quarta-feira, junho 29, 2005
UM APOLOGISTA DA MONARQUIA CHAMADO JOSÉ HERMANO SARAIVA
Saraiva (José Hermano e não António José) tem sido, ultimamente, assaz atacado pela chamada direita. Sinceramente, não percebemos porquê. Ele deve sentir-se alvo de uma negra ingratidão, que — quem sabe? —, dada a sua delicada sensibilidade, possivelmente já lhe arrancou lágrimas de pesar. Efectivamente, acusaram-no de deturpar a História de Portugal, de amesquinhar os grandes vultos do nosso Passado, de cultivar a mais reles demagogia, de interpretações delirantes, etc., etc.
Ora nada mais injusto e faccioso.
Saraiva comete, por ocasiões, pequenos erros (por exemplo, chamar, por três vezes, D. Jaime — o que já lhe foi amargamente exprobado — ao bastardo de D. João II, D. Jorge), mas, ao invés do que supõem os reaccionários incorrigíveis, ele não faz por ignorância. Muito ao contrário. O que Saraiva pretende é afastar das multidões ignaras, que o escutam, a verdade histórica, que são incapazes de manejar e utilizar adequadamente. Ele está apenas a pôr em prática a ideia renanista de Fradique Mendes de que é preciso preservar a ciência da curiosidade das plebes. Por isso, quando estas julgam que estão a aprender qualquer coisa, estão muito simplesmente a comer gato por lebre e a permanecer na mais tremebunda ignorância. Saraiva não cai na asneira de as instruir e esclarecer. É o cais. O que lhes fornece são fábulas, enquanto o saber autêntico, esse, permanece aferrolhado nos prodigiosos arcanos cerebrais, que a sua incipiente calva, à Pacheco, deixa entrever. Um ultra-contra-revolucionário, pois, é o que ele é.
Admiramo-nos que a chamada direita não se tenha apercebido dessa nítida faceta do imenso talento de Sua Excelência, que, aliás, outras atitudes também patenteiam com nímia clareza.
Assim, se ele nos conta que um criado, chamado Luís de Camões, tinha vagar para ler Quevedo, Garcilaso de la Vega, Petrarca, etc., (embora infelizmente não soubesse grego), o que está é a inocular no povo a tese de que o apogeu do nosso desenvolvimento cultural foi o período monárquico, em que os servos liam os melhores autores e os amos, se calhar, varriam o chão.
Ao assegurar que o mesmo Camões, já na miséria, escrevia epístolas em verso ao Duque de Aveiro, brincando com ele, resplandecendo em ironias, e blagues, Saraiva o que desejava salientar é a fraternidade, o à-vontade com que os pobres naquela época tratavam os grandes senhores, sem as contumélias, as amabilidades com que hoje em dia os vulgares cidadãos se dirigem ao sr. Mário Soares ou ao sr. Melo Antunes (dois grandes afortunados do presente). E, finalmente, ao garantir que o já referido Luís de Camões recebia uma tença de D. Sebastião, equivalente ao que, então, ganhava um mendigo (brilhante ideia), Saraiva o que intentava não era dizer que o Rei não passava de um ignorante ou de um sovina (longe disso), mas sim que, naqueles ditosos anos, os mendigos tinham um belo vencimento fixo, estando, acaso, sindicalizados e dedicando-se, já, às suas grevezinhas, com a imensa vantagem de que estas não afectavam a produção.
Saraiva, nos próprios écrans da Televisão destinada a propagar — e que propaga de facto - o mais intolerante e ultrajante esquerdismo, patenteia a imensa superioridade da época absolutista sobre a nossa. Nas barbas dos que se dedicam a intoxicar os telespectadores, Saraiva, com subtil firmeza, mostra como era bela a organização da sociedade do regime tradicional. E a conclusão impõe-se por si. O 25 de Abril não trouxe nada de positivo, não representa um progresso. Os e as criadas não lêem Quevedo, nem sequer José Régio; os desempregados, aos milhares, que agora abundam por esse rectângulo fora, não chalaceiam em epístolas em verso com os nobres senhores Vasco da Gama Fernandes ou Álvaro Cunhal e, sobretudo, os mendigos que voltamos a topar em cada esquina não recebem salários certos e bem averiguados, não estão sindicalizados e nem fazem greves com jornadas de não trabalho devidamente remuneradas.
Posto isto, que há-de pensar o público? Que a Monarquia é que era uma delícia. Precisamente o que pretende Saraiva e o que — parece impossível — a chamada direita não lhe é capaz de compreender nem à mão de Deus Padre.
