sábado, junho 25, 2005
A NOSSA POSIÇÃO
Noutras páginas deste jornal acharão os eleitores a análise pontual (fazendo-se alguma pouca história...) da conjuntura política. É necessário, todavia, agora que se pretende termos entrado na normalidade constitucional, esclarecer melhor as nossas posições de fundo. Ante um Governo que se diz definitivo só porque os seus antecessores eram constitucionalmente provisórios, parece azado fazer um certo ponto, recolocando-nos melhor no novo terreno político.
Desde o seu primeiro número que "A RUA" com suficiente clareza se considerou um jornal da Direita; ninguém estranhou, por isso mesmo, que, desde o nosso primeiro número, nos tivéssemos achado sempre em situação de críticos frontais do Governo que, sendo de Esquerda, assim se nos opunha.
Acontece, porém, que, durante estes quatro apaixonantes meses de trabalho, que tantos são os da precária vida de "A RUA", nós nunca tivemos ocasião de enfrentar o Governo por ser de Esquerda; quase humilhantemente, tivemos de nos limitar a censurá-lo por se mostrar incapaz, mesmo à luz dos próprios princípios, de resolver qualquer dos mais pequenos problemas nacionais. As grandes questões doutrinárias tivemos de as esquecer — tão estúpida e néscia se mostrou persistentemente a prática governativa esquerdista ao longo do tempo que nos publicámos. A bondade dos nossos princípios surdiu espontaneamente da incapacidade prática dos adversários, uns de governarem o País, os outros de se achegarem à governação, por via eleitoralista, mesmo com o nosso apoio explícito ou implícito.
Chegámos agora à situação de continuarmos a ser governados por quem nos levou à falência, e de não encontrarmos na Assembleia da República nenhum grupo que, programaticamente, possa ser considerado como alternativa válida para o caos existente. Os que, de certa maneira facilmente provável e a provar no devido tempo, procuraram o nosso apoio, tratam-nos agora como inimigos, atraídos que estão pela hipótese de se instalarem no poder, não por via das eleições em que participaram, mas da vitória provável em eleições estrangeiras de partidos com os quais, para terem apoio internacional e episcopal, reivindicam algumas afinidades.
Apesar da maior parte das personalidades que constituem o novo Governo terem já dado provas da sua real incapacidade político-administrativa, nós estamos dispostos a conceder a este elenco ministerial o maior crédito possível. Precisamos angustiosamente de um Governo que governe e, face à promessa formal do Primeiro-Ministro de suster a epilepsia revolucionária que nos tem vitimado, e de não avançar muito mais nos atentados ao que é essencial ao nosso conceito de sociedade política, vamos tentar, criticando embora, ser verdadeiramente complacentes, escusando-nos a participar no jogo geral das oposições parlamentares que esperam da ruína do País a ruína eleitoral do Partido Socialista e, portanto, a sua gloriosa futura vitória eleitoral, nas inevitáveis eleições que a queda de sucessivos Governos inevitavelmente provocará.
Temos sobre os partidos a vantagem de não sermos partido e, por agora ao menos, não pretendermos vir a sê-lo. Estamos pragmaticamente com todos os que pretendem apenas a reconstituição do País, para além dos postulados ideológicos que norteiam cada um. Negamo-nos peremptoriamente a deixarmo-nos partidarizar para clarificar o horizonte político, ou satisfazer os complexos da esquerda dos habilidosos que, apesar de pessoalmente vencidos, insistem nos erros tácticos e estratégicos que os conduziram a claras posições de mediocridade política, apesar dos nossos esforços.
A Direita pretende a revolução profunda da vida social e política dos portugueses que nem a Revolução do 28 de Maio, nem a do 25 de Abril, conseguiram fazer. Avaliado o contexto geopolítico em que nos inserimos, e bem valoradas as suas consequências geoestratégicas na gestão de Portugal, considera no entanto absolutamente indispensável que a sua revolução se faça no quadro do mais estrito respeito pela Constituição.
A Constituição não é irreformável; a auto-reforma é parte explícita do espírito jurídico que a enformou; deve, por isso mesmo, ser criticada para que, em plena legitimidade, se corporize o espírito que lhe é inerente e é motor primeiro do seu virtual dinamismo.
