domingo, julho 31, 2005
SERVIÇO E MISSÃO
Há frases que são como chaves ou orientação. Há frases que são divisa e norma de vida, que são expressão de toda uma atitude, significado de todo um universo. Por isso, devemos tê-las sempre presentes, repeti-las mil e umas vezes, trazê-las sempre na memória, no afecto, na acção, martelá-las constantemente para que as gentes se repassem delas. Uma dessas frases iluminadoras e criadoras é a afirmação de Nietzsche: «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos».
Nesta hora confusa e turbulenta, nesta época demissionária e mentirosa, neste globo enlouquecido e tomado pela inversão de valores, nós precisamos de avançar, firmes, e tornarmo-nos conscientes de que «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos».
Podem vir os comunistas, os materialistas dialécticos, as gentes da moda, as multidões como carneiros, podem vir falar-nos no sentido da História, na fatalidade, na irresistível marcha de um progresso materialista e subjugado às forças económicas. Nós sabemos que, contra a força da matéria, triunfará a força do espírito, sabemos que, contra a fatalidade da economia ou da moda ou duma avalanche de acontecimentos, se levanta o comunicante e criador fogo do ideal e da vontade, sabemos que, contra a bruta imposição da quantidade, surge, a resistir-lhe ou a transformá-la e orientá-la, a qualidade. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Parecerá loucura não cedermos aos ventos da moda e aos tristes sinais dos tempos. De facto, Portugal parece estranhamente deslocado num globo tal como vai, estranhamente antiquado numa época de progressismo, de abandono e de libertações apressadas. O raro exemplo que damos ao mundo é coisa escandalosa, singular empresa. Mas nós não cedemos à maioria nem às afirmações de fatalismo, não cedemos a esta moda estúpida, nem à onda avassaladora que ordena à civilização que se demita. Estamos numa encruzilhada da História. Talvez estejamos às portas duma nova invasão de bárbaros, talvez seja o termo da nossa Idade Moderna, pois que, como no fim do império romano, os herdeiros da civilização andam, amolecidos, gozadores e cobardes, a lisonjear a barbárie e a abastardar as antigas virtudes. Talvez a Europa, o Ocidente, fiquem, de novo, presa dos infiéis. Mas nós, como Covadonga, resistiremos. A nossa vontade e a nossa fé triunfarão por fim. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Reune-se contra nós uma barafunda confrangedora: barulhentas gralhas, pegas ladroeiras, tigres sanguinolentos, ridículos saguis, cobras rastejantes, panteras traiçoeiras, crocodilos de lágrimas fingidas, asnos muito asnos, avestruzes que metem a cabeça no chão, escorpiões que envenenam com a cauda. É um pandemónio. É uma gritaria. É um nojento coro de hipócritas indignações. Povos meio selvagens arrogam-se o estandarte da civilização. Gentes em guerra fratricida temem pelas ameaças à paz. Esmagadores de populações patrióticas e quase indefesas falam em afirmação dos direitos. Aprisionadores de nações elogiam a autonomia e a liberdade. Estados onde há escravatura esganiçam-se pela dignidade humana. Plutocráticos exploradores dos países chamam-nos imperialistas, a nós. E eles o que são? Hipócritas e mentirosos, assassinos e tiranos. Ei-los em chinfrineira atroadora, num tropel ameaçador. Mas nós não desistimos. Não nos entregamos à corrente despenhada, à balbúrdia. Porque «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos». A nossa vontade poderá mais do que a multidão insana, saqueante e suicida. O mundo, como a História, é uma criação humana, uma criação do espírito. Não é um produto da matéria bruta. É a revelação de Deus.
