredo Pimenta, durante anos ponto de aglutinação de boa parte da extrema-direita portuguesa.
Saliente-se, ainda, o extraordinário artigo que escreveu para o número do "Agora" consagrado ao Fascismo, que Goulart Nogueira organizou. Nele, com raro poder de evocação, se fazia reviver o imenso desfile da Mocidade Portuguesa no XI Aniversário da Revolução Nacional, em que, como convidados, marcharam, também, pelotões de Balillas e da Hitlerjugend.
Depois... Depois veio o marcelismo e, na sua sucessão, a onda de lama (para não dizer pior) do «25-A».
Para a combater (embora sem grande esperança) procurámos constituir o Movimento de Acção Portuguesa (M.A.P.), de que Caetano de Melo Beirão era, obviamente, membro destacado. No «28 de Setembro», ainda não tinha sido publicado o nosso manifesto, foi assaltada a sede do M.A.P. manu militari e a maioria dos seus membros passou para a prisão e o exílio. Escapámos, o Caetano e eu, durante o período gonçalvista, mantivemos o contacto com camaradas que estavam em Espanha, fazendo o que podíamos e não era muito. E a seguir ao 25 de Novembro despontou o Pantanal: paz bem podre, escândalos permanentes, aumento da criminalidade e da insegurança nas ruas, a traição endeusada, etc.
Caetano de Melo Beirão recusou-se a partilhar o banquete nauseabundo, sofrendo a marginalização que era de prever.
Arqueólogo, com projecção internacional, a ciência nunca lhe serviu de álibi para uma neutralidade prudente. Tendo de se mudar para Évora, por motivos pessoais (o que muito lamentei), não deixava de, com sacrifício, se deslocar ao Porto, no 28 de Maio, para participar do jantar comemorativo dessa data, jantar onde se reúnem os que «não se arrependem nem esquecem» E para o «Colóquio», também no Porto, consagrado ao centenário de Salazar, roubou largas horas aos seus estudos, para apresentar a comunicação «Reflexões sobre o Estatuto do Trabalho Nacional e a Organização Corporativa do Estado».
E, já muito doente, à espera de arriscada operação, ainda me disse que dos seus maiores gostos tinha sido ler os números da "Revue d`Histoire Révisionniste", que eu lhe fizera enviar.
Caetano de Melo Beirão não procurava a fama fácil nem mendigava elogios.
Estava, no entanto, seguro de si e das certezas que o animavam, tendo um soberano desprezo pela mediocridade reinante.
O rectângulo, a que Abril reduziu Portugal, terá muitas competências. O que lhe faltam são homens de carácter. Caetano de Melo Beirão pertenceu a essa espécie, bem rara na nossa sociedade actual. Também a coragem era um dos seus atributos, coragem não alardeada, mas várias vezes posta à prova e bem visível na serenidade simples com que enfrentava a hipótese da morte, quando se preparava para a arriscada intervenção cirúrgica que o vitimou. Sem poses de estóico altivo, cultivando o humor próprio e alheio (na última ocasião que nos encontrámos, num restaurante, Goulart Nogueira, eu e ele, já com data marcada para a operação, as nossas gargalhadas brotavam espontaneamente, a tal ponto que, nós mesmos, dissemos que nos estávamos a rir demais para a nossa idade).
Caetano de Melo Beirão era um bloco granítico de integridade e fidelidade políticas. O seu corpo físico pode ter desaparecido. Mas o seu espírito continua entre nós, os que fomos seus amigos de uma inteira existência, que com ele partilhámos o pão e o sal, as aspirações e os desejos de redenção da Pátria e que vivemos as mesmas dores e angústias e alegrias.
Caetano de Melo Beirão — Presente!
António José de Brito
(in O Diabo de 15 de Outubro de 1991)
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Quando cheguei a Coimbra, em 1945, bisonho caloiro de Direito, o mundo vivia em plena euforia democrática. Os vencidos da Segunda Grande Guerra eram acusados dos maiores crimes, os vencedores elevados a anjos e santos, as ideologias demo-liberal e demo-marxista idolatradas com fervor religioso.
Internamente, o Estado Novo, regime autoritário, ainda que, infelizmente, não fascista, sofria os primeiros embates como consequência do triunfo das impropriamente chamadas Nações Unidas.
Um grupo de jovens estudantes da velha universidade coimbrã entendia que a solução para as dificuldades do momento estava no Integralismo, ou seja, num desenvolvimento monárquico do Estado Novo.
