terça-feira, julho 26, 2005
OLIVEIRA SALAZAR E AS GRANDES COORDENADAS
Cedo Salazar tratou de precaver-nos contra a tremenda eventualidade de, um dia, nos vir a sair ao caminho, e a calhar na rifa, algum Marcelo, algum Spínola ou exemplares da mesma — e, até, de muito pior — espécie. (Os chamados casos patológicos da nossa zoologia política...)
Só assim, aliás, se explica que date logo de 1934 um dos mais prescientes e intencionais comentários que ele teceu a tal respeito — e que o mesmo vá dirigidinho, com todas as letras e com todas as vírgulas, a quem a gente muito bem sabe!...
Na oportunidade, avançava de lá o nosso antigo Chefe do Governo: «Estranho que os homens de grande responsabilidade, para afastarem perigos iminentes, se tenham disposto a aceitar o bem-fundado de princípios de que hão-de nascer grandes dificuldades futuras».
«Tem muita força quem tem razão e quem não dá, contra si mesmo, razão aos outros», reforçaria, lapidarmente no ano seguinte.
Em 1960, e ainda dentro da mesma linha — da mesma linha recta — de orientação, ei-lo que sublinha quão «mal avisados andaríamos agora a inovar práticas, sentimentos, conceitos, diversos dos que foram o segredo da obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro».
Três anos volvidos, e ao mesmo Salazar vá de ir ainda muito mais longe, em ordem a essa autêntica petição de princípio — reiterada, por ele, a cada passo. Então já para o estadista «a questão é saber se os dirigentes podem propor e aconselhar à Nação mudar a sua mesma estrutura pela pressão de razões estranhas ao seu próprio ser, e se as modificações estruturais, mesmo quando aceites pelos povos, são para seu bem. O que se impõe aos governantes — estabelece e esclarece, por sua conta e risco, o insigne dirigente — há-de ser em cada momento encarado à luz do sentimento nacional e do interesse da grei; de modo algum por sujeição a desígnios que a um e a outro se opõem».
No seu espírito lusíada, esta inteira submissão aos mais fundos arcanos, vocacionais e orgânicos, e aos mais altos arquétipos da alma lusíada; esta invariável observância e este quase religioso acatamento dos grandes parâmetros sócio-morais, que mais intrínseca e lidimamente nos consubstanciam e conformam; esta sua profunda e tão atenta e vigilante auscultação, de sempre, ao coro das raízes que ditaram, e determinaram tudo aquilo que somos de melhor, e que, em definitivo, não podemos nem deveremos deixar de ser — tem a força poderosa e imperativa de um guião, e constitui directriz que nunca Salazar perde a vista, mormente quando legisla. Para si, todo e qualquer diploma de expressão normativa e condutora — a começar, muito naturalmente, pela fórmula constitucional — «não é (...) mais que a declaração de um estado de consciência estratificado em séculos de História».
Quer isto dizer que a prioridade da sinalização espiritual de um Povo, e do seu génio e predisposição anímica, sobre a formalidade da letra, é sempre, para ele, total e absoluta: «Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional» — vincava, ingloriamente, o glorioso governante, em 1937.
Mas não conheço trecho tão marcadamente definidor do nosso carácter colectivo, como aquele que saiu da clarividência do seu punho, num belo dia de 54. — Historicamente, que somos nós, depois de feitas todas as contas ao solo e ao sangue?
Experientemente, ponderadamente, Salazar responde: «Nós somos, apesar da relativa vastidão do nosso Ultramar» — que Moscovo haja! — uma pequena nação homogénea e razoavelmente estruturada, que há bastantes séculos tem consciência dos respectivos limites territoriais e humanos, de onde vem talvez a energia com que procura defender os seus e o escrúpulo com que respeita os alheios. A modéstia não nos inibe também de falar, porque a razão não depende do número e a justiça não varia com o valor material das causas». — «E não é que, pretensiosamente, nos ponhamos em bicos de pé para nos verem», pontualizava ele alegando de pronto: «outros se sentem obrigados a atribuir-nos importância real».
