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terça-feira, junho 28, 2005

«UMA COISA QUE PENSA» - UM NOVO LIVRO DE ÁLVARO RIBEIRO 

A obra de Álvaro Ribeiro, mesmo para aqueles que não estão de acordo com as suas concepções fundamentais (consoante é o meu caso), merece iniludível respeito pelo que representa de coerência e persistente labor. E hoje em dia, em que alastra o mais pretensioso dogmatismo materialista, não há dúvida que os ensinamentos do autor de "Os Positivistas" oferecem salutares incentivos a quantos, em tão corrompido ambiente intelectual, se iniciem nos problemas da filosofia.
O último trabalho de Álvaro Ribeiro, intitulado, cartesianamente, "Uma Coisa que Pensa", destaca-se de entre a produção corrente da actualidade nacional não só pela fidelidade a si próprio de quem o redigiu mas também pela sua superioridade face aos anõezinhos que, no momento presente, não sabem fazer mais nada do que repetir, piorando-os, Marx e Engels.
"Uma Coisa que Pensa" é composto por três ensaios denominados: "Filologia e Filosofia"; "Pensar, Falar, Escrever" e "Elementos de Lógica Aristotélica". Pode dizer-se que todos eles, através da variedade dos seus temas, são dominados pela questão central das relações entre o pensamento e a linguagem. Nesta perspectiva, o último dos estudos, os "Elementos de Lógica Aristotélica", encerra uma interpretação curiosa e interessante, numa direcção anti-ontológica, do Organon do Estagirita (Estagirita sem sentido pejorativo), interpretação que não vamos aqui discutir, pois para isso seriam necessárias, pelo menos, dezenas de páginas, mas para a qual não queremos deixar de chamar a atenção.
Há neste volume de Álvaro Ribeiro uma série de teses inteiramente justas que merecem ser destacadas. Antes de mais nada, a clara denúncia de fraquezas da psicologia de observação, agravadas, ainda, na psicologia experimental ou de laboratório (p. 31). Depois, o repúdio da «tendência evolucionista quando pretende transcender o plano científico para o metafísico, onde insere uma fictícia teoria das causas» (p. 49), acompanhado da mostração das insuficiências de tal tendência no âmbito da questão da origem da linguagem. Por fim, é de salientar, de forma muito especial, a firmeza com que Álvaro Ribeiro sustenta que a filosofia não se situa no domínio da ciência e que é «por táctica errónea» que os «homens cultos» reclamam uma «filosofia científica» (p. 15).
Em todo o caso, eu creio que ele passa de um excesso para outro, quando considera a filosofia arte (p. 22) e defendendo uma «filosofia literária» (p. 15). Pela minha parte, perfilho a opinião expressa por Croce em «O que é Vivo e o que é Morto na Filosofia de Hegel»: se não se deve filosofar recorrendo ao compasso e ao esquadro, igualmente não se deve filosofar com o pincel ou a lira.
Numa palavra: não sou pela filosofia científica nem pela filosofia literária, antes, e exclusivamente, pela filosofia filosófica.
Ainda a propósito da noção de filosofia de Álvaro Ribeiro, quero observar o seguinte: para ele «a ciência afirma o que é e nega o que não é, enquanto a filosofia diz o que deve ser ou deveria ser» (p. 21); uma vez que inclui a lógica na esfera da filosofia (p. 152 e 153) não vemos muito bem como declara que «a lógica é a arte de expressar oralmente ou por escrito o pensamento» (p. 72); com efeito, o pensamento pode ser deficiente ou errado (p. 122) e, limitando-se a procurar exprimi-lo, de que modo essa parte da filosofia, que se chama a lógica, se colocará no ponto de vista do que deve ou deveria ser?
A concluir estas breves e desalinhadas considerações uma derradeira anotação. Álvaro Ribeiro alude à «falsa filosofia que tem sido e continua a ser ensinada... nas faculdades universitárias». E prossegue: «Falsa, porquê?... Quanto a mim acuso tal ensino de não ser português... Outros críticos, menos nacionalistas do que eu, poderão enunciar acusações de outra ordem» (p. 11. Texto de 1971, retomado agora). Obviamente não pretendo neste momento abordar a vexata quaestio da existência de filosofias nacionais (de passagem, limito-me a reflectir que não me parecem conciliáveis, em estrito rigor, os entusiasmos de Álvaro Ribeiro pela filosofia portuguesa e por Aristóteles). Unicamente desejo salientar (reportando-me até Abril de 1974) que a filosofia universitária se, durante bastante tempo, mereceu ser censurada pelo seu anti-filosófico culto da ciência, nas últimas décadas mudou, nitidamente, de rumo e já não é passível de semelhantes acusações. Recentemente, nas Universidades portuguesas, estava a processar-se uma notável renascença filosófica, de que são testemunho algumas dissertações de doutoramento demonstrativas dos contactos com certas correntes, como a fenomenologia husserliana e a ontologia heideggeriana (bem afastadas da estreiteza de vistas do cientismo), o renovado interesse pela metafísica dos conimbricenses, além da reedição de numerosas obras, precisamente de filósofos portugueses, e de amplos estudos a estes consagrados.
Claro que tudo isto foi quase por completo submergido, após a gloriosa revolução dos cravos, e veio a ser substituído por uma obstinada devoção ao Evangelho de S. Marx. Mais um motivo para que se saliente um esforço digno que honrou a nossa cultura.
Álvaro Ribeiro, por certo, não pensa assim, e está no seu pleníssimo direito. Eu, no entanto, não me sentiria de bem com a consciência se não praticasse o que julgo um acto de justiça em relação à antiga Universidade portuguesa.
Não é, todavia, uma discordância desta índole que empana os reais méritos do livro de Álvaro Ribeiro, a que presto a minha muito sincera homenagem.
António José de Brito
(In «A Rua», n.º 2, pág. 21, 15.04.1976)

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