Recém-chegado modesto, leitor de Sardinha, Pequito Rebelo, Alfredo Pimenta, João Ameal, (e de Sérgio e Raul Proença), enfileirei logo nesse grupo, de que Caetano de Melo Beirão era vulto de relevo. Falava-se, com entusiasmo, na publicação de um jornal doutrinário que, realmente, apareceu no ano lectivo seguinte, a 1 de Dezembro de 1946. Tratava-se de um quinzenário de que, naturalmente, pelas suas qualidades de inteligência, ponderação, fleuma, firmeza e cortesia, Caetano de Melo Beirão assumiu a direcção. Chamava-se "Mensagem" e nele fizemos, ambos, as nossas primeiras armas. Entre quantos se agrupavam em seu torno germinava, no entanto, um equívoco. Uns de nós eram adeptos do Integralismo como ideário político, formulado entre 1914 e 1930, ideário que procurávamos aprofundar, e aperfeiçoar; outros seguiam, apenas, as personalidades de alguns integralistas de tomo, que odiavam o Estado Novo e não eram imunes aos miasmas mentais da época. A cisão tornou-se inevitável quando surgiu um diário, patrocinado por este último, a defender a teoria absurda da monarquia democrática.
Dum lado ficaram, com Caetano de Melo Beirão à frente, os que não transigiam no seu antidemocratismo, antiliberalismo, e radical nacionalismo; perante eles, uns tantos que iniciaram uma lenta e curiosa evolução, que os levou, anos depois, a alinhar com a abjecção abrilina. Na altura em que se deu essa cisão, já entre mim e Caetano de Melo Beirão se estabelecera uma amizade permanente e sem sombras. Lembro-me, como se fosse hoje, das inúmeras vezes que, depois de jantar, o ia buscar à Estrada da Beira; voltávamos pelo parque, falando de tudo quanto se pode falar, até entrarmos na "Brasileira" — o nosso café — onde mergulhávamos na política, na má-língua, nas blagues.
A "Mensagem" ia sobrevivendo, com altos e baixos, sempre na defesa da ortodoxia. Até que chegou a hora das formaturas. Primeiro o Caetano, depois eu, promovido, entretanto, a chefe de redacção. E, apesar de várias tentativas, acabou por desaparecer. Durante o meu serviço militar, em Mafra, Caetano de Melo Beirão já estava em Lisboa. Continuamos pois o nosso convívio, passando a visitar a casa de seus pais, que me receberam com requintes de gentileza, que nunca esquecerei. O grande historiador e pensador político Caetano Beirão acolheu-me com a sua inexcedível simpatia e a sua bondade paternal para com os jovens. Os serões de domingo à noite, que eu abandonava, sempre, a correr, para regressar ao quartel, são das melhores recordações desse período.
No início de 1959, realizaram-se as Semanas de Estudos Doutrinários, que pretendiam congregar os representantes do pensamento monárquico. Caetano de Melo Beirão, Goulart Nogueira e eu apresentámos comunicações, remando contra a maré liberalizante que se ia espalhando. Caetano falou, num trabalho excelente, sobre «Estado, Nação, Rei», recebendo os ataques que eram de esperar.
As comunicações, sujeitas a discussão pública, apareceram em volume com os comentários de um escritor, arvorado, não se sabe a que título, em mestre de todos nós. Pela minha parte ri-me das críticas póstumas, facilmente refutáveis e perante as quais encolhi os ombros.
Caetano de Melo Beirão não deixou, porém, de aplicar um valente puxão de orelhas, na "Praça Nova", ao seu agressor.
Em Maio de 1959 surgia o primeiro número da revista "Tempo Presente", dirigida por Fernando Guedes e cujo conselho de redacção era composto por Caetano de Melo Beirão, Couto Viana, Goulart Nogueira e eu. Caetano colaborou, abundantemente, na revista, participando activamente da sua feitura.
Por razões de serviço (eu era Secretário da Universidade do Porto) fui, inesperadamente, chamado em Agosto, em plenas férias, ao Ministério. Caetano de Melo Beirão, que não saíra da capital, insistiu em que me instalasse em sua casa, passando ali o resto das férias. Jantávamos juntos com Fernando Guedes e Goulart Nogueira. As refeições, péssimas, como era da praxe, fornecia-as uma pensão das vizinhanças. Lavávamos a louça cantando e, por entre árias de opereta, rompia, inúmeras vezes, a Giovinezza. Surgiam mais amigos, e faziam-se planos para "Tempo Presente", esbravejava-se sobre filosofia e literatura, reprovava-se a frouxidão dos governantes e, pela madrugada, subiam até ao tecto, com o fumo dos cigarros, as nossas esperanças, ilusões e cóleras.
Nas noites de mais calor, saíamos para a rua a calcorrear Lisboa, que aprendi, então, a amar, contemplando o luar reflectido sobre o Tejo, correndo as vielas estreitas de Alfama e do Castelo, mirando, lentamente, as infindas luzes da cidade. Recordo uma ocasião em que, numa esplanada da Avenida, rodeados de estrangeiros, rompemos a entoar o hino fascista. Estes sorriam, simpaticamente, àquele bando de jovens irreverentes, até que soou o nome de Mussolini. Com grande gáudio nosso, velaram a face perante semelhante «abominação da desolação».
