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sábado, abril 30, 2005

O INENARRÁVEL MARTÍRIO DE PIERRE LAVAL 

NUM LIVRO ESCALDANTE DE MAITRE ALBERT NAUD: «LES DÉFENDRE TOUS»
Na barra dos tribunais políticos franceses, a voz de Maitre Albert Naud — ombreando, na circunstância, com a de Jacques Isorni e com a de Jean Louis Tixier-Vignancourt — tem sido a legenda viva de um desassombro insoburnável. O prestígio unânimemente creditado à sua ingente actividade de causídico demanda referência expressa ao ano-pesadelo de 1945, quando por entre a euforia dos processos políticos que se sucederam em França ao termo da guerra, a sua argumentação se ergueu, num cerrado levantamento de razões, contra o desaforo de arbitrarismos e iniquidades.
Muito embora tivesse militado, como activista da meia-direita, nas por demais abrangentes e eufemísticas fileiras da mal-chamada Resistência, desde as primeiras horas da não menos mal-chamada Ocupação, Maitre Naud não teve, ao depois, qualquer relutância em chamar a si a defesa de homens de l`autre bord, como o eram Laval, Céline e Béraud...
Fazendo jus aos atributos morais e orais que cedo forjaram a sua reputação nos meios forenses e alardeando, em plenitude de estilo, toda a infinita gama de recursos dialécticos e outros predicados que presto lhe valeram o epíteto de tribuno das causas perdidas, por mais do que uma vez é o mesmo Albert Naud directamente confrontado com pleitos históricos de alto risco, e como tal chamado a depôr publicamente em favor de múltiplos patriotas que assim se encomendaram, em boa hora, ao fogo sagrado da sua eloquência, confiando à guarda desta alguns dos mais grados e mais nobilitantes testemunhos de hombridade de que há notícia e registo.
Ora, acontece que, da imparável intervenção que teve, nesses (e nem só nesses...) estentóreos debates, acabou por surdir esta obra humaníssima e escaldante («Les Défendre Tous»), em cujo perímetro se historiam, ao vivo, esse e alguns outros momentos políticos nevrálgicos, tão desprestigiantes para a nação francesa, e em que, sobretudo, se fixa e se estadeia, e, circunstanciadamente, se arquiva e compagina, à maneira de ilustrações concretas que são um libelo, o longo séquito das demandas judiciárias intentadas, na época, a torto e a direito, e movidas, por então, a eito e a esmo, um pouco por toda a Gália e redondezas...
Certo e bem ciente de que «o mais terrível dos juízes é o condenado à morte» — tão seguro, e ciente e consciente estava disso como o próprio Céline —, segue-se então que Maître Naud, sob a égide da sua palavra avisada, e a ardorosa voltagem do seu Verbo, conduz magistralmente cada caso que cai sob a sua alçada, sob a égide da sua palavra avisada e ardorosa voltagem do seu Verbo, no sempre reiterado intuito de subtrair a ditames e veredictos de condenação sumária, e unilateral, homens que antes deveriam ser enaltecedoramente glorificados (1). E, conquanto outras figuras modelares — outras figuras tutelares e igualmente exemplares — de antes e de depois da guerra (tais como, o velho Casimir Colonel Conte de La Rocque, ou o coronel Ahmed Dlimi, acusado, este, de ter assassinado Ben Barka), marquem comparência, elas também, e também elas perpassem, nas páginas justiceiras deste livro, a maior e a melhor fracção da obra prende-se, essencialmente, com esse hediondo histórico — esse negro, negrinho e negregado capítulo da História da França, que foi o seu imediato (e mortificado) após-guerra. A essa luz, atingem patetismo particularmente cruciante as laudas concernentes a Pierre Laval, cuja causa Maitre Naud não pôde advogar e defender até ao fim, já porque lhe foi discricionariamente coartado, e arbitrariamente interdito o acesso ao dossier de instrução (2), já porque o próprio Laval — acintosamente injuriado, logo no decurso da primeira audiência, pelo famigerado presidente Mongibeau, de la Haute Cour, e por esse procurador-geral de execrável memória, o sinistro Mornet («Malédiction à eux!») —, se dispensou de comparecer a qualquer outra sessão, não se prestando assim a colaborar na farsa do julgamento que lhe estava a ser visivelmente confeccionado, e cozinhado e preparadinho de antemão.
