sábado, abril 23, 2005
A JUVENTUDE PORTUGUESA E ALFREDO PIMENTA
Ricardo Jorge, naquele seu estilo inconfundível de mestre de linguagem, escreveu, em 1930, para o prefácio dos "Estudos Filosóficos e Críticos", estas palavras: «Alfredo Pimenta ao acorrentar-se à galé da letra de estudo, fez servidão do tornozelo, donde não mais dessolda a grilheta, a recortar-lhe nas carnes uma úlcera crónica e incurável. Tenho gosto e pena, ao mesmo tempo, de vê-lo a remar obstinado contra a maré, canseira em que, como dizia o clássico, é mais a água que se sua do que a que se vence. Receio que seja um despremiado perpétuo, e que nem honras nem proveitos condignos lhe busquem a porta».
Têm vinte anos, estas palavras escritas por quem bem conhecia os homens do seu país, e por quem via claro e justo no caminho em que Alfredo Pimenta vinha de jornadear e por onde ia prosseguir — a ele acorrentado por grilheta que não mais dessolda... Têm vinte anos e, no entanto, também eu o digo com pena e gosto a um tempo, podiam ser de ontem, da hora que soou há pouco, do minuto que antecedeu este que escrevo. Porque desse minuto, dessa hora passados — como do minuto que vai seguir-se, da hora que dentro em pouco irá bater, será o pertinaz esforço desse homem extraordinário que uma vida inteira a remar contra a maré não logrou vencer nem abater; e que é hoje o mesmo intelectual honesto, probo, desinteressado de honrarias e proveitos materiais, todo dado a um labor, melhor diria, a um apostolado que pode ter-lhe valido despeitos mesquinhos, de uns, torpes invejas, de outros, ódios torvos, de muitos — mas que lhe conquistou, também, a admiração de tantos, o agradecimento dos estudiosos e o coração da Juventude que um Século de miséria podia ter desencantado.
O coração da Juventude, sim! E saibam-no quantos!...
O Homem que busca um único objectivo — servir a Verdade — e que faz desse heróico propósito o Norte da própria vida, tinha de converter-se, fatalmente, aos olhos da Juventude, no «seu herói», o Herói em que se incarnam aquelas virtudes morais mais altas, a que a Juventude é mais sensível: a Honestidade, Desinteresse, Saber, Destemor que é Coragem física e moral, Irreverência que é marca e selo de perene juvenilidade da Alma!
Eis porque Alfredo Pimenta, com a rectidão da sua conduta, a sua evidente e sempre provada inaptidão para a transigência, para o servilismo, para a habilidade; com a nobre coragem das suas convicções; e com a sua infatigável e admirável preocupação pelo «como deve ser» e o seu magnífico desprezo do «como é» — conquistou o coração da Juventude portuguesa não contagiada do «modismo» estrangeiro, antes fiel à herança duma maneira de ser característica, funda e tradicionalmente portuguesa.
Quando se fala da falta de «realismo» das atitudes políticas de Alfredo Pimenta, da ausência de nuance que lhe não permite acomodar-se aos equívocos duma época tristemente fabricada e alimentada de equívocos — presta-se, sem o querer, muitas vezes, a maior homenagem à exemplar verticalidade do seu Espírito, reconhece-se e homenageia-se mais do que nunca o seu nobre Idealismo, que é a Causa mais certa da sua plena identificação com o generoso idealismo da gente nova.
Por isso, também, eu escrevi, antes, que não era só com pena, mas com gosto, que verificava terem hoje as palavras de Ricardo Jorge a mesma forte razão de ser de há vinte anos: porque hoje como então celebram a integridade dum carácter, marcam e assinalam com a mais viva justiça a Independência dum grande Espírito — que a vanglória não tocou, nem de perto nem de longe, que a riqueza não perdeu.
Sim! Ainda bem que Alfredo Pimenta se conserva, ao dobrar os seus sessenta e sete anos, na mesma mediania do homem que amassa, diariamente, com o seu trabalho, o seu pão e o dos seus; que se conserva, ao dobrar os seus sessenta e sete anos, na mesma torre inacessível à vaidade e à ambição. Ainda bem — porque desse modo pode a Juventude senti-lo mais perto dela, nele pode confiar melhor, pode dar-se-lhe e chamar-lhe, não só Mestre, mas Amigo e Compaheiro.
