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terça-feira, junho 28, 2005

UMA DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR QUE O PC PENSOU E O PS REALIZOU 

Acontece, acontece que, por mero acaso, sem intenção deliberada, me encontre diante do écran iluminado da televisão, à hora do noticiário e da propaganda marxista. Assim sucedeu ainda há algum tempo. Repentinamente, vi-me perante o rosto mole de um dos nossos mais prestigiosos estadistas, com os seus óculos de intelectual que compulsa Gramsci com mão diurna e nocturna e o seu sorriso de auto-satisfação vitoriosa. Sua Excelência falava de Moçambique, das relações do rectângulo da Península Ibérica com Moçambique. Não desliguei. Em Moçambique, ainda antes da bandeira das quinas ser arreada sob o olhar entusiasmado do patriota Vasco Gonçalves, tinha sido entregue às sevícias da Frelimo um amigo meu de sempre. Um daqueles poucos que, voluntariamente, marcharam para o mato a combater a sério, na justa convicção que lutavam para a integridade e honra de Portugal. Exactamente um desses que o ex-Alto-Comissário da nossa ex-província da África Oriental tem dificuldade em considerar como portugueses. Foi na expectativa de escutar qualquer referência ou alusão que me permitisse alimentar esperanças acerca da sorte daquele camarada de ideias que continuei a escutar a palavra facunda e fecunda do ilustre homem público.
Esclareceu-nos ele que a descolonização levada a cabo a seguir ao 25 de Abril era qualquer coisa de tão importante e transcendente que só podia comparar-se ao ciclo das descobertas. Mas em sentido inverso, acrescentou, num tocante e penhorante esforço de lealdade.
Contra o que me é habitual não deixei de concordar com as palavras do inspirado governante. De facto, o sentido da descolonização é exactamente o inverso da gesta dos Descobrimentos. Através da última, Portugal constituiu-se como país glorioso. Graças à primeira dissolve-se, como nação, numa apagada e vil tristeza.
Mas, àparte o pequeno inconveniente de ter aniquilado a substância mesma da pátria (que não se confunde com o efémero conjunto dos indivíduos que, em certo momento, habitam uma porção de terra), não se pode deixar de reconhecer que a nossa descolonização, consoante uma personagem eminente já o declarou, representou algo de exemplar, incontestavelmente exemplar, exemplar sem tirar nem pôr.
Destacar os motivos dessa exemplaridade é tarefa que todas as consciências progressivas têm por dever e a que irei meter ombros dentro das minhas fracas possibilidades.
A meu ver, a descolonização dita portuguesa merece o qualificativo de exemplar pelas seguintes razões:
1) Porque tal descolonização foi efectuada sob o signo da democracia e entregou os pobres descolonizados a férreos regimes totalitários de partido único.
2) Porque tal descolonização foi efectuada à luz do princípio da auto-determinação dos povos e, a respeito dela, povo algum, daquém ou de além-mar, se consultou, ouviu ou escutou.
3) Porque tal descolonização foi efectuada depois de uma promessa solene do M.F.A., consignada no texto constitucional do seu programa, de que seria precedida de um amplo debate público e não houve o mínimo debate público sobre tão magno problema, que obteve resolução, autocraticamente, em negociações mais ou menos confidenciais.
4) Porque tal descolonização foi efectuada para libertar nacionalidades pretensamente oprimidas e semelhantes nacionalidades apenas praticam o lastimável lapso de não existir, consoante o provam os massacres de compatriotas, as guerras civis, a submissão a estrangeiros (russos, cubanos, americanos, chineses) a que se dedicaram os diversos movimentos terroristas mal lhes concederam a independência.
5) Porque tal descolonização foi efectuada para restabelecer a paz e depois dela já houve lutas e morticínios muitíssimo mais sangrentos do que os originados pelos treze anos das chamadas campanhas coloniais.
6) Porque tal descolonização foi efectuada para evitar o descalabro da nossa economia profundamente onerada, dizia-se, pelos gastos inerentes ao esforço bélico e, precisamente, a seguir à mesmíssima descolonização, é que a economia entrou em franco descalabro vivendo, agora, de uma despudorada mendicidade internacional.
7) Porque tal descolonização foi efectuada para fazer perder uma batalha decisiva ao imperialismo e as desgraçadas províncias ultramarinas, deitadas pela borda fora, são, hoje, presa do imperialismo soviético ou do imperialismo yankee que nelas combatem entre si, sanguinolentamente.
8) Porque tal descolonização foi efectuada com a solene garantia de serem respeitados os direitos dos brancos instalados em Angola, Moçambique, Guiné, etc., e esses direitos, logo que a soberania portuguesa desapareceu (e às vezes, antes disso) foram, imediatamente, postergados, violados, desprezados por um furioso racismo negro que fez com que milhares e milhares de pessoas, a fim de não serem trucidadas, se vissem forçadas a regressar à metrópole, na maior miséria e aflição, vindo, na qualidade de refugiados (ou retornados, conforme púdica e oficialmente se lhes chama), engrossar o largo cortejo dos sem emprego que a sublime política da gloriosa revolução dos cravos provocou.
António José de Brito
(In «A Rua», n.º 1, pág. 9, 08.04.1976)

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