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sábado, fevereiro 26, 2005

A ORDEM POLÍTICA 

Num Estado normalmente constituído, o melhor sintoma infalível da Ordem está no modo como os seus naturais ocupam a vida.
A quase totalidade deles dedica-se ao trabalho — meio de garantir as suas subsistências e as dos seus.
A ausência de desordem pode ser de duas espécies: a que provém duma acção policial repressiva violenta, ou preventiva modelarmente organizada — e é a ordem aparente, meramente superficial, filha do terror; e a que emana da consagração total das nossas actividades ao trabalho que é fonte dos nossos recursos - e é a ordem estável e fecunda.
No Estado em que o médico cuide apenas dos seus doentes; o advogado, dos seus clientes; o magistrado, da justiça que assiste aos litigantes; o funcionário público, dos serviços da sua repartição; o escritor, dos seus livros; o pensador, das suas congeminações; o padre, dos seus fiéis; o lavrador, da sua terra; o operário, da sua oficina; a mulher, da sua casa; o comerciante, do seu balcão; o industrial, da sua fábrica; o marinheiro, do seu navio; e o soldado, do seu regimento, etc., etc., etc. — neste Estado, o Governo governa, a Administração progride, a Nação consolida-se, e o Futuro assegura-se.
A maior ou menor felicidade dos Povos depende da maior ou menor atenção que eles prestam às suas actividades profissionais.
Esta atenção é mais funda ou mais superficial, conforme as distracções que a solicitam.
Como não é possível haver Estado sem governo, pois que o Estado supõe organização, e esta, hierarquia, aquela atenção é maior ou menor, segundo o grau de preocupações alheias às actividades profissionais dos homens. Por outras palavras: é maior ou menor, segundo o grau de confiança que os governos têm nos governantes.
A Democracia e a sua forma política — a República - são nefastas às conveniências supremas do Estado, porque vivem da desconfiança permanente dos governados.
Podem os homens ser, nesse sistema, excelentes, pela inteligência, pelo carácter, e pela competência. Podem ser Salomões, pelo bom-senso, e santos, pela isenção.
Em Democracia, em República, essas qualidades ou virtudes são inoperantes, porque a Revolução é o regime dos inferiores.
Nunca foi possível, nunca será possível contentar toda a gente. Há, para um lugar, centenas de candidatos; é dificílimo, senão impossível, estabelecer a barreira definitiva entre o Justo e o Injusto; há sempre pobres e ricos, doentes e sãos, inteligentes e estúpidos, bons e maus, martelos e bigornas.
O Senhor, e era Deus, andou pelo mundo, e não converteu os homens — que O escarneceram, O mataram, e ainda hoje, ai de nós! jogam aos dados a Sua túnica...
É loucura, portanto, pretender-se encontrar a fórmula ideal de Governo, que não apresente defeitos, irregularidades, deslizes, inconveniências, etc. Os governantes são homens, e, o que é muito pior, homens são os governados. Consequentemente, o que há a fazer é procurar, entre os sistemas de Governo que a inteligência humana ou o instinto da sociabilidade criaram, o menos mau, o que se adapte mais ao melhor aproveitamento e ao melhor equilíbrio das actividades humanas.
O que tem um fim: servir a Deus; e tem um meio para atingir esse fim: trabalhar.
O sistema de Governo que concentre mais o homem neste meio de atingir aquele fim — é o melhor, é o preferível. Pelo contrário, o sistema de Governo que afaste mais o homem do trabalho é o pior, o que devemos abandonar, o que devemos combater.
O primeiro é o sistema do trabalho, da exaltação da pessoa humana; o segundo é o sistema da vadiagem, da exaltação da animalidade do homem.
Vejamos:
Em determinado momento, em determinado Estado — melhor, hoje, em Portugal, todos nós vivemos consagrados às nossas actividades profissionais. Eu escrevo os meus livros, estudo como quero; o médico trata dos seus doentes; o advogado acompanha os seus clientes; o padre trata dos seus fiéis; o operário pensa na sua oficina — etc., etc., etc.
Claro: há muito sofrimento; há muita miséria; há muita injustiça; há uns que mergulham os braços até os cotovelos e os ombros, em pingues ordenados, e há outros, como eu, que só têm 15 contos por mês nos panfletos clandestinos e pulhas, como há outros que nem côdeas têm para roer. Mais, isso é de todas as latitudes, e de todos os séculos. O que é fora de dúvida, porém, é que além dessas coisas tristes, dessas injustiças desoladoras, filhas de circunstâncias ou antecedentes que escapam à nossa acção, o que é fora de dúvida é que em Portugal, hoje, quem tem trabalho, trabalha em sossego, sem que o despertem ruídos secos de metralhadoras, ribombos cavos de canhão, estalares demoníacos, greves tumultuosas, sessões parlamentares chinfrins — o terror feito ambiente constante, a quebrar os nervos, a sobressaltar as almas, e a inutilizar todos os esforços.
Quem, hoje, em Portugal, trabalha e vive do seu trabalho — trabalha em sossego, à vontade e alegre. Isto não se pode contestar. E se, mesmo para esses, há sombras no seu horizonte, elas resultam de factores particulares ou pessoais que não quebram a cor geral da paisagem.