Noutras épocas, demos «novos mundos ao mundo», criámos e difundimos civilização, dilatámos a Fé e o Império. É essa a nossa vocação: serviço. É essa a nossa missão: serviço. Portugal quer servir a causa da humanidade, os valores supremos. Portugal eleva, material e espiritualmente, os povos que descobriu e conquistou, trá-los ao convívio da civilização e da cultura, arranca-os ao estado primitivo e selvagem, desenvolve-os e aumenta-os, consolida-os e dá-lhes fisionomia nacional, portuguesa, integra-os, adopta-os, considera-os filhos como realmente são, porque a alma deles forma-se para a vida das sociedades e do mundo ao bafo criador de Portugal. Portugal sabe que o valor mais alto é a unidade, não a dispersão, e, por isso, em vez de separar os povos de si, vai-os gerando e fazendo crescer no próprio corpo a alma de Portugal. Esses povos descobertos por Portugal não possuem, autenticamente, outra realidade que não seja Portugal. Na História de Portugal se confundem. A História de Portugal não existe sem eles. Cortá-los de Portugal é como quem mutilasse alguém, cortando-lhe braços, dedos, lábios. Eles são Portugal. Arrancá-los de nós é crime contra a nossa Pátria Portuguesa e contra o ideal humano também. Os traidores e os nossos inimigos estrangeiros, a moda e a estupidez, querem criar nações artificialmente, autonomias do que não tem personalidade histórica e civilizadora à parte. Querem interromper a nossa acção civilizadora e o nosso serviço a favor das integrações e da unidade. Querem dispersar, separar violentamente, criar a divisão, fomentar as rivalidades, gerar o ódio e o ressentimento, provocar a inveja, acicatar a revolta, despertar o egoísmo, soltar a subversão. Os ventos da loucura sopram no planeta, os demónios, como nuvem de gafanhotos, tudo toldam e ensarilham. Portugal resiste, porém. Ergue-se, dentre a poeira e a tempestade; como herói, ergue-se, furando a lama e desafiando os projécteis, ergue-se com a face para as alturas. Mais uma vez estamos em minoria e em recursos minguados. Mas Portugal quer dizer serviço e missão. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.» Portugal dará um sentido a mundo. Portugal é Pátria e condutor. Portugal é alma e gloriosa terra herdada. Portugal não pode morrer.
Goulart Nogueira
(In Tempo Presente, n.º 22, págs. 3 a 5, 1961)
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Nesta hora confusa e turbulenta, nesta época demissionária e mentirosa, neste globo enlouquecido e tomado pela inversão de valores, nós precisamos de avançar, firmes, e tornarmo-nos conscientes de que «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos».
Podem vir os comunistas, os materialistas dialécticos, as gentes da moda, as multidões como carneiros, podem vir falar-nos no sentido da História, na fatalidade, na irresistível marcha de um progresso materialista e subjugado às forças económicas. Nós sabemos que, contra a força da matéria, triunfará a força do espírito, sabemos que, contra a fatalidade da economia ou da moda ou duma avalanche de acontecimentos, se levanta o comunicante e criador fogo do ideal e da vontade, sabemos que, contra a bruta imposição da quantidade, surge, a resistir-lhe ou a transformá-la e orientá-la, a qualidade. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Parecerá loucura não cedermos aos ventos da moda e aos tristes sinais dos tempos. De facto, Portugal parece estranhamente deslocado num globo tal como vai, estranhamente antiquado numa época de progressismo, de abandono e de libertações apressadas. O raro exemplo que damos ao mundo é coisa escandalosa, singular empresa. Mas nós não cedemos à maioria nem às afirmações de fatalismo, não cedemos a esta moda estúpida, nem à onda avassaladora que ordena à civilização que se demita. Estamos numa encruzilhada da História. Talvez estejamos às portas duma nova invasão de bárbaros, talvez seja o termo da nossa Idade Moderna, pois que, como no fim do império romano, os herdeiros da civilização andam, amolecidos, gozadores e cobardes, a lisonjear a barbárie e a abastardar as antigas virtudes. Talvez a Europa, o Ocidente, fiquem, de novo, presa dos infiéis. Mas nós, como Covadonga, resistiremos. A nossa vontade e a nossa fé triunfarão por fim. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.»