Não vai longe o tempo em que éramos, realmente, coisa que se via!...
Perante este sólido conjunto de razões, nada mais lógico, portanto, que Salazar considere que: «Portugal não pode, com a ligeireza corrente, professar princípios que seriam agentes de dissociação e de quebra da sua integridade — no fundo, a negação de si próprio, sem vantagens visíveis mais que para terceiros (porque há sempre neste mundo vário», observaria ele, «quem esteja disposto a colher os frutos das tolas filosofias alheias)». Como lindamente se viu... Assim, a União Soviética foi a grande contemplada!
Spínola e adventícios: os tontinhos utilíssimos do costume...
Esta a moral da História.
Revertendo entretanto ao ano-chave de 1950, avisadamente lembremos aqui o dia em que Salazar entende, e muito bem, que é chegado para ele o momento de advertir, entre outras coisas de validade universal, que bem «melhor iria o Mundo se (...) apreciasse com justiça o processo histórico da colonização que, em virtude de circunstâncias especiais ou vocação assinalada, faz parte integrante da vida e missão de algumas nações. Isso seria mais meritório do que empenhar-se em dividir ou anemizar soberanias, que tudo são processos de enfraquecer pontos de apoio do “(mesmo)” Mundo». E rematava: «Ao fazermos o nosso exame de consciência — nós velho povo colonizador, com mais humanitarismo prático que o que escorre do idealismo de alguns cenáculos (...) — temos a orgulhosa sinceridade de nos ufanar (...) e de concluir que, mesmo quando precisemos de ajudas, podemos dispensar tutelas».
Oxalá pudéssemos nós dizer o mesmo a estas horas!
Finalmente, e já em pleno 61, tem o mesmo Salazar este imparável desabafo, quando exclama: «Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse (...) distinguir melhor a colonização do colonialismo — a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico, que se dá, dá, e se não dá, se larga». E logo de caminho adiantava, com impressionante justeza, que: «referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».
Só que a perspectiva portuguesa obedecia, de facto, a uma diferente angulação e por bem mais nobres razões de fundo era animada.
Rodrigo Emílio
(In A Rua, n.º 59, pág. 10, 19.05.1977)
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Só assim, aliás, se explica que date logo de 1934 um dos mais prescientes e intencionais comentários que ele teceu a tal respeito — e que o mesmo vá dirigidinho, com todas as letras e com todas as vírgulas, a quem a gente muito bem sabe!...
Na oportunidade, avançava de lá o nosso antigo Chefe do Governo: «Estranho que os homens de grande responsabilidade, para afastarem perigos iminentes, se tenham disposto a aceitar o bem-fundado de princípios de que hão-de nascer grandes dificuldades futuras».
«Tem muita força quem tem razão e quem não dá, contra si mesmo, razão aos outros», reforçaria, lapidarmente no ano seguinte.
Em 1960, e ainda dentro da mesma linha — da mesma linha recta — de orientação, ei-lo que sublinha quão «mal avisados andaríamos agora a inovar práticas, sentimentos, conceitos, diversos dos que foram o segredo da obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro».
Três anos volvidos, e ao mesmo Salazar vá de ir ainda muito mais longe, em ordem a essa autêntica petição de princípio — reiterada, por ele, a cada passo. Então já para o estadista «a questão é saber se os dirigentes podem propor e aconselhar à Nação mudar a sua mesma estrutura pela pressão de razões estranhas ao seu próprio ser, e se as modificações estruturais, mesmo quando aceites pelos povos, são para seu bem. O que se impõe aos governantes — estabelece e esclarece, por sua conta e risco, o insigne dirigente — há-de ser em cada momento encarado à luz do sentimento nacional e do interesse da grei; de modo algum por sujeição a desígnios que a um e a outro se opõem».
