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quarta-feira, julho 27, 2005

MAIS UMA AMPOLA (BEBÍVEL) DE HISTÓRIA DO FASCISMO 

Quando António Ferro, naquela já hoje distante década de Vinte, perguntou a Mussolini se o partido fascista era um partido conservador, o italiano explicou-lhe:
"O Fascismo é um movimento espiritual e político absolutamente inconfundível com velhas categorias e absolutamente estranho a velhas classificações de conservantismo e de liberalismo. O Fascismo é uma expressão original do povo italiano. Quem desejar entendê-lo tem de abandonar todas essas fórmulas senis e observá-lo, directamente, no quadro da história italiana. O Fascismo deseja restituir à Itália as suas tradições perdidas. Entretanto, o fascismo não quer, de modo algum, uma Itália contemplativa, uma Itália de ruínas. A Itália viveu ontem. Vive hoje. Viverá amanhã. Viverá sempre."
Para além do que há de meramente declamatório na resposta do chefe do governo italiano, este marcou um sentido que era realmente novo, que ultrapassava os moldes fixados pelo parlamentarismo novecentista. Conservantismo e progressismo, liberalismo e ultramontanismo, revolução e reacção, até mesmo direitas e esquerdas, são expressões que, para o nacionalista Mussolini, deixaram de ter sentido.
Não se perdia o chefe italiano em testilhar doutrinas. Ele atém-se aos factos, às realidades. Foi uma realidade social da mais importância - a Nação - que reuniu os intervencionistas italianos contra a turba vociferante dos socialistas. Para estes a realidade é a classe e as nações não passam de formas de domínio inventadas pela classe exploradora. Não tinha vindo ainda o tempo em que os partidos socialistas se atreveriam a invocar mitos de patriotismo e de independência nacional...
Foi, pois, a realidade nacional que trouxe aos fasci de acção revolucionária as simpatias de sectores tão amplos como os dos nacionalistas, monárquicos ou republicanos, e o dos moços que se exaltavam no sonho de integrar na Nação Italiana as terras irredentas, cujo destino era discutido em Paris por uns velhotes pantafaçudos. Este movimento alternativo de uma Itália jovem e revolucionária encontrava nos meios literários e artísticos uma correspondência no futurismo, chefiado por Marinetti.
Em 1919 os acontecimentos impuseram outra fase de actuação: a corrosão dos velhos partidos exigia caminhos novos. Não bastava já que o Popolo d’Italia insistisse em que a classe operária não poderia prescindir da Nação e que nos quadros desta é que deveria organizar-se e defender os seus interesses, o destino comum. Em Março, convoca-se um congresso para Milão. Ali se anuncia a criação dum antipartido não só contra o conteúdo doutrinário dos outros partidos, mas também contra estes como partidos. Ali foi criado em 23 de Março o primeiro Fascio di Combattimento.
Os acontecimentos seguintes ajudarão a formar a imagem do novo movimento político:
Em meados de Abril de 1919, assalto ao jornal Avanti. Em Maio, D'Anunzio discursa em Campidoglio e em Setembro lança-se na aventura empolgante de Fiúme.
Em Novembro, eleições. O movimento dos fasci obteve uns escassos milhares de votos. Está no poder um governo presidido por Nitti, que em meados de 1920 será substituído por outro chefiado por Giolitti. Setembro de 1920. Agrava-se a situação social. Motins. Ocupações de fábricas pelos operários. Violências selvagens. A população pacífica entra em pânico. Os capitais vão fugindo para o estrangeiro. No meio da desordem, grupos parlamentares irrequietos e ávidos procuram aproveitar-se da decomposição e agravam-na.
Por essa altura, Lenine censura os camaradas italianos por terem deixado fugir um homem como Mussolini.
Em Março de 1921 surge a revista Gerarchia, dirigida por Mussolini. Em Novembro, no congresso de Roma, já se fazem representar 2200 fasci com 310000 inscritos. Dois anos antes, no congresso de Florença estiveram representados apenas 22 fasci e 17000 filiados.
Surge assim, como consequência necessária das circunstâncias, o partido fascista com o propósito já não somente de intervir, mas de governar o País. Concorre às eleições de Maio, numa campanha de propaganda agitadíssima, em que os outros partidos tentam dominar os fascistas pela violência. Estes recebem ordem do comité central dos fascios: represálias imediatas e inexoráveis. Conseguem 35 lugares no parlamento. Recusam-se a assistir à sessão de abertura, que teria a presença do Rei. Na sessão seguinte, tomam lugar, corajosamente, nos lugares da extrema-direita, onde até então (porque o comunismo dominador sempre soube utilizar a arma do medo) ninguém ousava sentar-se.
Mussolini, deputado, faz um discurso surpreendente: "Desde já vos digo, e com o desprezo supremo que tenho por todas as etiquetas, que o meu discurso vai defender teses revolucionárias. Com os comunistas, que falam nas suas ditaduras proletárias, nas suas repúblicas soviéticas mais ou menos federais e nos seus absurdos mais ou menos inúteis, não pode haver entre eles e nós senão combate." Com os socialistas já o caso é diferente: distingue entre o movimento operário e o partido político. Respeita a Confederação Geral do Trabalho vítima das manobras do partido socialista oficial, mas opõe-se a todas as tentativas de colectivização, de socialização. Nega que haja apenas duas classes: há até muitas mais... Mas repele o internacionalismo, pois é um luxo que só as classes abastadas se podem permitir, enquanto o povo fica desesperadamente agarrado à sua terra natal. Define a posição do Fascismo perante a Igreja: “Nós não incendiamos igrejas nem combatemos a religião, nem pedimos o divórcio; nós vemos no catolicismo a tradição de Roma, e na autoridade que se senta no Vaticano a única ideia universal do Mundo. Se o Vaticano renuncia a Roma, nós lhe daremos os meios necessários para as suas igrejas e para a sua actividade benfazeja. Nós vemos no destino do Catolicismo o destino de Roma."
Há aqui, verdadeiramente, a fase final nacionalista da luta de Garibaldi. A Itália é una, e nela todo o poder temporal é o do Estado italiano, que retoma o facho da velha Roma. A Roma o que é de César; à Igreja respeitada os caminhos livres da Fé e da Caridade. Eis portanto o primeiro conceito de identificação do Fascismo: a Roma imperial. Não a dos museus e das ruínas, mas a da projecção em novos destinos de grandeza.
Mussolini haveria mesmo de escrever: Roma è il nostro mito.
Continua entretanto a corrupção da partidocracia. É impossível o País continuar no declive daquela decadência. O partido tem de intervir. Em 26 de Outubro de 1922 é expedida aos fascios a ordem secreta de mobilização para a marcha sobre Roma. Em 27 o Rei aceita a demissão do gabinete Facta, mas tenta logo a seguir a habilidade: um ministério Salandra-Mussolini. Este recusa. Não aceita misturas. Em 29 é encarregado de formar governo. Só dois dias depois, porém, assina a ordem de desmobilização dos camisas pretas. Continuava a não ter um sistema ideológico. Afirmava-se como um movimento de democracia autoritário e nacional, representando na história da política italiana uma síntese entre os princípios da economia liberal e as novas forças do mundo operário que a partidocracia utilizava em proveito dos seus políticos.
Se o Fascismo é inicialmente e historicamente um movimento socialista e patriótico, se ele mesmo se define como democracia autoritária, como há-de tal ser caracterizado como objecto cominado por socialismos e democracias, ainda que estas o sejam só no nome?
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 109, 13 de Julho de 1978)

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