Reune-se contra nós uma barafunda confrangedora: barulhentas gralhas, pegas ladroeiras, tigres sanguinolentos, ridículos saguis, cobras rastejantes, panteras traiçoeiras, crocodilos de lágrimas fingidas, asnos muito asnos, avestruzes que metem a cabeça no chão, escorpiões que envenenam com a cauda. É um pandemónio. É uma gritaria. É um nojento coro de hipócritas indignações. Povos meio selvagens arrogam-se o estandarte da civilização. Gentes em guerra fratricida temem pelas ameaças à paz. Esmagadores de populações patrióticas e quase indefesas falam em afirmação dos direitos. Aprisionadores de nações elogiam a autonomia e a liberdade. Estados onde há escravatura esganiçam-se pela dignidade humana. Plutocráticos exploradores dos países chamam-nos imperialistas, a nós. E eles o que são? Hipócritas e mentirosos, assassinos e tiranos. Ei-los em chinfrineira atroadora, num tropel ameaçador. Mas nós não desistimos. Não nos entregamos à corrente despenhada, à balbúrdia. Porque «o mundo só tem o sentido que nós lhe dermos». A nossa vontade poderá mais do que a multidão insana, saqueante e suicida. O mundo, como a História, é uma criação humana, uma criação do espírito. Não é um produto da matéria bruta. É a revelação de Deus.
Noutras épocas, demos «novos mundos ao mundo», criámos e difundimos civilização, dilatámos a Fé e o Império. É essa a nossa vocação: serviço. É essa a nossa missão: serviço. Portugal quer servir a causa da humanidade, os valores supremos. Portugal eleva, material e espiritualmente, os povos que descobriu e conquistou, trá-los ao convívio da civilização e da cultura, arranca-os ao estado primitivo e selvagem, desenvolve-os e aumenta-os, consolida-os e dá-lhes fisionomia nacional, portuguesa, integra-os, adopta-os, considera-os filhos como realmente são, porque a alma deles forma-se para a vida das sociedades e do mundo ao bafo criador de Portugal. Portugal sabe que o valor mais alto é a unidade, não a dispersão, e, por isso, em vez de separar os povos de si, vai-os gerando e fazendo crescer no próprio corpo a alma de Portugal. Esses povos descobertos por Portugal não possuem, autenticamente, outra realidade que não seja Portugal. Na História de Portugal se confundem. A História de Portugal não existe sem eles. Cortá-los de Portugal é como quem mutilasse alguém, cortando-lhe braços, dedos, lábios. Eles são Portugal. Arrancá-los de nós é crime contra a nossa Pátria Portuguesa e contra o ideal humano também. Os traidores e os nossos inimigos estrangeiros, a moda e a estupidez, querem criar nações artificialmente, autonomias do que não tem personalidade histórica e civilizadora à parte. Querem interromper a nossa acção civilizadora e o nosso serviço a favor das integrações e da unidade. Querem dispersar, separar violentamente, criar a divisão, fomentar as rivalidades, gerar o ódio e o ressentimento, provocar a inveja, acicatar a revolta, despertar o egoísmo, soltar a subversão. Os ventos da loucura sopram no planeta, os demónios, como nuvem de gafanhotos, tudo toldam e ensarilham. Portugal resiste, porém. Ergue-se, dentre a poeira e a tempestade; como herói, ergue-se, furando a lama e desafiando os projécteis, ergue-se com a face para as alturas. Mais uma vez estamos em minoria e em recursos minguados. Mas Portugal quer dizer serviço e missão. «O mundo só tem o sentido que nós lhe dermos.» Portugal dará um sentido a mundo. Portugal é Pátria e condutor. Portugal é alma e gloriosa terra herdada. Portugal não pode morrer.
Goulart Nogueira
(In Tempo Presente, n.º 22, págs. 3 a 5, 1961)
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