<$BlogRSDURL$>

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

PERMANÊNCIA DO FASCISMO 

O primeiro trabalho a realizar devia ser o estabelecimento do que seja Fascismo. Qual o conteúdo deste termo? Que significa esta palavra? Chegaríamos à conclusão de que a empregam em diferentes acepções.
Para os comunistas, pode dizer-se que é fascista todo aquele que não for comunista; para eles, ainda, e para os democráticos, todo o autoritarista é fascista. Para a vulgaridade das massas intoxicadas e iludidas, fascista é sinónimo de opressor, de tirânico, de ímpio, de exaltado, enlouquecido, e traz um cortejo de horrores, de maldades inúmeras. Existe, ainda quem considere o Fascismo como simples fenómeno típico e exclusivamente italiano, copiado, embora, noutros países, mas continuando a ser neles coisa estrangeira e não criação universalizável nem doutrina sempre válida nos seus princípios.
Há um entendimento de Fascismo como instituições, há outro como doutrina, há outro como sensibilidade ou mentalidade ou estilo de vida.
Falarei do Fascismo como atitude intrínseca ao homem, do Fascismo nas suas linhas essenciais ou determinantes, não como Filosofia estruturada, sistema perfeito, doutrina política ou Teoria da Sociedade, do Estado, do Direito, mas sim como filosofia ou, antes, mundividência (complexo de sentimentos e pensamentos).
Drieu La Rochelle disse que Fascismo é «o nome que a eterna necessidade humana tomou no nosso século». Pois também assim o podemos considerar, ao considerarmos o que nele existe de permanente apelo humano, orientado pela espiritual busca de totalidade.
Um celebrado ensaísta, Henry S. Kariel (professor nas Universidades de Harvard e de Georgia, bolseiro das Fundações Rockefeller, Volker e Huber), no seu livro "Aspectos do Pensamento Político Moderno", apesar de várias distorções e de uma decidida oposição ao Fascismo, tem algumas interpretações que merecem registo. Transcreva-se, por exemplo: «Os textos e discursos do Fascismo revelam, coerentemente, a aspiração de produzir uma fusão prática de polaridades, de superar os vários dualismos que os homens postulam para ajudá-los a ver o sentido da sua experiência: Jânato — Eros; racionalismo — sentimentalismo; razão — volição; formalismo; mecanismo — organicismo; complexidade — simplicidade; tecnologia — primitivismo; razão — volição; formalidade — espontaneidade; lei — personalidade; Apolo — Dionísio». Quaisquer que sejam as reservas possíveis à justeza de algumas destas expressões, fica de pé o assinalamento de uma síntese de contrários ou a indicação daquela polaridade que Goethe proclamou como lei da Natureza, de vida humana, do espírito: «Duas espécies de bens constituem a respiração: receber o ar e expirá-lo. A inspiração nos comprime, a expiração nos exalta. Louvemos, pois, Deus, quando ele nos comprime, e louvemo-lo, também, quando ele nos liberta». A sístole e a diástole, o pólo norte e o pólo sul, a tese e a antítese ligam-se por um eixo. E a esfera, o global, gira em volta dele.
Se observarmos o procedimento humano, notaremos que, no fundo de cada um, existem várias aspirações sendo umas mais acentuadas do que outras, conforme as pessoas ou conforme as ocasiões, mas todas reais em todos, como num arcano, mesmo em semente ou já em árvore frondosa, ainda dormentes ou já em pleno disparo. Essas aspirações, constantes, através dos tempos e dos espaços, através da diversidade de temperamentos e de caracteres, constituem o delineamento da natureza humana. A preservação de todas elas, a sua conjugação, integração e integridade, a harmonia entre elas, será o encontro do todo humano, da sua realidade verdadeira. E a separação divergente, o desprezo ou aniquilamento de algumas, serão, afinal, o parcelarismo e a falência, o desfiguramento e o erro, o inquinamento diabólico («divisor») que entrou na humana natureza. Quanto a essas forças-aspirações, digamos que o mal das que aparecem más não reside propriamente nelas, mas sim no deslocamento ou na desarticulação que as invalida. «Nada, do que é humano, a mim considero alheio», escreveu Terêncio. Se, como afirma o ditado, «errar é próprio dos homens», isso indica a diminuição e a falha de realização humana, de realizar o humano em cada homem. Este humano é o exigível sobre-humano, o divino, que dentro de nós chama, para se cumprir. «Sois deuses», declara a Bíblia.
Pois, observando o humano procedimento, notaremos algumas aspirações-forças mais definidoras e basilares. Notaremos a sístole-diástole, a contracção-expansão, sob as formas de egoísmo-altruísmo. O homem possui a tendência para se fechar em si mas também para se dar aos outros, para o individual e para o geral, para o particular e para o universal, para o concreto e para o abstracto, para dentro de si e para o exterior, para a sua alma e para a Natureza, para a solidão e para a convivência.