O resto sabe-se: na madrugada da execução, o presidente Laval ingere uma dose mortífera de cianeto, na sua cela de condenado, com o claro e declarado objectivo de partir deste mundo para melhor, sem ter de passar pelo vexame de «ser tocado por mãos sujas» (3) — já ao tempo imundas, e inundadas de sangue até aos côtos.
Menos bem sucedido do que Drieu La Rochelle, Laval vê gorar-se e malograr-se a tentativa de suicídio, em virtude de se achar, a substância por ele ingurgitada, algo deteriorada — não tendo produzido, por isso, o desejado efeito letal, e porque logo houve também (as alminhas caridosas são assim e assim mesmo...!) quem, prestante, prestimosa e diligentemente pegasse, e tratasse de salvar, sem demora, o estadista, da morte voluntária, recuperando-o à má-cara, a todo o transe, à viva força, para o mandar, de seguida, abater a tiro, logo de caminho. A salva do pelotão de fuzilamento visou, em cheio, um agonizante semi-ressuscitado e crivou-o, à queima-roupa, deixando-o prostrado para sempre. Caiu de pé, em todo o caso, o homem de Montoire.
Em suma e em síntese. Maitre Albert Naud, brandindo os tópicos de um código de honra lapidar; intuindo em profundidade e analisando com extrema perícia de processos, e incomparável sageza, os dados da circunstância e os quês e porquês da ocorrência; mais: agindo e operando em permanência com o vigor e rigor do jurista, que nele não excluem, todavia, espontânea vibração de sentimentos e o mais acrisolado calor humano; aqui, lançando inquisitorial o seu anátema e desferindo a sua violenta diatribe; acolá, tributando abertamente o seu louvor e rendendo homenagem, rasgadíssima, Albert Naud, aqui o tem a gente, em corpo inteiro, de uma só peça e de um só rosto, homem de uma só palavra, sempre igual a si próprio, esclarecido e esclarecedor, a pautar-se por critérios judicativos de invariável nobreza, talhados e tendidos na massa de um conhecimento assim de causa que de efeitos, e transpostos em bases de inapelável clarividência, — ele aqui está, sim, a transmitir-nos, de forma insofismável, a estupenda posição que fundou, firmou e arvorou como sua: a de um especialista de verdades como punhos, que fez da «pauvre vieille justice» a cruz e a cruzada de toda a sua vida.
Rodrigo Emílio
1 — O general De Gaulle possui um Képi glorioso «qu`il vient de poser sur la France. Eh bien, si je n`avais pas sauvé les tripes, les os, les nerfs, les machines et les richesses de la France» — alega Laval — «le général De Gaulle aurait posé son képi glorieux sur une France morte et il n`y aurait pas eu de France».
2 — Ler, de Albert Naud: «Porquoi je n`ai pas défendu Laval» (Fayard éditeur). Entretanto, ocorre notar por acréscimo, que, alguns anos mais tarde — precisamente, aquando «de l`affaire Ben Barka» —, há-de reportar-se, de novo Maitre Naud, ao papel que não chegou a desempenhar junto de Laval, nestes termos, repassados de mágoa e por demais concludentes: «Certa vez, estive ausente de um processo que prometia ter grandeza (passava-se tudo isso em 1945), mas que se saldou, ao fim e ao cabo, num mero e estrondoso assassinato judiciário. Estive ausente desse processo» — prossegue Naud — «por expressa vontade mesmo daquele — daquele mesmo — que, na pele de acusado, veio a ser, afinal, a maior vítima. A partir de então, solenemente jurei a mim mesmo, que, a menos que eu me sinta inteiramente incapacitado de deslindar em mim uma parte, que seja, daquele vivo feixe de forças para o qual é imperioso apelar, — a mim próprio, como disse, jurei então, que nunca mais estaria ausente, fosse de que processo fosse».
3 — «A mes avocats pour les éclairer à mes bourreaux pour les confondre.
Je refuse de tomber sous des balles françaises. Je ne veux pas que des soldats soient les complices d`un assassinat judiciaire.
J`ai choisi ma mort: le poison des Romains (...)» — adianta Pierre Laval na sua carta de suicida.

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