Talvez tudo o que ele narra não passe de fantasias? E que importa isso? Saraiva não quer exibir aos profanos os mistérios do conhecimento, o que visa é exaltar o sistema político de antanho em confronto com o actual. Por meio de mitos? E porque não? Obrigado, Saraiva! Continuas igual a ti mesmo. Sempre na oposição, na corajosa luta clandestina. Na ominosa tirania de Salazar até te sentiste forçado a ser ministro, mas era para piscar o olho aos subversivos e protegê-los quanto podias. De momento, peroras na televisão comuna-estatal (1) (que esperamos, em breve, condecore o sr. Elyseu e dê a palavra de honra que o sr. César de Oliveira tem talento), mas é para produzires apologias indirectas da Realeza. Quem olhar exclusivamente às exterioridades suporá que a tónica dominante da tua vida é ser governamental — estar com os governos que se sucedem, bons ou maus, conservem ou destruam a Pátria — e que como historiador (esotérico) te sentes no dever de seguir, sem hesitar, os ventos da História. Trata-se, porém, de um equívoco, de uma ilusão. O que tu és é um inconformista nato, um homem que nunca está satisfeito com os patrões que serve e que, na hora própria (quando estão vencidos), não hesita, desassombradamente, em mandá-los à fava. Olha, Saraiva! Quem te não conhecer que te compre.
Nota:
1 - Dentro do seu comuno-tartufismo habitual, a Televisão dita portuguesa, quando, no Porto, foram partidas algumas cadeiras e mesas numa ou noutra sede de bairro de partidos marxistas, deu aos eventos um relevo do diabo e velou a face de ultrajada. Quando, porém, no sábado 24 de Março, em Braga, os comunistas atacaram a tiro e à bomba uma pacífica e autorizada manifestação, daí resultando vários feridos, um dos quais teme-se que fique mutilado, limitou-se a umas notícias anódinas e tão mal redigidas que, até, se ficava na dúvida se tinham ou não sido os manifestantes que, para se defender, recorreram a bombas e armas de fogo. No dia seguinte, dimanou a TV umas considerações de protesto, intercaladas, todavia, de àpartes sobre o reaccionarismo bracarense que, de certo modo, justificavam a exaltação dos assaltantes. À hora em que escrevemos estas linhas só esperamos que a Televisão dita portuguesa divulgue, ao máximo, o comunicado P.C., segundo o qual foram os manifestantes que se auto-agrediram, perfidamente, para comprometer os súbditos de Moscovo, lá do sítio, que, no dia 24, estavam todos em casa, pacificamente, a meditar na crise.
António José de Brito
(In «A Rua», n.º 147, pág. 9=
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Ora nada mais injusto e faccioso.
Saraiva comete, por ocasiões, pequenos erros (por exemplo, chamar, por três vezes, D. Jaime — o que já lhe foi amargamente exprobado — ao bastardo de D. João II, D. Jorge), mas, ao invés do que supõem os reaccionários incorrigíveis, ele não faz por ignorância. Muito ao contrário. O que Saraiva pretende é afastar das multidões ignaras, que o escutam, a verdade histórica, que são incapazes de manejar e utilizar adequadamente. Ele está apenas a pôr em prática a ideia renanista de Fradique Mendes de que é preciso preservar a ciência da curiosidade das plebes. Por isso, quando estas julgam que estão a aprender qualquer coisa, estão muito simplesmente a comer gato por lebre e a permanecer na mais tremebunda ignorância. Saraiva não cai na asneira de as instruir e esclarecer. É o cais. O que lhes fornece são fábulas, enquanto o saber autêntico, esse, permanece aferrolhado nos prodigiosos arcanos cerebrais, que a sua incipiente calva, à Pacheco, deixa entrever. Um ultra-contra-revolucionário, pois, é o que ele é.
Admiramo-nos que a chamada direita não se tenha apercebido dessa nítida faceta do imenso talento de Sua Excelência, que, aliás, outras atitudes também patenteiam com nímia clareza.
Assim, se ele nos conta que um criado, chamado Luís de Camões, tinha vagar para ler Quevedo, Garcilaso de la Vega, Petrarca, etc., (embora infelizmente não soubesse grego), o que está é a inocular no povo a tese de que o apogeu do nosso desenvolvimento cultural foi o período monárquico, em que os servos liam os melhores autores e os amos, se calhar, varriam o chão.