Constitucionalmente é preferível apressar a reforma da Constituição. É obrigação fundamental da Direita que discorda do texto constitucional, apressar a sua modificação. Não pode a Direita, todavia, fomentar a aceleração do processo reformista, acelerando simultaneamente o processo da ruína sócio-económica do País. Assim — até ao limite do possível — está disposta a creditar larga margem de acção ao Governo minoritário socialista, e discorda frontalmente de todas as acções parlamentares da oposição que, já agora, antes mesmo de o Governo começar a governar, visam à queda rápida de Mário Soares.
Embora a lógica constitucional torne teoricamente inviável um Governo minoritário, pode este Governo no entanto governar alguma coisa com o apoio do Presidente da República — e da opinião pública que forçará os partidos oposicionistas a concederem-lhe o crédito minimamente necessário à sua sustentação. Não pode, porém, fazer uma gestão partidária. A posição da Direita que, concretamente, é a de largos sectores do eleitorado dispersos por diversos partidos, é a do apoio reservado em função do interesse nacional. Já votámos P.S. a seu tempo. Não nos custa nada voltar a votar. Um Governo pragmático do P.S. interessa-nos tanto como um Governo pragmático do P.P.D. ou do C.D.S. Tem é que se cumprir a promessa do Primeiro-Ministro quando diz que o Governo é formado por socialistas que não querem nem podem agir numa óptica estritamente partidária, mas sim nacional; tem é que se governar em termos de absoluto rigor técnico, de forma a travar-se a desagregação moral e material do País.
Sabem os nosso leitores a pouca confiança que temos nas palavras e na capacidade do dr. Mário Soares. Sabem ainda que não depositamos grandes esperanças na viabilidade do actual Governo. Achamo-nos, porém, neste momento particularmente grave da nossa história, na obrigação de o aceitar e até de o não hostilizar. Não precisaremos de muito tempo para ver até onde pode ir a nossa complacência; — em poucas semanas pode o Governo P.S. mostrar se merece ou não a confiança dos portugueses, não confundindo pragamatismo com socialismo, intentando tomar a parte pelo todo, confundindo o seu partido com a Nação.
As próximas eleições para as autarquias locais consideramo-las nós, plebiscitariamente, como um voto nacional na gestão governativa do P.S. e na acção parlamentar dos partidos oposicionistas. A Direita, outra vez nas urnas sem organização partidária, e não tendo ainda feito a sua escolha, votará em quem, até ao fim das eleições, melhor tenha sabido cumprir politicamente o seu dever nacional. Pode ser que se abstenha como, espectacularmente, se absteve nas presidenciais.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 17, pág. 3, 29.07.1976)
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Desde o seu primeiro número que "A RUA" com suficiente clareza se considerou um jornal da Direita; ninguém estranhou, por isso mesmo, que, desde o nosso primeiro número, nos tivéssemos achado sempre em situação de críticos frontais do Governo que, sendo de Esquerda, assim se nos opunha.
Acontece, porém, que, durante estes quatro apaixonantes meses de trabalho, que tantos são os da precária vida de "A RUA", nós nunca tivemos ocasião de enfrentar o Governo por ser de Esquerda; quase humilhantemente, tivemos de nos limitar a censurá-lo por se mostrar incapaz, mesmo à luz dos próprios princípios, de resolver qualquer dos mais pequenos problemas nacionais. As grandes questões doutrinárias tivemos de as esquecer — tão estúpida e néscia se mostrou persistentemente a prática governativa esquerdista ao longo do tempo que nos publicámos. A bondade dos nossos princípios surdiu espontaneamente da incapacidade prática dos adversários, uns de governarem o País, os outros de se achegarem à governação, por via eleitoralista, mesmo com o nosso apoio explícito ou implícito.
Chegámos agora à situação de continuarmos a ser governados por quem nos levou à falência, e de não encontrarmos na Assembleia da República nenhum grupo que, programaticamente, possa ser considerado como alternativa válida para o caos existente. Os que, de certa maneira facilmente provável e a provar no devido tempo, procuraram o nosso apoio, tratam-nos agora como inimigos, atraídos que estão pela hipótese de se instalarem no poder, não por via das eleições em que participaram, mas da vitória provável em eleições estrangeiras de partidos com os quais, para terem apoio internacional e episcopal, reivindicam algumas afinidades.
