<$BlogRSDURL$>

terça-feira, julho 26, 2005

FIDELIDADE 

1. Morreu Salazar. Morreu o estadista de génio que durante 40 anos se entregou totalmente ao serviço da Pátria — ao seu progresso, ao seu prestígio, à sua inquebrantável defesa. Morreu o sociólogo, e o pensador que criou uma doutrina, que primou pela verdade dos axiomas, pela clareza das ideias, pela profundidade e extensão das coordenadas e pela universalidade e actividade dos conceitos. Morreu o professor que ensinou em Coimbra e formou élites e fez da sua cadeira do Poder em S. Bento uma constante cátedra de onde foram dadas lições extraordinárias de direito e de filosofia políticas e, sobretudo, de portugalidade e da arte de bem governar e de bem servir. Morreu o homem íntegro, isento e probo, que tudo sacrificou ao cumprimento do seu dever e a uma concepção escolástica da vida.
2. Ainda sob o império da emoção e na actualidade dos factos que ilustram um governo e uma vida, não é possível fazer um juízo sereno e isento — pelo menos que seja assim entendido — do estadista, do sociólogo, do professor e do homem que foi Salazar.
Mas penso que, por evidente, não é difícil nem apaixonado ligar o nome de Salazar, desde já e definitivamente, a três factos incontestáveis: a estabilização financeira; o prestígio do Estado; a defesa do Ultramar.
Sobre a obra financeira escreveu Marcello Caetano, em 1933: «A obra financeira do Dr. Salazar é hoje em Portugal uma realidade irrecusável. Negá-la é negar a evidência. Só a cegueira voluntária a não descortina. Só a mesquinhez de espírito a não sente e dela se não orgulha. Se Portugal se redime e exalta — deve-o ao trabalho obscuro e lento daquele cujos primeiros anos de governo passaram entre dificuldades incalculáveis na luta contra a desordem financeira que se tornara constitucional. Venceu-se a luta. E a vitória, aparentemente restrita ao domínio puramente técnico, — simples subjugação aos algarismos — revelou-se afinal o ponto de um povo...».
O prestígio do Estado resultou de uma profunda reforma de estruturas, desde a raiz ao cume, cujas linhas mestras constam da Constituição de 1933, que constitui documento ímpar de lucidez e de realismo políticos, com a semi-rigidez suficiente para resistir — como já resistiu e há-de resistir ainda no futuro — às contingências do tempo e à instabilidade dos homens.
A síntese da concepção do Estado, no pensamento de Salazar e que se reflectiu na Constituição e influiu em toda uma época, recheando-se de efectivar com outros princípios, está feita nestas palavras lapidares, extraídas do discurso pronunciado na sala do Conselho de Estado, em 30.07.1930: «Na crise de autoridade que o Estado atravessa, dar-lhe autoridade e força para que mantenha imperturbável a ordem sem a qual nenhuma sociedade pode manter-se e prosperar; organizar os poderes e funções do Estado de forma que se exerçam normalmente, sem atropelo ou sem subversões; não coartar ao Estado a livre expansão das actividades que se movem e actuam no seu seio, senão no que seja reclamado pelas necessidades de harmonia e coexistência social; definir os direitos e garantias dos indivíduos e das colectividades e estabelecê-los e defendê-los de tal modo que o Estado os não possa desconhecer e os cidadãos os não violem impunemente — isto é liberdade.
Arrancar o poder às clientelas partidárias; sobrepor a todos os interesses o interesse de todos — o interesse nacional; tornar o Estado inacessível à conquista de minorias audaciosas, mas mantê-lo em permanente contacto com as necessidades e aspirações do País; organizar a Nação, de alto a baixo, com as diferentes manifestações da vida colectiva, desde a família aos corpos administrativos e às corporações morais e económicas, e integrar este todo no Estado, que será assim a sua expressão viva — isto é dar realidade à soberania nacional.
Ter bem presente no espírito que os homens vivem em condições diferentes e que esse facto se opõe, por vezes, a que seja uma realidade a sua igualdade jurídica; proteger o Estado de preferência aos pobres e aos fracos; fomentar a riqueza geral para que a todos caiba ao menos o necessário; multiplicar as instituições de assistência e de educação que ajudem a elevar as massas populares à cultura, ao bem-estar, às altas situações da Nação e do Estado; manter não só abertos, mas acessíveis, todos os quadros à ascensão livre dos melhores valores sociais — isto é amar o povo, e se a democracia pode ainda ter um bom sentido, isto é ser pela democracia».
Em 1930, Salazar previu e realizou, assim, uma perspectiva moderna do Estado, forte e social, que hoje se aceita por quase toda a parte como a mais própria para realizar o bem comum da polis que é, afinal o fim último e rentável da política.
A defesa do Ultramar resultou de um imperativo de ordem histórica e constitucional mas, acima de tudo, de um acto de lucidez e de inteligência.
Explica-o o próprio Salazar, em 13.04.1966, ao dirigir-se aos representantes de Angola, nestas significativas palavras: «Quisera relembrar uma simples frase proferida de Lisboa, em igual dia de há cinco anos, em momento trágico da nossa vida em Angola por cuja defesa o Governo entendeu ser imperioso lutar rapidamente e em força. Estas duas estavam longe de ser mera expressão literária: traduzindo na verdade uma política, elas eram, antes de tudo, uma séria decisão de Governo. Tal decisão não nasceu de revolta sentimental: era fruto de reflexão longamente amadurecida que nos englobava a nós e a todos os povos de África».
