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sábado, junho 25, 2005

NÃO DESISTIREMOS 

Chegámos outra vez à situação limite: todos os prognósticos apontam para o caos económico e político que Mário Soares, num fugaz momento de lucidez crítica, futurou na sua alocução do dia 10 de Setembro.
Pudemos sobreviver até agora — disse então o homenzarrinho — à custa da delapidação das nossas reservas e à custa do não investimento, o que representa uma pesada hipoteca para o futuro. Assim, até aqui foi fácil governar. Com rematada imprevidência, satisfazendo reivindicações irrealistas, subsidiando empresas inviáveis, malbaratando os poucos recursos e atirando para cima do Estado, através de uma política inconsiderada de avales, a resolução das dificuldades mais instantes. Esvaíram-se assim 80% das nossas reservas. E aumentando-se por forma alarmante a nossa dívida externa, que hoje atinge já a soma de 95,4 milhões de contos. Sucede que a nossa balança cambial acusa um défice diário da ordem dos 130 a 140 mil contos. A continuar, pois, essa tendência, ao ritmo a que temos ido nestes dois últimos anos, o Estado entrará em forçosamente em colapso.
Perante este tétrico panorama o país inteiro (incluindo nós) julgou que o governo minoritário tomaria (já) medidas decisivas e draconianas. Continuaram-se, todavia, a satisfazer reivindicações irrealistas, e a subsidiar empresas inviáveis através duma política inconsiderada de avales. Até ao fim de Fevereiro estarão esgotadas (completamente) as nossas reservas — os restos da pesada herança. A nossa dívida externa deve atingir a soma astronómica dos 110 milhões de contos. Em menos de quatro meses ficámos a dever mais cerca de 17 milhões. Desmultiplicando-se a pedir tostões à Europa e à América, o governo minoritário entrou pelo caminho de tentar solucionar o problema aceitando imposições onerosas e vexatórias da nossa soberania — o Fundo Monetário Internacional a fiscalizar a maneira como o nosso governo emprega os capitais que lhe são emprestados.
A situação é de tal maneira catastrófica, e a posição do governo de tal maneira duvidosa, que o Subsecretário de Estado norte-americano vindo a Lisboa para negociar novos empréstimos parece ter mandado fazer consultas à Procuradoria-Geral da República para saber se as assinaturas do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças, apostas nas declarações de dívidas, chegavam para comprometer o Estado português...
O governo, face à gravidade da situação, manda o responsável pela pasta das Finanças gritar desesperos vários para a televisão. Em ritmo acelerado sobem os preços dos géneros de primeira necessidade (subiram os transportes, subiu o azeite, e subiu a água) — outros há que se não encontram em parte alguma. No estrangeiro, um escudo não é cambiável. A plutocracia internacional apresta-se para se instalar com armas e bagagens. Com a finalidade de distrair a opinião pública, o governo e os seus mastins da comunicação social (o P.C. e o P.S., já agora conluiados abertamente) usam a mais baixa e sórdida demagogia. Os «pides» e a imprensa reaccionária servem de bombos da festa; um livro negro do fascismo é anunciado como se viesse resolver a crise económica.
Para medir bem a baixeza dos processos políticos do governo minoritário, é necessário atentar bem no que se passa: por um lado (evidentemente, não somos nós que o afirmamos; são as personalidades mais responsáveis da política e da economia) estamos à beira de perder o que nos resta da soberania económica e a caminho de perdermos a soberania política; por outro, o governo que desgoverna Portugal, atropelando a própria Constituição, e a sua adesão à Carta dos Direitos do Homem e ao Conselho da Europa, aprova leis penais com efeitos retroactivos, e ameaça a imprensa livre com medidas legislativas do pior tipo censório.
Para resolver os mais graves problemas nacionais, tem, portanto, o governo minoritário como programa, antes do mais, remeter à cadeia mais dum milhar de presos políticos; depois calar a imprensa oposicionista — por fim, editar um livro... Regressamos, claramente agora, aos tempos trágicos do gonçalvismo.
