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segunda-feira, julho 25, 2005

Alfredo Pimenta - O Doutrinador Político 

Há exactamente quatorze anos — a 3 de Dezembro de 1935 — quando do aparecimento dos "Novos Estudos Filosóficos e Críticos", escrevia eu, no "Diário da Manhã", a propósito do seu autor:
« — Quantas vezes nós, que de perto acompanhamos o labor formidável de Alfredo Pimenta, sabemos do apaixonado interesse com que se dedica aos seus trabalhos de erudição e crítica, e até conhecemos o horário invariável, quase heróico, de uma vida consagrada, de modo exclusivo, às transfiguradoras canseiras do Espírito — quantas vezes pensamos, de manhã ou à noite, ao olhar as esquinas onde pontifica uma turba de inúteis, de pedantes e de fúteis, naquele grande investigador que, no seu gabinete forrado de estantes, de olhos presos aos textos que procura decifrar ou esclarecer, à mesma hora dá o seu esforço mais desinteressado e mais convicto à causa, esquecida por quase todos, da legítima cultura portuguesa!»
E acrescentava:
« — Há uma dívida nacional, de gratidão e respeito, para com Alfredo Pimenta. Quem a pagará? E quando? Será mesmo paga algum dia?»
***
Todo o tempo correu — e a dívida continua em aberto. Não ficou evidentemente saldada com a nomeação de Alfredo Pimenta para Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo — função para a qual tudo o impunha e que, embora o honre, é com certeza mais honrada por ele.
A dívida continua em aberto. Todas as homenagens que sejam prestadas a Alfredo Pimenta contam portanto, desde logo, com a minha adesão. Sinto prazer em ser daqueles — muitos ou poucos, não importa — que assim obedecem a um imperativo de consciência e, contra a incompreensão ou a hostilidade da maioria, não vacilam em antecipar-se ao seguro juízo de uma posteridade que (sempre isto sucede aos maiores!) há-de fazer-lhe serena e total justiça.
***
Pedem-me que lhes fale aqui hoje — enquanto outros amigos e companheiros se ocupam do Pensador, do Historiador, do Europeu — acerca do Doutrinador Político. Haveria muito a dizer sobre o assunto, mas não o permitem os exíguos limites do espaço reservado a estas palavras. Contentar-me-ei com indicar, de relance, os três pontos essenciais a desenvolver, porventura, num estudo consagrado a esse tema.
Em primeiro lugar: pela vastidão e seriedade da sua cultura, Alfredo Pimenta é um dos muito raros escritores portugueses do nosso tempo que merecem ser adequadamente chamados doutrinadores políticos. A Política não está, com efeito, ao alcance de qualquer — se bem que tantos, por leviandade ou inconsciência, se julguem aptos a cultivá-la. A Política — arte ou ciência de governar os povos - exige um sério conhecimento das bases metafísicas, éticas, sociológicas em que se apoia, graças às quais se elaborem os conceitos legítimos do Homem, da Sociedade e do Poder. E o erudito dos "Estudos Filosóficos e Críticos" atinge pelas raízes os mais altos problemas que à Política dizem respeito. Quem, nestes domínios, o supera — ou, sequer, o iguala?
Em segundo lugar, assinale-se a singular, a penetrante lucidez com que expõe, analisa e soluciona as fundamentais questões políticas da nossa época e do nosso país. Através de vasta série de trabalhos — citarei, para me limitar a meia dúzia de títulos, "Política Monárquica", "Comentários Políticos", "A Revolução Monárquica — 1919", "Cartas Monárquicas", "As Bases da Monarquia Futura", e, mais recentemente, as páginas certeiras, modelares de "Nas Vésperas do Estado Novo" — essa lucidez excepcional acha-se notavelmente documentada. Ainda dentro das fileiras republicanas, que abandonou em 1914, já Alfredo Pimenta, sob o influxo de Comte e de Taine, no grosso volume "Política Portuguesa", reagia vitoriosamente contra as mentiras e utopias liberais-democráticas e formulava as directrizes de um nacionalismo orgânico, anti-parlamentar, anti-partidário, centrado numa forte noção de Autoridade estável e eficiente. Depois que, a breve trecho, a coerência o trouxe para o campo monárquico, ninguém melhor exaltou e definiu, nas suas linhas esquemáticas ou nos seus pormenores, o regime tradicional a restaurar, adaptado e ajustado às exigências dos novos tempos. A sua concepção da Realeza, por exemplo, — alma e fulcro do Estado, personificação e síntese da Unidade Nacional — gravou-se nos espíritos de quantos alguma vez tomaram contacto seguido com o seu pensamento.
Em terceiro lugar, sublinhe-se o magnífico desassombro de que sempre deu as mais flagrantes provas. A todos os momentos e em todas as circunstâncias, só ou acompanhado por alguns, nunca Alfredo Pimenta hesitou em proclamar a verdade política, sem que nada o tolhesse: nem o medo do adversário, nem o comodismo das posições moderadas, nem os respeitos humanos, nem a defesa dos interesses materiais. O seu combate oferece um raro modelo de coragem, de isenção, de nitidez, de intransigência, de clarividência. Muitas vezes o admirei como homem de letras ou como homem de saber. Como lutador de ideias, admirei-o e admiro-o, porém, acima de tudo — inflexível no meio da tormenta, incapaz de calar-se e deter-se ante as imprecações, as calúnias, as ironias ou as ameaças.
Cultura, lucidez, desassombro — eis as três virtudes específicas do grande doutrinador. Foram elas que fizeram de Alfredo Pimenta um dos mestres incontestados da inteligência política portuguesa do nosso tempo — um dos pouquíssimos, numa época de moles hibridismos, de silêncios cobardes e de apostasias degradantes, que sabem cumprir o dever maior de quem serve uma causa e segura uma pena: — o dever de ver claro e de falar claro!
João Ameal

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