No início de 1960, - vogava, ainda, de velas desfraldadas, a nossa revista — teve lugar o I Colóquio Nacional do Trabalho, da Organização Corporativa e da Previdência Social. Caetano de Melo Beirão secretariou uma das secções e apresentou uma tese intitulada «Algumas considerações sobre o sistema corporativo perante o Estado na lei portuguesa», travando acesa discussão com os adeptos de um pluralismo sindical e do enfraquecimento da autoridade estatal.
Quando "Tempo Presente" desapareceu, Caetano de Melo Beirão fundou o Círculo de Estudos Alfredo Pimenta, durante anos ponto de aglutinação de boa parte da extrema-direita portuguesa.
Saliente-se, ainda, o extraordinário artigo que escreveu para o número do "Agora" consagrado ao Fascismo, que Goulart Nogueira organizou. Nele, com raro poder de evocação, se fazia reviver o imenso desfile da Mocidade Portuguesa no XI Aniversário da Revolução Nacional, em que, como convidados, marcharam, também, pelotões de Balillas e da Hitlerjugend.
Depois... Depois veio o marcelismo e, na sua sucessão, a onda de lama (para não dizer pior) do «25-A».
Para a combater (embora sem grande esperança) procurámos constituir o Movimento de Acção Portuguesa (M.A.P.), de que Caetano de Melo Beirão era, obviamente, membro destacado. No «28 de Setembro», ainda não tinha sido publicado o nosso manifesto, foi assaltada a sede do M.A.P. manu militari e a maioria dos seus membros passou para a prisão e o exílio. Escapámos, o Caetano e eu, durante o período gonçalvista, mantivemos o contacto com camaradas que estavam em Espanha, fazendo o que podíamos e não era muito. E a seguir ao 25 de Novembro despontou o Pantanal: paz bem podre, escândalos permanentes, aumento da criminalidade e da insegurança nas ruas, a traição endeusada, etc.
Caetano de Melo Beirão recusou-se a partilhar o banquete nauseabundo, sofrendo a marginalização que era de prever.
Arqueólogo, com projecção internacional, a ciência nunca lhe serviu de álibi para uma neutralidade prudente. Tendo de se mudar para Évora, por motivos pessoais (o que muito lamentei), não deixava de, com sacrifício, se deslocar ao Porto, no 28 de Maio, para participar do jantar comemorativo dessa data, jantar onde se reúnem os que «não se arrependem nem esquecem» E para o «Colóquio», também no Porto, consagrado ao centenário de Salazar, roubou largas horas aos seus estudos, para apresentar a comunicação «Reflexões sobre o Estatuto do Trabalho Nacional e a Organização Corporativa do Estado».
E, já muito doente, à espera de arriscada operação, ainda me disse que dos seus maiores gostos tinha sido ler os números da "Revue d`Histoire Révisionniste", que eu lhe fizera enviar.
Caetano de Melo Beirão não procurava a fama fácil nem mendigava elogios.
Estava, no entanto, seguro de si e das certezas que o animavam, tendo um soberano desprezo pela mediocridade reinante.
O rectângulo, a que Abril reduziu Portugal, terá muitas competências. O que lhe faltam são homens de carácter. Caetano de Melo Beirão pertenceu a essa espécie, bem rara na nossa sociedade actual. Também a coragem era um dos seus atributos, coragem não alardeada, mas várias vezes posta à prova e bem visível na serenidade simples com que enfrentava a hipótese da morte, quando se preparava para a arriscada intervenção cirúrgica que o vitimou. Sem poses de estóico altivo, cultivando o humor próprio e alheio (na última ocasião que nos encontrámos, num restaurante, Goulart Nogueira, eu e ele, já com data marcada para a operação, as nossas gargalhadas brotavam espontaneamente, a tal ponto que, nós mesmos, dissemos que nos estávamos a rir demais para a nossa idade).
Caetano de Melo Beirão era um bloco granítico de integridade e fidelidade políticas. O seu corpo físico pode ter desaparecido. Mas o seu espírito continua entre nós, os que fomos seus amigos de uma inteira existência, que com ele partilhámos o pão e o sal, as aspirações e os desejos de redenção da Pátria e que vivemos as mesmas dores e angústias e alegrias.
Caetano de Melo Beirão — Presente!
António José de Brito
(in O Diabo de 15 de Outubro de 1991)
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Mit Brennender Sorge...
Meu Pai morreu em Berlim, cidade em que se celebrava,nesse dia a união das duas Alemanhas. Ironia do Destino, de Deus, mais concretamente.
Sei que o deve ter deixado satisfeito, e, como tinha sentido de humor, percebeu, finalmente, a Deus...
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Meu Pai morreu em Berlim, cidade em que se celebrava,nesse dia a união das duas Alemanhas. Ironia do Destino, de Deus, mais concretamente.
Sei que o deve ter deixado satisfeito, e, como tinha sentido de humor, percebeu, finalmente, a Deus...