Apesar da maior parte das personalidades que constituem o novo Governo terem já dado provas da sua real incapacidade político-administrativa, nós estamos dispostos a conceder a este elenco ministerial o maior crédito possível. Precisamos angustiosamente de um Governo que governe e, face à promessa formal do Primeiro-Ministro de suster a epilepsia revolucionária que nos tem vitimado, e de não avançar muito mais nos atentados ao que é essencial ao nosso conceito de sociedade política, vamos tentar, criticando embora, ser verdadeiramente complacentes, escusando-nos a participar no jogo geral das oposições parlamentares que esperam da ruína do País a ruína eleitoral do Partido Socialista e, portanto, a sua gloriosa futura vitória eleitoral, nas inevitáveis eleições que a queda de sucessivos Governos inevitavelmente provocará.
Temos sobre os partidos a vantagem de não sermos partido e, por agora ao menos, não pretendermos vir a sê-lo. Estamos pragmaticamente com todos os que pretendem apenas a reconstituição do País, para além dos postulados ideológicos que norteiam cada um. Negamo-nos peremptoriamente a deixarmo-nos partidarizar para clarificar o horizonte político, ou satisfazer os complexos da esquerda dos habilidosos que, apesar de pessoalmente vencidos, insistem nos erros tácticos e estratégicos que os conduziram a claras posições de mediocridade política, apesar dos nossos esforços.
A Direita pretende a revolução profunda da vida social e política dos portugueses que nem a Revolução do 28 de Maio, nem a do 25 de Abril, conseguiram fazer. Avaliado o contexto geopolítico em que nos inserimos, e bem valoradas as suas consequências geoestratégicas na gestão de Portugal, considera no entanto absolutamente indispensável que a sua revolução se faça no quadro do mais estrito respeito pela Constituição.
A Constituição não é irreformável; a auto-reforma é parte explícita do espírito jurídico que a enformou; deve, por isso mesmo, ser criticada para que, em plena legitimidade, se corporize o espírito que lhe é inerente e é motor primeiro do seu virtual dinamismo.
Constitucionalmente é preferível apressar a reforma da Constituição. É obrigação fundamental da Direita que discorda do texto constitucional, apressar a sua modificação. Não pode a Direita, todavia, fomentar a aceleração do processo reformista, acelerando simultaneamente o processo da ruína sócio-económica do País. Assim — até ao limite do possível — está disposta a creditar larga margem de acção ao Governo minoritário socialista, e discorda frontalmente de todas as acções parlamentares da oposição que, já agora, antes mesmo de o Governo começar a governar, visam à queda rápida de Mário Soares.
Embora a lógica constitucional torne teoricamente inviável um Governo minoritário, pode este Governo no entanto governar alguma coisa com o apoio do Presidente da República — e da opinião pública que forçará os partidos oposicionistas a concederem-lhe o crédito minimamente necessário à sua sustentação. Não pode, porém, fazer uma gestão partidária. A posição da Direita que, concretamente, é a de largos sectores do eleitorado dispersos por diversos partidos, é a do apoio reservado em função do interesse nacional. Já votámos P.S. a seu tempo. Não nos custa nada voltar a votar. Um Governo pragmático do P.S. interessa-nos tanto como um Governo pragmático do P.P.D. ou do C.D.S. Tem é que se cumprir a promessa do Primeiro-Ministro quando diz que o Governo é formado por socialistas que não querem nem podem agir numa óptica estritamente partidária, mas sim nacional; tem é que se governar em termos de absoluto rigor técnico, de forma a travar-se a desagregação moral e material do País.
Sabem os nosso leitores a pouca confiança que temos nas palavras e na capacidade do dr. Mário Soares. Sabem ainda que não depositamos grandes esperanças na viabilidade do actual Governo. Achamo-nos, porém, neste momento particularmente grave da nossa história, na obrigação de o aceitar e até de o não hostilizar. Não precisaremos de muito tempo para ver até onde pode ir a nossa complacência; — em poucas semanas pode o Governo P.S. mostrar se merece ou não a confiança dos portugueses, não confundindo pragamatismo com socialismo, intentando tomar a parte pelo todo, confundindo o seu partido com a Nação.
As próximas eleições para as autarquias locais consideramo-las nós, plebiscitariamente, como um voto nacional na gestão governativa do P.S. e na acção parlamentar dos partidos oposicionistas. A Direita, outra vez nas urnas sem organização partidária, e não tendo ainda feito a sua escolha, votará em quem, até ao fim das eleições, melhor tenha sabido cumprir politicamente o seu dever nacional. Pode ser que se abstenha como, espectacularmente, se absteve nas presidenciais.
Manuel Maria Múrias
(In A Rua, n.º 17, pág. 3, 29.07.1976)
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