Tentar pôr um travão na demagogia desenfreada dos sindicatos, aumentando a produtividade e garantindo os capitais públicos e privados; evitar a rotura cambial; impedir a bancarrota — isso não é com o governo minoritário. O que é preciso, para disfarçar o desastre, é açular as bruxas, e reavivar ódios contra os homens que (ao contrário do que prometeu o Presidente da República) não vão ser julgados pelos seus crimes, mas por pertencerem a uma corporação policial, e que, em termos de legislação vigente, cumpriram ordens, defenderam Portugal no Ultramar, foram condecorados e, se praticaram excessos, prestaram também grandes serviços. O que é necessário é calar as vozes dos que, tendo sofrido o exílio e a prisão, tendo sofrido vexames e insultos, mesmo assim não se dobraram à prepotência paranóica da irresponsabilidade comunista e socialista que dominou Portugal durante mais de um ano.
Procura-se, para chegar a tanto, fazer pressão sobre a Justiça — e à porta dos tribunais a gandulagem mais vil faz o escarcéu do costume, apoiada pelo órgão oficioso do governo, aplaudida por todos os partidos situacionistas, por todos quantos, durante a tirania dos gonçalves, cometeram os crimes mais horríveis.
Um triste poeta alegre, no meio de tudo isto, resolve dirigir-se directamente à "A RUA" e acusar-nos de várias e nefandas perfídias. Chamou-nos ultra-direitistas (o que, mesmo sendo verdade, seria perfeitamente democrático) e considerou intolerável que pudéssemos fazer a apologia do regime deposto. Cabe-nos por agora dar uma pequena lição ao poetastro ministro. Já depenámos galos de maior crista.
Começamos por informar o desgraçado de que nos ralamos pouco com a alcunha de ultra-direitistas. Antes isso do que desertor, ou espião ao serviço do M.P.L.A. traindo camaradas de armas, ou ladrão, ou assaltante de bancos. Antes isso (até!) que socialista. Foram os desertores, os espiões, os ladrões e os socialistas que arruinaram Portugal; não foram os ultra-direitistas.
Logo após, convém informar o tristíssimo de que não é crime elogiar o regime deposto e de que, muito embora nunca o tivéssemos feito nos termos em que o alegre o insinua, mesmo assim, temos de convir que com o mal passado podemos nós; com o presente é que não. O que se trata agora é de avaliar a obra do governo minoritário e não a dos governos de Salazar ou de Marcello Caetano. Quem se mostra incapaz de nos governar é o Mário Soares; quem nos conduz à bancarrota são os socialistas; quem, contra todo o Direito, aprova leis com efeitos retroactivos é o governo minoritário; quem nos governa é o poeta alegre e seus companheiros de funçanata ministerial. Salazar morreu — e o povo venera-o. Caetano fugiu para o Brasil — e ainda bem. Interessa-nos o presente; o passado julgá-lo-á a História. E o presente é um rol dramático de necedades, trampolinices, e estupidezes; é o período mais negro e mais vergonhoso de toda a nossa história.
Intolerável — é isto. Intolerável é que os portugueses sejam obrigados a suportar o regime de mediocracia que nos rege. Intolerável é que o alegre possa ser ministro. Contra isso nos revoltamos todos cada vez mais. Contra isso, de Norte a Sul, sopra o vento da revolta, da indignação e da cólera.
Pode o governo minoritário, com a ajuda dos comunistas e dos outros comparsas, fazer aprovar na Assembleia da República as leis que quiser, para nos calar. Pode o governo minoritário, como já fez o sr. Zenha no dia 28 de Setembro, voltar a prender-nos e a vexar-nos. Duma coisa, porém, pode o desgraçado alegre estar certo: só nos verá calados, mortos. A nós têm que nos matar.
Chegámos aqui com o único propósito de defender Portugal e o seu povo. Orgulhamo-nos de ter conseguido reunir à nossa volta o núcleo mais forte e mais duro da resistência às alegrias do socialismo. A ficarmos pelo caminho, ficaremos sem vida. Se isto contentar o poeta — que lhe preste. A nós enche-nos de coragem. Não desistiremos.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 41, pág. 3, 13.01.1977)

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