E pelo sacrifício da sua vida, toda devotada a ensinar-nos a grande lição da Portugalidade, pelo amargor das feridas que recebeu em mil combates que travou por respeito e devoção à nossa Inteligência e à grande batalha em que quisemos empenhar-nos também — não pode a Juventude compensá-lo doutro modo que não seja com a afirmação da sua incondicional dedicação ao Mestre, ao Amigo e ao Companheiro. E não pode dizer-lhe, senão: Obrigado! Ofertando-lhe o coração, a Juventude portuguesa está certa de oferecer-lhe tudo quanto ele poderia ambicionar.
Manuel da Costa Figueira
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Têm vinte anos, estas palavras escritas por quem bem conhecia os homens do seu país, e por quem via claro e justo no caminho em que Alfredo Pimenta vinha de jornadear e por onde ia prosseguir — a ele acorrentado por grilheta que não mais dessolda... Têm vinte anos e, no entanto, também eu o digo com pena e gosto a um tempo, podiam ser de ontem, da hora que soou há pouco, do minuto que antecedeu este que escrevo. Porque desse minuto, dessa hora passados — como do minuto que vai seguir-se, da hora que dentro em pouco irá bater, será o pertinaz esforço desse homem extraordinário que uma vida inteira a remar contra a maré não logrou vencer nem abater; e que é hoje o mesmo intelectual honesto, probo, desinteressado de honrarias e proveitos materiais, todo dado a um labor, melhor diria, a um apostolado que pode ter-lhe valido despeitos mesquinhos, de uns, torpes invejas, de outros, ódios torvos, de muitos — mas que lhe conquistou, também, a admiração de tantos, o agradecimento dos estudiosos e o coração da Juventude que um Século de miséria podia ter desencantado.
O coração da Juventude, sim! E saibam-no quantos!...
O Homem que busca um único objectivo — servir a Verdade — e que faz desse heróico propósito o Norte da própria vida, tinha de converter-se, fatalmente, aos olhos da Juventude, no «seu herói», o Herói em que se incarnam aquelas virtudes morais mais altas, a que a Juventude é mais sensível: a Honestidade, Desinteresse, Saber, Destemor que é Coragem física e moral, Irreverência que é marca e selo de perene juvenilidade da Alma!
Eis porque Alfredo Pimenta, com a rectidão da sua conduta, a sua evidente e sempre provada inaptidão para a transigência, para o servilismo, para a habilidade; com a nobre coragem das suas convicções; e com a sua infatigável e admirável preocupação pelo «como deve ser» e o seu magnífico desprezo do «como é» — conquistou o coração da Juventude portuguesa não contagiada do «modismo» estrangeiro, antes fiel à herança duma maneira de ser característica, funda e tradicionalmente portuguesa.
Quando se fala da falta de «realismo» das atitudes políticas de Alfredo Pimenta, da ausência de nuance que lhe não permite acomodar-se aos equívocos duma época tristemente fabricada e alimentada de equívocos — presta-se, sem o querer, muitas vezes, a maior homenagem à exemplar verticalidade do seu Espírito, reconhece-se e homenageia-se mais do que nunca o seu nobre Idealismo, que é a Causa mais certa da sua plena identificação com o generoso idealismo da gente nova.
Por isso, também, eu escrevi, antes, que não era só com pena, mas com gosto, que verificava terem hoje as palavras de Ricardo Jorge a mesma forte razão de ser de há vinte anos: porque hoje como então celebram a integridade dum carácter, marcam e assinalam com a mais viva justiça a Independência dum grande Espírito — que a vanglória não tocou, nem de perto nem de longe, que a riqueza não perdeu.
Sim! Ainda bem que Alfredo Pimenta se conserva, ao dobrar os seus sessenta e sete anos, na mesma mediania do homem que amassa, diariamente, com o seu trabalho, o seu pão e o dos seus; que se conserva, ao dobrar os seus sessenta e sete anos, na mesma torre inacessível à vaidade e à ambição. Ainda bem — porque desse modo pode a Juventude senti-lo mais perto dela, nele pode confiar melhor, pode dar-se-lhe e chamar-lhe, não só Mestre, mas Amigo e Compaheiro.
E pelo sacrifício da sua vida, toda devotada a ensinar-nos a grande lição da Portugalidade, pelo amargor das feridas que recebeu em mil combates que travou por respeito e devoção à nossa Inteligência e à grande batalha em que quisemos empenhar-nos também — não pode a Juventude compensá-lo doutro modo que não seja com a afirmação da sua incondicional dedicação ao Mestre, ao Amigo e ao Companheiro. E não pode dizer-lhe, senão: Obrigado! Ofertando-lhe o coração, a Juventude portuguesa está certa de oferecer-lhe tudo quanto ele poderia ambicionar.
Manuel da Costa Figueira
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