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quarta-feira, junho 29, 2005

PROGRESSO OU RETROCESSO? 

Em certos ambientes da chamada direita europeia, apresentadas pelos seus defensores como a derradeira palavra do saber, renasceram, hoje em dia, umas tantas ideias que não passam de velhos mitos, já muitas vezes ultrapassados e refutados, vestidos agora com roupagens de uma pretensa última moda.
A superstição da ciência, que bastantes estragos causou no século XIX, volta actualmente a dominar determinados meios, e vemos pessoas que se proclamam católicas, espiritualistas, antimaterialistas, a procurar, afanosamente, fundamentar as suas posições políticas nas disciplinas que estudam a conduta dos animais (como se o homem se limitasse à sua pura animalidade), ou nas que analisam o estilo de vida dos selvagens (como se a selvajaria fosse um paradigma definitivo), ou, ainda, nas que tudo explicam pelas pulsões inconscientes (como se o livre arbítrio e as responsabilidades pessoais fossem puras ilusões).
Não se trata, sequer, de proceder como Maurras, que, aproveitando o cientismo reinante na sua época, afirmou que as sociedades tinham também leis específicas como as que regiam as restantes realidades e procurou construir uma ciência política irredutível às outras ciências e de índole, aliás, predominantemente racional. Não! O que se faz presentemente, é reduzir o plano político ao nível do zoológico e do biológico. E, ao invés de Maurras, que não pretendia que a ciência política ditasse os fins a visar, mas antes que semelhantes fins é que orientassem as investigações da ciência política, bom número de teóricos contemporâneos que se proclamam de direita, não hesitam em sustentar que as normas de acção e os valores devem ser extraídos da ciência empírica e não o contrário.
Esquece-se, assim, o que é um ensinamento permanente da razão e repetidas vezes foi invocado, contra o positivismo, pelos pensadores mais poderosos do nosso tempo, a saber: que a ciência é meramente descritiva e que da simples factualidade empírica não é possível retirar qualquer imperativo dotado de validade. São, igualmente, factos empíricos os maiores monumento de abjecção e os prodígios de heroísmo, o 25 de Abril e a defesa do Alcazar. E se é uma lei científica que o arsénico, em boas doses, produz a morte, vamos passar a envenenar pessoas?
A ciência diz-nos o que é, aponta-nos o real. Mas o que é, pode ser o mal e o erro, o real pode ser quer bom quer mau. Há seres e realidades excelentes, como há seres e realidades abomináveis.
De resto, se aceitarmos e aplaudirmos todas as realidades porque realidades, então teremos de, simultaneamente, aplaudir e aceitar a tese oposta ao ponto de vista de que se deve aplaudir e aceitar a realidade porque realidade, uma vez que tal tese, existindo, também é uma realidade.
O cientismo implica desse modo a adesão ao anticientismo.
Em ética e política buscar apoio nos denominados avanços da ciência não passa de uma atitude altamente regressiva. Arvorar em mestres neopositivistas, como Louis Rougier, ou (em certa medida) Karl Popper, ou um étologo como Konrad Lorenz, é para a autêntica direita, a quem é lícito sem favor invocar os ensinamentos de um Platão, um Aristóteles, um S. Tomás, um Leibnitz, um Hegel, um Heidegger, um Gentile e muitas outras figuras cimeiras da filosofia ocidental, um verdadeiro e clamoroso retrocesso por muito que se procure disfarçá-lo e encobri-lo com o manto de um progresso indiscutível.
António José de Brito
(In «A Rua», n.º 173, pág. 21, 04.10.1979)

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