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sexta-feira, julho 29, 2005

Quinta e última achega para a história do Fascismo 

Nos tempos difíceis que precederam a Segunda Grande Guerra, Mussolini fez o possível para evitar o conflito. Depois, abertas as hostilidades, todo o seu trabalho consistiu em conservar a Itália fora da contenda. Os alemães aceitaram o pretexto de que o país não estava preparado, após as campanhas de África, para uma guerra na Europa. Exigiram, porém, em troca, três condições: a neutralidade não seria declarada antes de se romperem as hostilidades, a Itália faria ostensivamente preparativos militares - isto para reter tropas francesas e inglesas de prevenção contra Roma - e mandaria trabalhadores italianos para a Alemanha, a fim de substituírem os operários que iam sendo chamados às fileiras.
Tal jogo aguentá-lo-ia o Duce enquanto pudesse. Mas chegou uma altura em que lhe foi forçoso mesmo juntar-se ao alemão. E a Itália entrou na guerra quando já cria o aliado vitorioso.
Inesperadamente, a roda da fortuna começou a desandar - e sabe-se o que sucedeu. Prevista a derrota do Eixo, o Grande Conselho Fascista depõe Mussolini, que pouco depois é preso. O rei chama Badoglio para constituir governo, capitular diante dos aliados e logo a seguir juntar-se a estes contra os alemães.
O germano, entretanto, ocupa a Itália, consegue libertar Mussolini e este funda ainda, no Norte, a breve República Social Italiana. O desembarque dos aliados, porém, faz refluir os alemães. Mussolini é morto pelos comunistas e o corpo exposto com requintes de selvajaria.
Cabem aqui uns esclarecimentos sobre a atitude do Duce quanto aos alemães.
Primeiramente, ele convencera-se de que Hitler obteria fatalmente o Anschluss, até pelas cumplicidades que tinha dentro da própria Áustria: "Ele (Hitler) quer a Áustria e tê-la-á, sobretudo sendo eu sozinho a marchar sobre o Brenner. Os outros tinham também obrigação de mostrar um bocadinho de interesse pela Áustria e pela bacia do Danúbio..."
Depois, a máquina de guerra que ele vira na sua visita a Berlim em 1937 era de um funcionamento perfeito. E o chefe que o esperara naquela capital era impressionante de força e de eficiência. Não se comparava já ao homenzinho desajeitado e ridículo que um dia fora visitá-lo a Itália.
Além disso, Mussolini pensou até 1940 num plano com a Alemanha, unicamente defensivo, sem nenhum objectivo militar imediato e sem nenhuma ideia de agressão. Visava apenas a formação de um bloco de nações verdadeiramente poderosas que pudessem facilmente convencer Moscovo a limitar o campo de acção ao seu território nacional. A Itália e a Alemanha representavam o mundo latino e o mundo germânico. A sua missão era defender a civilização europeia e cristã de toda a infiltração bolchevista e ateia. Sem intuitos bélicos, agora que já tinha o seu império constituído, pretendia que os ocidentais não comunistas fossem perante a URSS um interlocutor pacífico, mas válido pela força dos seus exércitos. De certo modo, aquilo que as democracias vieram mais tarde a fazer com a OTAN.
Não há dúvida, todavia, de que jogou na carta errada - e perdeu. Não significa isto que tudo esteja hoje esclarecido sobre a política externa do fascismo. Na pasta que acompanhava Mussolini quando o apanharam junto ao lago Como, onde o mataram, haveria documentos altamente esclarecedores. Onde foram parar? Aos serviços secretos ingleses? Aos americanos? Aos russos? Onde?
Até aqui os eventos. Convém agora um escorço das linhas gerais do fascismo. Evito a expressão fascismo italiano, porque os vários movimentos, conducentes a regimes de autoridade, que depois apareceram na Europa e nas Américas, eram na sua generalidade essencialmente diferentes da revolução italiana: e certas similitudes exteriores são meras aparências.
No fascismo, a primeira nota dominante. como já dissemos, foi o primado da acção, claramente afirmado pelo próprio Mussolini, ao rebater objecções que lhe foram apresentadas:
"É inútil discutir sobre a oportunidade do sindicalismo; como sempre, o facto no Fascismo precede a doutrina."
Certo, para enfrentar os desmandos da partidocracia a que dera combate, o chefe italiano poderia ter recorrido aos mestres da Contra-Revolução desde Burke, de Bonald e De Maistre até ao alemão Frederic von Gentz. Mas ele não era um contra-revolucionário. Era um revolucionário que poderia aceitar eventualmente algumas teses contra-revolucionárias, se estas se enquadrassem nos seus objectivos de realização prática e nas suas preocupações de eficiência - o que é diferente.
Aceitava, por exemplo, do que se convencionara a Direita, o sentido da autoridade – como aliás o faria o comunismo quando resolveu assentar os pés na terra.
