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sábado, abril 02, 2005

GIOVINEZZA! 

LEMBRANÇA DOS ANOS 30
Os «camisas negras» em duas ou três fileiras cerradas desciam a Avenida ao som do hino da Itália fascista: Giovinezza, Giovinezza! Primavera di belezza! Os pendões com os feixes tremulavam ao vento. A massa compacta da assistência aplaudia freneticamente, enquanto as dezenas de altifalantes — naquela época de oiro da T.S.F. — troavam com o hino romano.
Atrás, vinham os camisas castanhas, também em duas ou três cerradas filas, com as bandeiras desfraldadas: no círculo branco, em fundo vermelho, as suásticas negras — asas vibráveis a desenhar-se no céu azul.
Ao descrever esta cena, não estamos a expender quaisquer delírios antiprogressistas, nem tentando perturbar as digestões burguesas dos quarentões barrigudos sem memória ou dos jovens tecnocratas demasiadamente bem nutridos.
Estamos, apenas, a recordar como se iniciou neste Portugal («inveja da Europa», como dizia Eça de Queiroz), no ano da graça de 1937 (há exactamente 30 anos!) o primeiro penedo da M.P. e da L.P., nas comemorações da Revolução Nacional.
Após o desfile dos convidados de honra da juventude de Portugal — os balilli, os arditi e a Hitler jugend residentes nesta soalheira Lisboa —, marchavam galhardamente, pela primeira vez no nosso país, os jovens militarizados e nacionalistas, seguidos das milícias da Legião Portuguesa, onde atrás de um Ricardo Espírito Santo Silva que comandava, distintamente, o altivo 2º batalhão da L.P., iam, num porte marcial, os burgueses, estudantes, burocratas, operários. Todos estes, à custa da disciplina e esforço firme e intelectual se esforçavam por enquadrar militarmente uma sociedade a despertar para os insuspeitados horizontes que haviam de forjar heróis na guerra de Espanha, ou voluntários tenazes na frente russa em 1941-44 e — porque não — haviam de moldar os combatentes de 1961, civis e militares, cheios de determinação, nas selvas angolanas, combatentes garantidores da continuidade de Portugal ultramarino, perante o espanto do Ocidente demissionário.
Depois da breve experiência da Acção Escolar Vanguarda — em que nos perfilávamos, nos estrados das camionetas de carga, de camisa verde, braço estendido em paradas que ainda não nos atrevíamos a realizar pelas ruas (pois o «reviralho» espreitava, armado de bombas, o atentado fácil contra jovens indefesos) — depois desse curto período, os meus 13 anos de idade ficaram para sempre maravilhados com a proeza que para todos nós representou então o desfile em passo de ganso, de botins negros, braço ao alto, em castelos compactos, ondeantes segundo o ritmo das marchas (entre os quais amiúde se distinguiam o claro canto germânico do Horst Wessel Lied ou a harmonia límpida da Giovinezza e o grito puro da Facetta Nera da gesta abissínia.
Seguíamos os pendões de Aviz e as bandeiras nacionais que esvoaçavam nesse cálido 28 de Maio. Tínhamos feito uma vasta e sólida concentração de «bandeiras» nas ruas convergentes para a Avenida, nas quais, sob um sol quente, escoltados por colgaduras que vogavam nas varandas burguesas dos prédios, sob flores que das janelas regorgitantes nos eram lançadas, nós víamos rapariguinhas de olhos a arder, sorridentes, vindo oferecer-nos refrescos, enquanto aguardávamos o desfile. Começado este, subiam novamente às varandas, e, entre bandeiras, brados, risos e pétalas, estimulavam-nos, para buscarmos um alinhamento mais perfeito na marcha, a um passo mais cadenciado, terso, harmónico.
Todo aquele entusiasmo, aquela alegria e aquela firmeza (no meio de boatos de bombas e tiros que, temerosos, não surgiram dessa vez), desaguavam em várias ruas — lembro-me bem do entusiasmo, na Rua Alexandre Herculano, em que o meu castelo aguardava a sua vez no desfile —, desaguavam na Avenida, na Rua do Ouro, no Terreiro do Paço, onde culminava aquele espectáculo de beleza viril e fascista, com os Chefes da Nação de braço erguido, a saudar-nos, rodeados pelas fardas, ao mesmo tempo austeras e vistosas, dos alemães, italianos e espanhóis do corpo diplomático.
Hoje, ao olhar para trás — para os colegas de escola, mais velhos, que fugiram a alistar-se nas hostes franquistas da guerra internacional de Espanha, para aquele rapaz com pouco mais idade do que nós, um luso-germânico que, podendo optar pela nacionalidade portuguesa, se integrou na Wehrmacht e partiu para as gélidas estepes russas a defender a Europa do marxismo asiático que não logrou abatê-lo, pois, já dado pela família como morto, veio a regressar, passados alguns dos negros meses do pós-guerra, escondido nos eixos de um vagão de mercadorias —, ao olhar para trás, para tão perto e tão longe, afinal, é estranho não me sentir despairado, nem vencido, nem ultrapassado, nem, sequer, velho.
Aqueles archotes ardentes que empunhávamos, na marcha pela Avenida na noite do atentado à bomba ao Presidente do Conselho e à Embaixada de Espanha, serviram-nos e servem-nos, hoje, para acender novos archotes empunhados por gente mais nova — menos numerosa do que a gente de então, mas, com certeza, mais consciente e mais endurecida por Angola, Guiné e Moçambique —; aquela voz que jorrava dentro de nós e se soltava, já rouca, nessa noite, é a mesma que hoje nos guia a pena.
Giovinezza? Sim, juventude, por que não ainda?!
Que os vivos daquele 28 de Maio, talvez longínquo, talvez só de ontem, se não esqueçam ou se recordem.
Eu, por mim, sou daqueles que, como o velho escritor falangista, se honra em dizer:
Ni me arrepiendo ni me olvido.
Caetano de Melo Beirão
(In jornal «Agora», n.º 329, pág. 11, 04.11.1967)

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