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quarta-feira, junho 29, 2005

O NOVO CONCEITO DE PÁTRIA 

A tese mais curiosa defendida, hoje em dia, é que a pátria não são os territórios, antes e exclusivamente os homens. Trata-se de uma peregrina concepção congeminada acaso como álibi (de resto infeliz, consoante mostraremos), mas cuja consistência lógica é extremamente frágil. Porque os homens são diferentes entre si e passam, enquanto aquilo que se chama pátria é uno e permanente. Se Portugal fosse só os homens, Portugal não seria senão uma sucessão infinita de nacionalidades, tantas quantos os homens que se foram sucedendo. E já, para que essas nacionalidades sucessivas não fossem soma dos individuos tomados um por um, seria indispensável recorrer à noção de território. Como se distinguiria um grupo de indivíduos perante o estrangeiro (a não se admitir a raça qual critério válido) senão pela sua fixação num certo "habitat" geográfico?
Portugal seria hoje o conjunto dos portugueses actuais, porque seria a série dos indivíduos que vivem no rectângulo impropriamente chamado Portugal; doutra forma, o que separaria tais indivíduos dos chineses, dos persas, que também são indivíduos?
E repare-se, até, que, se acharmos que a pátria são os homens que habitam uma certa região do globo e pretendermos evitar o desfile fílmico das pátrias, tantas quantas as gerações que nas referidas regiões vão vivendo, o que resta de duradoiro são, apenas, essas regiões do território, em suma. A doutrina em discussão está, portanto, sempre a um milímetro de se converter na sua contrária.
Deixemos isso, no entanto.
Se as pátrias são os homens, transplantados estes para outros locais, a pátria persistiria ainda. A nossa população no Polo Norte seria Portugal.
Algumas perguntas surgem, contudo: teria de se manter, exactamente, o mesmo número de pessoas? Ou poderia haver uma discreta tolerância aritmética? E, neste último caso, até quantos homens teríamos a pátria? Bastaria uma simples maioria absoluta? E porque há-de ser homogéneo o local para onde se transplantem as populações? Se o território não é muito relevante, para que Portugal subsista, porque não distribuir os homens que o constituem "hic et nunc" por todo esse vasto mundo: dez nas Seichelles, quinze nas Fidji, cinco em Tristão da Cunha e assim sucessivamente?
Não vemos, nesta altura, o que os ligaria entre si. De qualquer forma, segundo a nova teoria, a pátria continuaria a existir. No instante, porém, em que as pessoas desaparecessem por morte, é que seríamos forçados a admitir que a pátria nada mais era. A nova teoria aqui esgotou os seus fantasiosos recursos. Abandonemos, todavia, o absurdo desta estranha concepção de pátria, que foi inventada, provavelmente, para justificar o abandono dos territórios por parte daqueles que tinham jurado bater-se pelas fronteiras até à morte. Esse o núcleo crucial da nova ideia de pátria: a tentativa de legitimar a destruição da pátria autêntica. Que não é unicamente nem o território nem os homens, mas um vínculo comum e perene que une estes através dos tempos permanecendo o mesmo, enquanto eles desaparecem uns atrás dos outros. Vínculo que representava um dever e se projecta numa soberania exercida num território e numa obra cultural que nele se desenrola. O território é, assim, o espaço da pátria, o testemunho visível da sua autonomia e perpetuidade, se, por detrás, estiver uma vontade firme de conservação e defesa. Eis o motivo pelo qual jamais se pode renunciar a ele, senão pela força, que não cria direito. A entrega voluntária, sem luta ou praticamente sem luta, de territórios nacionais, é um atentado contra a pátria, é, por isso mesmo, uma vergonha ou um crime sem par. Sacrificaram-se os habitantes neles radicados, imolaram-se os homens, atirando-os, como gado, para as mãos selvagens, cruéis, primárias dos novos amos. Centenas de milhar pereceram nas convulsões da "descolonização exemplar", mais de um milhão viu-se despojado de tudo, expulsos dos lares sob saraivadas de injúrias e insultos, passando a vegetar ao Deus dará, neste recanto da Europa à beira mar plantado. Depois de terem prometido solenemente aos "homens" que seriam ouvidos no tocante ao destino a dar às províncias ultramarinas, estas foram distribuidas por sobas às ordens de Moscovo sem ninguém ter sido consultado ou escutado, excepto, claro, os dignos desgovernantes que dispuseram, a bel-prazer, daquilo que lhes não pertencia.
Não há dúvida que, a considerar-se que a pátria são os homens, estes foram magnificamente tratados.
António José de Brito
(In «A Rua», n.º 64, pág. 10, 23.06.1977).

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