A doutrina fascista - escreveria Mussolini mais tarde - não fez de De Maistre seu profeta: o absolutismo monárquico passou. Porque as doutrinas são sempre abstracções, mais ou menos variáveis, como as modas. Ora: as doutrinas políticas passam, o povo fica. E acrescentou: "que uma doutrina nova pode utilizar os elementos vitais de outra doutrina é perfeitamente lógico. Nenhuma doutrina nasce toda nova, luminosa, jamais vista. Nenhuma doutrina pode orgulhar-se de uma originalidade absoluta." Ao aceitar, pois, o sentido unitário da Itália de Cavour e Garibaldi, o nacionalismo de Corradini, o tradicionalismo do Império Romano, o sindicalismo moderno, o fascismo fazia uma integração de valores dispersos num conjunto capaz de execução.
Mas uma doutrina social exige sempre parâmetros na ordem moral. No comunismo, a moral é definida e limitada pelo interesse do partido. Nas sociedades cristãs, são estas limitadas pela moral de que a Igreja é depositária. E no fascismo? É Mussolini quem responde:
"O Estado não tem uma teologia, mas tem uma moral. Não cria um deus, como o fez a Convenção com Robespierre, e como o fez o Comunismo. O Fascismo respeita o deus dos ascetas, dos santos, dos heróis e o deus como é visto no coração ingénuo e primitivo do povo."' Para além disto, "o Estado Fascista é uma vontade de força e de Império. A tradição romana é para ele uma ideia-força. É imperialista e não renunciatista. Ressurge de séculos de abandono e de servidão estrangeira":
Este orgulho nacionalista levava naturalmente à concepção de um tipo humano heróico, que o Fascismo tentaria incluir na sua concepção de Estado:
"O homem do fascismo é indivíduo, é nação e é pátria, conjugando em si indivíduos e gerações numa tradição e numa missão que anula o instinto da vida encerrado na roda breve do prazer, para instaurar no dever uma vida superior, livre das limitações do tempo e do espaço: uma vida na qual o indivíduo, pela abnegação de si mesmo, pelo sacrifício dos seus interesses particulares, pela própria morte realiza a existência toda espiritual em que consiste o seu valor de homem."
Mussolini considerava esta imagem do homem como "espiritualista antipositivista, mas positiva; uma concepção religiosa e uma concepção histórica”. Para o fascista, porém, tudo está no Estado e nada de humano ou de espiritual existe fora do Estado. Em tal sentido, o fascismo é totalitário e "o Estado Fascista é síntese e unidade de todo o valor, interpreta, desenvolve e potencia toda a vida do povo". É contra o socialismo e o sindicalismo classistas. Mas "na órbita do Estado ordenador, as reais exigências que deram origem aos movimentos socialista e sindicalista, quere-as o fascismo reconhecidas e fá-las valer no sistema corporativo dos interesses conciliados na unidade do Estado".
Nestes aguiamentos de acção, visando antes do mais Roma e a sua grandeza, conseguida através da fortaleza do Estado, perante o qual o inimigo se apouca, Mussolini não se confunde com os teóricos da Contra-Revolução, para quem a Nação e o Estado não são valores absolutos, mas elementos de uma ordem moral. O homem fascista engrandece-se moralmente, sem se despersonalizar, mas submetendo voluntariamente o destino terreno da personalidade aos superiores interesses do Estado.
Ernst Nolte nota, no seu “Faschismus in seiner Epoche”, que o fascismo é, mais do que uma política, um fenómeno filosófico. Daí a dificuldade, senão inutilidade de combatê-lo por meios políticos - que são normalmente os únicos que os políticos conhecem. Os políticos de hoje, os de ontem, os de sempre...
O fascismo é um fenómeno filosófico - concepção de vida, normas éticas consequentes - que tem de ser considerado cuidadosamente. Não podemos contentar-nos com a definição fixada pelo XIII Plenário do Comité Executivo da Internacional Comunista em 1933: "O fascismo é a ditadura terrorista declarada dos elementos mais reaccionários, chauvinistas e imperialistas do capital financeiro." Muito menos, claro está, com as definições do Prof. Pereira de Moura...
O professor alemão está certo: embora nascido na política, o fascismo é sobretudo uma filosofia. É um sentido e um estilo de vida. A Roma imperial, um Estado forte, totalitário e dominador exigem homens voluntariamente integrados nos fins superiores da comunidade que o Estado comanda. Com eles temos o primado do espírito de luta, de iniciativa, de realização, de sacrifício; a exaltação da juventude; o amor da aventura, do risco, dos grandes horizontes, da vida vivida em plenitude; a exigência da organização, da hierarquia e da disciplina; um gosto de vida actuante, esperançada, generosa, entusiasta.
“As doutrinas políticas passam, o povo fica”. Para entender o fascismo é indispensável começar por entender este aforismo de Mussolini.
BARRADAS DE OLIVEIRA
(A Rua, n.º 111, 27 de Julho de 1978)

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