Isto, é evidente, não nos inibe de uma apreciação do que se passa, dentro e fora do país. Fazemos os nossos juízos, sozinhos, ou no meio dos amigos, e ninguém nos obriga a tomar esta ou aquela posição — à força de bengalada, de tiro, ou de assaltos.
Bem. Mas, amanhã, vaga, por força da lei, o lugar do Chefe do Estado. Como a lei não permite solução de continuidade no exercício das funções do Chefe de Estado, oportunamente, toca a sineta, e a lei diz aos portugueses: «Senhores! suspendam os seus trabalhos; desviem do seu trabalho, as suas atenções; tu, médico, deixa os teus doentes; tu, escritor, deixa os teus livros; tu, lavrador, deixa a tua terra; tu, advogado, deixa os teus clientes; tu, funcionário público, deixa a tua repartição — etc., etc., etc. E preparem-se, porque, é preciso eleger-se o Chefe do Estado. Elejam-no!»
E os seis milhões de portugueses que estavam absorvidos nas canseiras do seu trabalho útil e honesto; os seis milhões de portugueses que viviam na melhor, na mais bela, na mais simpática e carinhosa das camaradagens, a camaradagem do trabalho; eles que viviam respirando a mesma atmosfera, e banhados no mesmo sentimento de unidade nacional — estes seis milhões de portugueses que podiam dizer-se um só português, pela intenção das suas vidas, e pela utilidade das suas actividades, transformam-se, bruscamente, automaticamente, em seis milhões de adversários.
Nesta mesma massa humana, pacífica, sossegada, útil, prestadia e sã, gera-se bruscamente, automaticamente, a guerra, a desordem, a esterilidade, a inutilidade, e toda ela, de roldão, entra no Absurdo.
Dois, três, seis, uma dúzia de candidatos à Chefatura de Estado. Muitos ou poucos, a sua pretensão altera e perturba a ordem social. Muitos ou poucos, eles provocam o aparecimento de outros tantos partidos. Já não há Nação: há campo de batalha. Há ambições que se lançam em aventuras; há promessas que descem à desvergonha; há ameaças que geram ódios. Já não há portugueses: há inimigos que se espiam, que se afrontam, agrupados à volta de bandeiras, dispostos a lançar-se uns sobre outros, para vencer a sua, e sejam derrotadas as outras. Há combinações louches, e ódios que fermentam.
Quem operou esta desgraçada transformação? Quem fez da Nação campo de batalha? Quem transformou os portugueses em adversários? Quem lançou os portugueses uns contra os outros?
O sistema electivo: a República. O sistema de opinião: a República.
Mas há pior, porque há o Absurdo. O sábio e o inculto; o simples de espírito e o experimentado; o infantil e o reflectido; o homem honesto e o venal; o trabalhador e o vadio; o virtuoso e o perverso têm, nessa escolha, o mesmo grau de autoridade, o mesmo poder, equivalentes como são os seus votos! Os governados, os que precisam de quem os governe, são quem escolhe quem há-de governá-los! Já se viu maior absurdo? E como o número dos inferiores pesa mais do que o dos superiores, quem prevalece é a opinião dos inferiores!
Quem cria estes absurdos?
O sistema electivo: a República. O sistema de opinião: a República.
Mas, dir-me-ão, e já mo disseram — as coisas arranjam-se, combinam-se, estudam-se, e no dia designado para a escolha, esta é feita de chapa...
É, então, ficção? É, então, a escamoteação? É, então, a prestidigitação?
Meu Deus! Para que lançar mão de tais recursos indignos, inconfessáveis, ilegítimos, à face da Honra e da Moral — se temos, desde que o homem é homem, o sistema legítimo por excelência, nacional por excelência, ou seja, o sistema hereditário?
Em Monarquia, a Nação trabalha — nas oficinas, nos campos, nas fábricas, nos consultórios e nos pretórios, nas igrejas e nos quartéis, nos navios e nos balcões; vaga, pela morte, a chefatura do Estado, e, imediatamente, pela acção providencial de Deus, essa vaga é preenchida, sem que a Nação tenha que abandonar, um segundo, os balcões, os navios, os quartéis, os escritórios, os consultórios, os hospitais, os campos e as oficinas.
Essa vaga é preenchida, sem que os seis milhões de portugueses sejam obrigados a transformar-se em seis milhões de adversários; essa vaga é preenchida sem que a Nação seja constrangida a quebrar a sua unidade; essa vaga é preenchida sem que a Nação deixe de ser nação, para ser campo de batalha, e sem que se recorra ao voto dos inferiores.
Quem pode hesitar na escolha? Quem terá coragem para embaraçar os que, conscientes do interesse nacional, querem arrancar a Nação ao perigo da guerra civil permanente?
Quem pode hesitar na escolha? Quem se atreverá a contrariar os que pretendem arrancar a Nação ao Absurdo?
A República é uma guerra civil permanente — quando não sempre em acto, sempre em potência. É o Absurdo.
A Monarquia é a ordem permanente. E é o Governo natural dos homens e das coisas.
Alfredo Pimenta
(in «A Voz», n.º 4699, págs. 1/4, 30.03.1940)

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