Essa política — aberta a todas as soluções que não colidissem com a unidade nacional — é, em síntese, a política de integrar todos os territórios e povos em uma única comunidade, multirracial e pluricultural e de garantir, em todas as circunstâncias, a sua evolução natural e pacífica, de administrar bem os territórios e de promover a sua máxima expansão; de defender os povos da barbárie do terrorismo e da alienação do neocolonialismo; de não admitir, de forma alguma, a interferência de terceiros nos seus negócios internos, no uso do direito de autodeterminação que nos assiste; de criar e de preservar as necessárias condições para que os povos realizem o seu destino com independência e para que os territórios progridam sem soluções de continuidade e sem hipotecas aviltantes; de constituirmos na África um exemplo de ordem, de sociedade hierarquicamente organizada, de prolongamento civilizacional da Europa e de descolonização que visa, acima de tudo, a paridade das etnias, a igualdade dos direitos e de oportunidades, a simbiose das culturas, a interdependência dos territórios e a complementaridade dos recursos e dos bens.
Essa política é a única política capaz de servir os reais interesses de Portugal, da Europa e da África.»
Continuá-la será, também, um acto de lucidez e de inteligência; é o maior dever que incumbe às gerações presentes e futuras e a mais efectiva homenagem que a Nação poderá prestar a Salazar que viveu e morreu com o pensamento sempre posto nas possibilidades imensas da Comunidade Lusíada — diversificada e desenvolvida mas sempre una e indivisível.
3. «Sou um homem independente. Sou, tanto quanto se pode ser, um homem livre. Pude esclarecer-me. Fui humano. Pude servir. Pude comparar. Gozo do raro privilégio do respeito geral».
São palavras ditas por Salazar quando pretendia provar que podia, «sem ambições, sem ódios, sem parcialidades, na pura serenidade do espírito que procura a Verdade e da consciência que busca o caminho da justiça», fazer um depoimento, «depoimento sincero e, se não convincente, ao menos vivido e desinteressado».
Foi um homem independente porque ganhou o Poder por mérito e não por influência de clientelas, de conspirações ou de votos. Foram convidá-lo a Coimbra onde ensinava Economia Política. Não aceitou, de início, mas acabou por ceder, depois de sua mãe lhe ter dito que não devia negar-se. Por isso, subiu as escadas do Ministério das Finanças, tornando delas a descer quando concluiu não estar ainda a administração pública livre e partidária. E só voltou ao ter a certeza da confiança da grei para reconstruir o país e edificar um Estado Novo.
Sendo independente foi também um homem livre. Livre para se dedicar ao cumprimento integral do dever; para pôr, acima de tudo, a Verdade; para exigir, primeiramente, de si o que gostaria de exigir aos outros; para renunciar aos prazeres e às honras da vida e para se sacrificar pelo bem comum.
Independente e livre, serviu com a plenitude das suas virtudes, da sua capacidade intelectual, da sua grandeza de alma e de intenções, da sua mente sólida e ponderada, da sua estrutura portuguesa e cristã, das suas atitudes, da sua simplicidade, do seu querer e do seu poder. Serviu com o clarividente e são pensamento que se transformou em actividade febril, plasmada em realizações medidas por horas de trabalho árduo e perseverante.
Serviu e a prová-lo fica uma obra que merece o reconhecimento e o aplauso de portugueses e de estrangeiros.
Tudo resultou da formação, do estudo e do esclarecimento que guardou do tempo em que viveu com seus pais; em que esteve no Seminário; em que permaneceu no Colégio da Via Sacra; em que foi aluno, Assistente e Catedrático da Universidade de Coimbra.
Formação, estudo e esclarecimentos processados à luz das certezas católicas e com uma vocação psico-analítica pouco comum que o habituou a distinguir o imutável do mutável, o permanente do efémero e o essencial do acessório.
Ser-se humano sob a soberania do espírito, é difícil, e além de ser difícil, é virtuoso pelo que impõe de humildade, de autodisciplina e de supremacia dos valores transcendentes. Assim foi Salazar que nasceu, cresceu e amadureceu em um ambiente de desordem e de dúvida; de tensão e de perigos permanentes; de demagogia e de ódios. Assistiu a revoluções, a quedas constantes de ministros, à substituição de regimes, a assassínios de Reis, de Príncipes e de Presidentes. Sentiu o brio nacional, a capacidade criadora dos portugueses, a própria sobrevivência de Portugal, ameaçados por incontroláveis paixões, pela hipoteca financeira, pela ruína económica, por divisões estéreis e pela anarquia generalizada.
O panorama actual é de paz nas ruas e nas consciências; de trabalho e de aproveitamento dos recursos; de finanças sólidas; de obediência à autoridade constituída; de hierarquia e de disciplina; de harmonia dos interesses; de consciência e de competência administrativas; de prestígio das instituições; de culto pelo passado e de respeito pela herança que nos legou.
Pôde, por isso, comparar e, ao mesmo tempo reivindicar para si, o mérito da mudança.
Por tudo, Salazar gozou do raro privilégio do respeito geral, àquem e além fronteiras. Mesmo os que se lhe opuseram e os que, por despeito ou ambição, o discutiram, reconhecem em público ou no silêncio das consciências, a probidade, a coragem e a coerência mantidas, sem quaisquer desalentos, por um estadista, um sociólogo, um professor e um homem, constantemente fiel à sua Pátria e a si mesmo.
L. F. de Oliveira e Castro
(In Política, n.º 14/15, 15/30.07.1971, pág. 11)

0 Comentários
Comments: Enviar um comentário
Divulgue o seu blog! Blog search directory

This page is powered by Blogger. Isn't yours?