No seu espírito lusíada, esta inteira submissão aos mais fundos arcanos, vocacionais e orgânicos, e aos mais altos arquétipos da alma lusíada; esta invariável observância e este quase religioso acatamento dos grandes parâmetros sócio-morais, que mais intrínseca e lidimamente nos consubstanciam e conformam; esta sua profunda e tão atenta e vigilante auscultação, de sempre, ao coro das raízes que ditaram, e determinaram tudo aquilo que somos de melhor, e que, em definitivo, não podemos nem deveremos deixar de ser — tem a força poderosa e imperativa de um guião, e constitui directriz que nunca Salazar perde a vista, mormente quando legisla. Para si, todo e qualquer diploma de expressão normativa e condutora — a começar, muito naturalmente, pela fórmula constitucional — «não é (...) mais que a declaração de um estado de consciência estratificado em séculos de História».
Quer isto dizer que a prioridade da sinalização espiritual de um Povo, e do seu génio e predisposição anímica, sobre a formalidade da letra, é sempre, para ele, total e absoluta: «Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional» — vincava, ingloriamente, o glorioso governante, em 1937.
Mas não conheço trecho tão marcadamente definidor do nosso carácter colectivo, como aquele que saiu da clarividência do seu punho, num belo dia de 54. — Historicamente, que somos nós, depois de feitas todas as contas ao solo e ao sangue?
Experientemente, ponderadamente, Salazar responde: «Nós somos, apesar da relativa vastidão do nosso Ultramar» — que Moscovo haja! — uma pequena nação homogénea e razoavelmente estruturada, que há bastantes séculos tem consciência dos respectivos limites territoriais e humanos, de onde vem talvez a energia com que procura defender os seus e o escrúpulo com que respeita os alheios. A modéstia não nos inibe também de falar, porque a razão não depende do número e a justiça não varia com o valor material das causas». — «E não é que, pretensiosamente, nos ponhamos em bicos de pé para nos verem», pontualizava ele alegando de pronto: «outros se sentem obrigados a atribuir-nos importância real».
Não vai longe o tempo em que éramos, realmente, coisa que se via!...
Perante este sólido conjunto de razões, nada mais lógico, portanto, que Salazar considere que: «Portugal não pode, com a ligeireza corrente, professar princípios que seriam agentes de dissociação e de quebra da sua integridade — no fundo, a negação de si próprio, sem vantagens visíveis mais que para terceiros (porque há sempre neste mundo vário», observaria ele, «quem esteja disposto a colher os frutos das tolas filosofias alheias)». Como lindamente se viu... Assim, a União Soviética foi a grande contemplada!
Spínola e adventícios: os tontinhos utilíssimos do costume...
Esta a moral da História.
Revertendo entretanto ao ano-chave de 1950, avisadamente lembremos aqui o dia em que Salazar entende, e muito bem, que é chegado para ele o momento de advertir, entre outras coisas de validade universal, que bem «melhor iria o Mundo se (...) apreciasse com justiça o processo histórico da colonização que, em virtude de circunstâncias especiais ou vocação assinalada, faz parte integrante da vida e missão de algumas nações. Isso seria mais meritório do que empenhar-se em dividir ou anemizar soberanias, que tudo são processos de enfraquecer pontos de apoio do “(mesmo)” Mundo». E rematava: «Ao fazermos o nosso exame de consciência — nós velho povo colonizador, com mais humanitarismo prático que o que escorre do idealismo de alguns cenáculos (...) — temos a orgulhosa sinceridade de nos ufanar (...) e de concluir que, mesmo quando precisemos de ajudas, podemos dispensar tutelas».
Oxalá pudéssemos nós dizer o mesmo a estas horas!
Finalmente, e já em pleno 61, tem o mesmo Salazar este imparável desabafo, quando exclama: «Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse (...) distinguir melhor a colonização do colonialismo — a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico, que se dá, dá, e se não dá, se larga». E logo de caminho adiantava, com impressionante justeza, que: «referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».
Só que a perspectiva portuguesa obedecia, de facto, a uma diferente angulação e por bem mais nobres razões de fundo era animada.
Rodrigo Emílio
(In A Rua, n.º 59, pág. 10, 19.05.1977)
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