Ao assegurar que o mesmo Camões, já na miséria, escrevia epístolas em verso ao Duque de Aveiro, brincando com ele, resplandecendo em ironias, e blagues, Saraiva o que desejava salientar é a fraternidade, o à-vontade com que os pobres naquela época tratavam os grandes senhores, sem as contumélias, as amabilidades com que hoje em dia os vulgares cidadãos se dirigem ao sr. Mário Soares ou ao sr. Melo Antunes (dois grandes afortunados do presente). E, finalmente, ao garantir que o já referido Luís de Camões recebia uma tença de D. Sebastião, equivalente ao que, então, ganhava um mendigo (brilhante ideia), Saraiva o que intentava não era dizer que o Rei não passava de um ignorante ou de um sovina (longe disso), mas sim que, naqueles ditosos anos, os mendigos tinham um belo vencimento fixo, estando, acaso, sindicalizados e dedicando-se, já, às suas grevezinhas, com a imensa vantagem de que estas não afectavam a produção.
Saraiva, nos próprios écrans da Televisão destinada a propagar — e que propaga de facto - o mais intolerante e ultrajante esquerdismo, patenteia a imensa superioridade da época absolutista sobre a nossa. Nas barbas dos que se dedicam a intoxicar os telespectadores, Saraiva, com subtil firmeza, mostra como era bela a organização da sociedade do regime tradicional. E a conclusão impõe-se por si. O 25 de Abril não trouxe nada de positivo, não representa um progresso. Os e as criadas não lêem Quevedo, nem sequer José Régio; os desempregados, aos milhares, que agora abundam por esse rectângulo fora, não chalaceiam em epístolas em verso com os nobres senhores Vasco da Gama Fernandes ou Álvaro Cunhal e, sobretudo, os mendigos que voltamos a topar em cada esquina não recebem salários certos e bem averiguados, não estão sindicalizados e nem fazem greves com jornadas de não trabalho devidamente remuneradas.
Posto isto, que há-de pensar o público? Que a Monarquia é que era uma delícia. Precisamente o que pretende Saraiva e o que — parece impossível — a chamada direita não lhe é capaz de compreender nem à mão de Deus Padre.
Talvez tudo o que ele narra não passe de fantasias? E que importa isso? Saraiva não quer exibir aos profanos os mistérios do conhecimento, o que visa é exaltar o sistema político de antanho em confronto com o actual. Por meio de mitos? E porque não? Obrigado, Saraiva! Continuas igual a ti mesmo. Sempre na oposição, na corajosa luta clandestina. Na ominosa tirania de Salazar até te sentiste forçado a ser ministro, mas era para piscar o olho aos subversivos e protegê-los quanto podias. De momento, peroras na televisão comuna-estatal (1) (que esperamos, em breve, condecore o sr. Elyseu e dê a palavra de honra que o sr. César de Oliveira tem talento), mas é para produzires apologias indirectas da Realeza. Quem olhar exclusivamente às exterioridades suporá que a tónica dominante da tua vida é ser governamental — estar com os governos que se sucedem, bons ou maus, conservem ou destruam a Pátria — e que como historiador (esotérico) te sentes no dever de seguir, sem hesitar, os ventos da História. Trata-se, porém, de um equívoco, de uma ilusão. O que tu és é um inconformista nato, um homem que nunca está satisfeito com os patrões que serve e que, na hora própria (quando estão vencidos), não hesita, desassombradamente, em mandá-los à fava. Olha, Saraiva! Quem te não conhecer que te compre.
Nota:
1 - Dentro do seu comuno-tartufismo habitual, a Televisão dita portuguesa, quando, no Porto, foram partidas algumas cadeiras e mesas numa ou noutra sede de bairro de partidos marxistas, deu aos eventos um relevo do diabo e velou a face de ultrajada. Quando, porém, no sábado 24 de Março, em Braga, os comunistas atacaram a tiro e à bomba uma pacífica e autorizada manifestação, daí resultando vários feridos, um dos quais teme-se que fique mutilado, limitou-se a umas notícias anódinas e tão mal redigidas que, até, se ficava na dúvida se tinham ou não sido os manifestantes que, para se defender, recorreram a bombas e armas de fogo. No dia seguinte, dimanou a TV umas considerações de protesto, intercaladas, todavia, de àpartes sobre o reaccionarismo bracarense que, de certo modo, justificavam a exaltação dos assaltantes. À hora em que escrevemos estas linhas só esperamos que a Televisão dita portuguesa divulgue, ao máximo, o comunicado P.C., segundo o qual foram os manifestantes que se auto-agrediram, perfidamente, para comprometer os súbditos de Moscovo, lá do sítio, que, no dia 24, estavam todos em casa, pacificamente, a meditar na crise.
António José de Brito
(In «A Rua», n.º 147, pág. 9=
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