A empresa de reconciliar oposições, fazer a síntese de contrários, convergir divergências; a visão e actuação totalitárias e para o todo; — pertencem a duas entidades espirituais, a duas doutrinas, e processam-se em dois planos ou esferas: destinadas a uma realização extra-terrestre, transcendente («o meu Reino não é deste mundo»), propriamente religiosas, e orientadas pelo Catolicismo, ou destinadas a uma realização neste mundo, no terreno político, em tudo que a polis integra, e deverá ser o Fascismo a fornecer a orientação. A Igreja, correspondendo à doutrina católica, o Estado, correspondendo à doutrina fascista, serão como duas faces duma realidade.
O Fascismo vem, de facto, contrariar o parcelarismo específico de certas doutrinas e vocações que no homem existem. Quando, no nosso tempo, atacam o Fascismo, é em obediência a uma atitude parceladora, que deseja expulsar algumas essenciais forças humanas, que pretende aniquilar certas fundamentais aspirações do ser humano, em vez de harmonizá-las com outras.
Aquilo que poderemos chamar a permanência do Fascismo, através dos tempos, aquilo que constituiu, por assim dizer, Fascismo avant-la-lettre, espírito fascista, mentalidade fascista, é dado pelo que se verifica permanente na natureza humana. Não se trata, evidentemente, de um pensador organizado em explicitação, de um sistema definido filosoficamente, nem tão pouco de um rígido e imutável aparelho político-administrativo, ou de uma fixa estruturação social. Trata-se de um modo de agir e de se realizar, de um estilo e de uma mundividência. Isto ganhou, através de diversos tempos, diversas formas, concretizadoras do mesmo espírito. No nosso tempo, para o século XX, a forma é a que recebeu o nome de Fascismo.
Os inimigos do Fascismo atacam-no, portanto, por motivo de ódio que alimentam a certas aspirações-força da natureza humana; e assim querem mutilar, fragmentar essa natureza, e pretendem erigir uma parte em todo ou destruir a proporção da parcela e torná-la monstruosa, em gigantismo satânico.
As razões dos antifascistas padecem, portanto, de erros deste género: pacifismo, em vez de aceitação da paz; materialismo, em vez da aceitação da matéria; angelismo, em vez do espírito; maquinização, em vez da máquina; puritanismo, em vez da pureza; etc. O antifascista combate valores permanentes, aspirações-forças da alma humana: a autoridade, a ordem, a unidade, o universal, a guerra, a violência, o sacrifício, o dever, a honra; pretende substituir-lhes — e não harmonizar-lhes — a liberdade, a iniciativa, a diversidade, o particular, a paz, a compreensão, a satisfação, os direitos, o entendimento. Daí que o antifascista caia nas piores deturpações e caricaturas do humano e do valor, nos mais graves erros, nos mais hediondos parcelarismos que se tornam exclusivistas e tirânicos.
Em contrapartida, o fascista possui uma visão e uma estima totalitária do mundo, da vida, das potências humanas. Ama e defende a presença do eu e do outro, do particular e do universal, da natureza e do espírito, do corpo e da alma, dos instintos e intuição e da razão, da sensibilidade e da vontade, dos sentimentos e da inteligência, da terra e do ideal, da Pátria e da humanidade, da classe e da sociedade, da família e dos indivíduos, do lar e de Ulisses, da paz e da guerra, do herói e do santo, do lavrador manual e do poeta, do enraizamento e do voo, dos mortos e dos que hão-de nascer e dos vivos, do passado e da actualidade, da juventude e da velhice, do sangue e da Ideia, do Pensamentos e da Acção, da Beleza e da Verdade, do operário e do aristocrata. O Fascismo quer bem à Teoria e à Prática, defende a doutrina e a técnica, deseja a harmonia e a hierarquia. O fascista exige a continuidade e a inovação, é revolucionário mantendo-se tradicionalista, é reaccionário porque inaceitante de demissão e estaticidade ou de simples moda e maioria, porque restaurador de valores obscurecidos e negados. O fascista preza os ritos, os cerimoniais, as formas, enquanto sejam expressões e transmissores de conteúdos, enquanto re-liguem e intensifiquem, porque o fascista tem um sentido religioso da vida. O fascista recusa-se a fatalismos e a ser marioneta de quaisquer fios de quaisquer ventos, afirma o poder da vontade criadora, entende o homem como lutador e demiurgo. O fascista, precisamente porque exige o todo, propõe as inserções e graduações, um sistema de valores que se unificam e se definem pelo Valor. O fascista reúne tudo numa ideia de ascensão e de Império e sabe que entregar-se ao Bem é realizar-se, que o seu enriquecimento e a sua pessoa estão na ultrapassagem do seu momento, da sua particularidade, do seu pequeno eu a engrandecer-se num Eu sempre maior, em processo espiritual.
Goulart Nogueira
(In «Agora», n.º 329, 04.11.1967, págs. 3/12)

0 Comentários
Comments: Enviar um comentário
Divulgue o seu blog! Blog search directory

This page is powered by Blogger. Isn't yours?